Pasárgada

…Cheguei no momento da criação do mundo e resolvi não existir. Cheguei ao zero-espaço, ao nada-tempo, ao eu coincidente com vós-tudo, e conclui: No meio do nevoeiro é preciso conduzir o barco devagar.


Serei o que fui, logo que deixe de ser o que sou; porque quando fui forçado a ser o que sou, foi porque era o que fui.

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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Batismo do Senhor


Cristãos (ou apenas batizados)

Durante estes últimos dias fomos conduzidos várias vezes ao presépio para contemplarmos o mistério do Natal de Nosso Senhor. Muitas foram as lições que tiramos: a simplicidade, o respeito ao ser humano, a busca de trabalhar pela paz, o amor como elemento essencial da vida comunitária e pessoal, e a necessidade de “meditar” para compreender melhor o projeto de Deus. No domingo passado, na solenidade da Epifania, éramos chamados ao acolhimento e a abertura a todos para vivermos verdadeiramente numa Igreja católica. Hoje estamos para encerrar o período litúrgico do Natal com a Festa do Batismo do Senhor, que nos aponta o início de seu ministério público. As leituras de hoje mais uma vez nos ajudarão a compreender profundamente o que celebramos.
Na primeira leitura (Is 42, 1-4.6-7) Isaías apresenta a vocação do chamado Servo de Javé, ou Servo Sofredor. Os primeiros cristãos entenderam a figura do “Servo” como sendo realizada plenamente em Jesus Cristo. O texto de hoje nos apresenta a missão do Servo de Javé: ele deverá estabelecer a justiça e será luz para as nações. Ainda nos é afirmado como ele não agirá: cumprirá sua missão não com violência, mas com doçura; não destruirá o que está parcialmente estragado, mas irá procurar recuperá-lo. E finalmente o profeta indica que o “Servo” não desanimará, será perseverante e forte, diante dos sofrimentos e das oposições.
O Servo é o eleito, isto é, o escolhido de Deus e estará repleto do Espírito divino para levar a justiça a todas as nações. Também ele será a luz a iluminar pessoas e povos e as tirará das trevas. Será missão deste “Servo” ser o centro da aliança de Deus com o seu povo, e manifestará grande amor para com os homens mais sofridos e necessitados.
Sem dúvida nós também ao lermos esta profecia identificamos a imagem daquele Servo de Javé com Jesus Cristo. Sabemos que Cristo veio trazer a justiça, “justificando a todos”, e o fez através de sua morte e ressurreição. Justificar significa tornar justo, e nós recebemos esta “justificação” quando somos mergulhados nas águas do batismo participando assim do Mistério Pascal.
Ainda na profecia olhamos o modo suave e misericordioso do agir de Nosso Senhor, e na sua ação podemos entender bem melhor quem é o seu Pai: um Deus que é amor infinito! O fato de Jesus nunca ter admitido a violência deve levar seus seguidores a serem homens de paz, e a nunca usarem da violência em nenhuma circunstância da vida.
Podemos então nos perguntar:
• Vemos em Jesus a realização da profecia de Isaías?
• Compreendemos que é Jesus que nos torna “justos”?
• Qual é o conceito que fazemos de Deus?
• Buscamos viver e agir como o “Servo de Javé” em nosso relacionamento com os nossos irmãos e, sobretudo com os pecadores, fracos e necessitados?

Em nossa segunda leitura (Atos 10,34-38) encontramos o Apóstolo Pedro em Cesaréia na casa de Cornélio. Havia então uma questão muito delicada que dividia a nascente comunidade cristã: os pagãos poderiam ser admitidos ao batismo? Não teriam eles primeiramente que serem circuncidados e tornarem-se judeus? Tudo isso trazia enorme divisão e muita briga. O Apóstolo Paulo dedicou-se de modo todo especial e com muito empenho na evangelização dos pagãos, mas Pedro teve muitas dificuldades neste campo. No texto de hoje vemos Pedro dizer claramente que “Deus não faz distinção entre as pessoas”, indicando com isto que Jesus veio para salvar a todos!
Deus não usa de parcialidade, e em suas escolhas não é racista. Em outras palavras Deus não olha para a pertença étnico-cultural ou religiosa de uma pessoa, mas leva em conta a consciência e o coração de cada um. Assim todos os muros de separação deveriam cair para dar lugar à unidade: raça, sexo, cultura, etc.tudo isto é acidental! Diante disto é claro que os pagãos são também chamados a seguir Jesus, e podem ser batizados, assim ingressando no único corpo de Cristo que é a sua Igreja.
Ainda no final do texto apresentado hoje, Pedro faz uma síntese da vida de Jesus, frisando que iniciou sua vida pública no batismo do Jordão, e passou toda a vida fazendo o bem porque Deus estava com ele!
No batismo Jesus é consagrado no Espírito Santo. Este pormenor serve para explicar a messianidade de Jesus, pois Cristo significa o ungido! A palavra messias é sinônimo da palavra Cristo. Em geral quando usamos o artigo antes da palavra Cristo queremos significar a função: O Cristo = o messias = o ungido. Quando a palavra Cristo vem sem o artigo, em geral se trata de um nome próprio fruto da tradição: Jesus Cristo. Também este pormenor serve para preparar a próxima cena, que é a descida do Espírito Santo sobre a família de Cornélio (At 10,44-45).
A atividade de Jesus é concentrada nos gestos de libertação em favor dos doentes e oprimidos pelo poder do mal, por isto Pedro afirma que Jesus passou toda sua vida fazendo o bem. Aqui vemos o cumprimento pleno das profecias do “Servo de Javé” na pessoa de Jesus, o Senhor de todos.
Muita riqueza se pode extrair destes poucos versículos dos Atos dos Apóstolos. Poderíamos nos perguntar se nós fazemos ou não distinção de pessoas? E chegaremos a triste conclusão que fazemos sim, pois com facilidade por vários e diferentes motivos separamos as pessoas, rotulamos e as excluímos. Pior ainda quando vemos em nossas comunidades cristãs as diferenças que são feitas para as pessoas de acordo com suas posses econômicas. É muito triste que este espírito do mundo invada uma comunidade ou paróquia!
Ainda poderíamos deste texto tirar todo um programa, ou projeto, para nossa vida de seguidores do Senhor: lutar contra o mal, buscar fazer o bem, e procurar sempre estar com Deus presente em nosso coração e na nossa vida.
O cultivo da “graça da justificação”, da vida divina que recebemos em nós no nosso batismo, deve ser um elemento essencial de nossas vidas. E é claro que o crescer na intimidade com Deus sempre nos levará ao compromisso de estar aberto a todos os irmãos, os servindo e dando por eles nossa vida.
Poderíamos nos questionar seriamente:
• Fazemos distinção de pessoas?
• Buscamos a união ou somos instrumentos de divisão?
• Nossa comunidade cristã faz diferença entre as pessoas e cultiva a divisão?
• Em nosso relacionamento com o irmão buscamos fazer o bem?
• Que ações manifestam nosso amor concreto pelos irmãos mais sofredores e necessitados?
• Deus é verdadeira presença em nossa vida?
O Evangelho (Mt 3, 13- 17) nos apresenta de maneira muitíssimo simples o Batismo de Jesus.Podemos dividir em duas partes o nosso texto: o protesto de João Batista, e o fato do batismo do Senhor.
O povo de Israel foi preparado durante muito tempo para a vinda do Messias. João Batista teve como missão especial executar a preparação próxima, e apontar o Senhor já presente no meio do seu povo. João era um homem honesto, sabia quem era e não fazia conceito mais elevado de si mesmo. Ele estava na margem do rio Jordão para convidar o povo a abrir o coração, mudar de vida e preparar-se para acolher o Salvador.  O batismo que administrava era neste sentido, um batismo de preparação e conversão. Mas ele sabia que o Salvador, é que traria o verdadeiro batismo pelo qual iria dar vida nova e plena a todos os homens (Mt 3, 11). João afirma que é ele que necessita do batismo de Jesus.
Mateus atribui muita importância ao batismo de Cristo, pois na Igreja estava acontecendo um duro confronto com os que continuavam seguindo João Batista. Estes afirmavam que Jesus era inferior ao Batista porque foi por ele batizado. Deste modo impunha-se uma refutação a este modo errôneo de ver as coisas, e reforçar a fé na messianidade do Senhor. Neste sentido encontramos o diálogo de Jesus com João Batista, onde o Senhor afirma que é necessário que se cumpra toda a justiça. Trata-se pois de cumprir em tudo a vontade e o querer do Pai. Deste modo Jesus está ensinando ao Batista a fazer aquilo que Deus quer. Depois deste diálogo João entende a vontade de Deus e concorda em batizar Jesus.   
Fazia tempo que o povo esperava ansiosamente o Messias, podemos dizer que durante trezentos anos parecia que o céu estivesse fechado, pois Deus estava em silêncio. Nenhum profeta apareceu naqueles tempos antes de João Batista, e durante três séculos os responsáveis pela religião optaram por prenderem-se a Lei e sua letra, apresentando a idéia de um Deus vingativo e intransigente. Praticamente tinham abandonado o conceito anterior de Deus como um esposo fiel, como misericórdia e amor, e como o defensor de seu povo. Deste modo a religião incutia apenas medo e angústia! Não era possível mais continuar assim, por isto muitos esperavam uma mudança religiosa, e também ansiavam por uma mudança radical no mal que abatia a sociedade: a injustiça, a violência, a mentira, o desamor, etc.
A mensagem do Batista traz sem dúvida nenhuma resquícios de uma mentalidade antiga, ele fala que o Messias virá purificar no fogo e trará uma pá para separar bons e maus (Mt 3,12). Mas Jesus irá proceder de um modo totalmente diferente, seguindo o trajeto do Servo que nos apresenta a primeira leitura nos revelará o infinito amor de Deus por todos, e de modo especial pelos mais fracos. Neste sentido encontramos na cena do batismo o Espírito Santo não em forma de fogo, mas de pomba o que aponta para a doçura e não para a violência.
Depois vem a cena do batismo narrada com grande sobriedade, e nela encontramos como elemento central o testemunho que o Pai dá de Jesus Cristo. Naquele momento ocorre uma “teofânia”, isto é, uma manifestação de Deus: os céus se abrem, o Espírito em forma de pomba desce sobre Jesus, e o Pai fala do céu. Estes elementos eram conhecidos pelos judeus, vejamos.
“Céus abertos”: fazia muito tempo que o céu estava fechado, isto é, desde o pecado da origem o homem havia se tornado inimigo de Deus. O profeta Isaías (Is 63,15-19) pede a Deus que ponha fim ao seu silêncio, implora que os “céus se abram” e que pela misericórdia divina haja reconciliação dos homens com Deus e com os demais irmãos. Além disso, como já refletimos fazia mais de trezentos anos que não aparecia um homem de Deus ou um profeta, parecia mesmo que Deus não queria mais se comunicar com seu povo. Agora a partir de Jesus os céus estão abertos, ousaria até dizer “escancaradamente abertos!” Agora sim é o próprio Deus que vem para se comunicar com seu povo sem a necessidade de intermediários, Jesus é verdadeiramente o Emanuel, Deus conosco!
Em seguida vem a imagem da “pomba” que lembra o tempo do dilúvio onde também os céus estavam fechados, e quando a pomba voltou com um ramo de oliveira tudo recomeçou em paz! Mas porque o Espírito Santo é apresentado na forma de pomba? Parece que seja devido ao sentido que a “pomba” tinha para os judeus como símbolo da doçura e do amor. Este foi o estilo adotado por Jesus em toda sua vida, ele nunca usou o estilo do abutre ou o da águia! Aqui podemos retomar a primeira leitura que nos apontava como o Servo agiria, e mesmo a segunda leitura de hoje nos indicando a síntese do modo de agir de Jesus. È interessante notar que nosso texto diz que o Espírito desceu em Jesus “como uma pomba”, e com isto não deseja afirmar que o Espírito se manifestou sob a figura de um pássaro. Trata-se de uma imagem puramente simbólica com a finalidade de transmitir uma realidade invisível. De fato Jesus estava repleto do Espírito Santo como profetizará Isaías (Is 61, 1-2).
Por fim vem a grandiosa revelação do Pai que dá sentido a toda cena: ali está o prometido, o messias, o Filho eterno do Pai! As leituras hoje vão nos apresentando Jesus como o “UNGIDO” do Pai, como o CRISTO. Primeiro é o testemunho dos profetas na primeira leitura, depois o testemunho dos Apóstolos na segunda leitura, em seguida o mais importante testemunho, o do Pai Celeste que apresenta Jesus como seu Filho amado em nosso texto evangélico de hoje.
Pelo testemunho do Pai percebemos que Jesus é mais que Rei (Sl 2,7), mais que servo (Is 42,1) é o filho amado e querido! O Batismo de Jesus também nos aponta para o caminho da Cruz, que faz parte integrante de sua vida, pois ele mesmo chama sua morte de batismo (Mc 10,38-39).
Poderíamos agora nos perguntar o motivo pelo qual Jesus quis ser batizado já que Ele nunca teve pecado. Certamente ele desceu as águas para ser solidário com todos os homens pecadores, e lá afundou no rio Jordão os pecados da humanidade. Com sua morte e ressurreição trouxe a paz verdadeira, a Redenção. Mas também no Jordão santificou as águas, de modo que todo aquele que é mergulhado na água do batismo participa de sua morte e da sua ressurreição. Depois de ser batizado Jesus saiu logo da água, e não foi dentro do rio que ocorreu a manifestação de Deus. “Sair da água” é a vida nova que o Senhor comunica a todos os que recebem a graça do seu batismo. Assim há grande diferença entre o batismo de João que era de penitência e preparação, e o batismo de Cristo que nos traz uma verdadeira participação na vida divina.
É interessante que a água aparece nos grandes momentos da história do povo de Deus: Moisés é recolhido das águas do Nilo (Ex 2,10). O povo de Israel passa a pé enxuto nas águas do Mar Vermelho (Ex 14,21-22), e o povo para entrar na terra da promessa atravessa as águas do rio Jordão (Js 3,14-17). Hoje Jesus sai da água para dar início a construção do Novo Povo de Deus. Jesus que é a água viva (Jo 4, 10.14) santifica as águas sendo batizado no Jordão.  Há muito tempo Jeremias em nome de Deus acusava o povo de ter cavado para si mesmo cisternas fendidas que não podiam reter água! (Jr 2,13). Linguagem viva e simbólica que pode nos apontar todos os que deixam Deus de lado, e procuram construir sua vida tendo como eixo o próprio eu, o orgulho e a vaidade!
A festa do Batismo do Senhor traz a cada um de nós uma profunda reflexão sobre nossas vidas. Todos fomos batizados, mergulhados na morte com Cristo e ressuscitados nele. Recebemos a vida divina, participando desta vida somos de fato filhos de Deus no Filho único que é Jesus. Trata-se de uma verdadeira vida, por isto João diz que de fato somos filhos de Deus mais que ainda não se manifestou o que seremos (I Jo 3, 1 ss). Caminhamos na fé e não na visão, por isto não percebemos a grandeza de ser filho de Deus. Quanta gente se mostra orgulhosa por ter parentes nobres e influentes, e nós que temos Deus por Pai precisamos ainda destas quinquilharias da vaidade humana?
Viver como filhos de Deus?
Muita gente ignora o próprio batismo, nem sabe para que foi batizado. Precisamos revalorizar nosso batismo e vivê-lo de modo mais profundo.
Sabemos o dia em que fomos batizados? Comemoramos este dia como um dia importantíssimo de nossas vidas?
Na Igreja primitiva em geral só se batizavam adultos, mas logo as crianças começaram a ser batizadas também, e isto devido a fé de seus pais. Trata-se de algo bem lógico: quem pediu para nascer ou quem pediu para ser batizado quando criança? Como recebemos a vida humana de modo gracioso, recebemos no batismo a vida de Deus também de modo gratuito! Nossos pais agiram assim, pois acharam que era o melhor para nós!
Quando crescemos e nos tornamos conscientes precisamos pessoalmente assumir o dom que recebemos, e aí encontramos a necessidade de fazer todo um itinerário de fé. A catequese para a primeira eucaristia e crisma irão nos ajudar a assumir nosso ser de batizados. Mas depois disto precisamos de modo firme e perseverante continuar nosso crescimento na fé, e para isto existem tantos grupos, movimentos e pastorais que visam fazer com que cresçamos na fé, em nossa vida da graça, e na comunhão fraterna na comunidade.
Oxalá que a festa do Batismo do Senhor nos leve a reassumir os nossos compromissos batismais. Que cada um de nós possa de fato esforçar-se por viver bem como verdadeiro filho de Deus: amando-o, obedecendo a sua vontade e, sobretudo confiando e entregando-lhe a própria vida.
Mas também que como batizados vivamos de modo mais concreto nossa vida fraterna, nos tratando como verdadeiros irmãos. Que este comportamento nos leve a viver uma vida de verdadeira família em nossas comunidades cristãs.
Precisamos valorizar cada vez mais o aspecto comunitário de nossa vida cristã, onde não pode existir distinção de pessoas, nem exclusões e divisões, isto é algo fundamental para que o nosso testemunho de Igreja seja digno e verdadeiramente convincente.
Que nesta semana como compromisso concreto da festa que hoje celebramos nos esforcemos de fato para viver melhor o nosso batismo!
Sete Quedas, 9 de Janeiro
Solenidade do Batismo do Senhor
De 2012

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