Cristãos (ou apenas batizados)
Durante estes últimos dias fomos conduzidos
várias vezes ao presépio para contemplarmos o mistério do Natal de Nosso Senhor.
Muitas foram as lições que tiramos: a simplicidade, o respeito ao ser humano, a
busca de trabalhar pela paz, o amor como elemento essencial da vida comunitária
e pessoal, e a necessidade de “meditar” para compreender melhor o projeto de Deus.
No domingo passado, na solenidade da Epifania, éramos chamados ao acolhimento e
a abertura a todos para vivermos verdadeiramente numa Igreja católica. Hoje estamos
para encerrar o período litúrgico do Natal com a Festa do Batismo do Senhor, que
nos aponta o início de seu ministério público. As leituras de hoje mais uma vez
nos ajudarão a compreender profundamente o que celebramos.
Na primeira leitura (Is 42, 1-4.6-7)
Isaías apresenta a vocação do chamado Servo de Javé, ou Servo Sofredor. Os primeiros
cristãos entenderam a figura do “Servo” como sendo realizada plenamente em Jesus
Cristo. O texto de hoje nos apresenta a missão do Servo de Javé: ele deverá estabelecer
a justiça e será luz para as nações. Ainda nos é afirmado como ele não agirá: cumprirá
sua missão não com violência, mas com doçura; não destruirá o que está parcialmente
estragado, mas irá procurar recuperá-lo. E finalmente o profeta indica que o “Servo”
não desanimará, será perseverante e forte, diante dos sofrimentos e das oposições.
O Servo é o eleito, isto é, o escolhido
de Deus e estará repleto do Espírito divino para levar a justiça a todas as nações.
Também ele será a luz a iluminar pessoas e povos e as tirará das trevas. Será missão
deste “Servo” ser o centro da aliança de Deus com o seu povo, e manifestará grande
amor para com os homens mais sofridos e necessitados.
Sem dúvida nós também ao lermos esta
profecia identificamos a imagem daquele Servo de Javé com Jesus Cristo. Sabemos
que Cristo veio trazer a justiça, “justificando a todos”, e o fez através de sua
morte e ressurreição. Justificar significa tornar justo, e nós recebemos esta “justificação”
quando somos mergulhados nas águas do batismo participando assim do Mistério Pascal.
Ainda na profecia olhamos o modo suave
e misericordioso do agir de Nosso Senhor, e na sua ação podemos entender bem melhor
quem é o seu Pai: um Deus que é amor infinito! O fato de Jesus nunca ter admitido
a violência deve levar seus seguidores a serem homens de paz, e a nunca usarem da
violência em nenhuma circunstância da vida.
Podemos então nos perguntar:
• Vemos em Jesus a realização
da profecia de Isaías?
• Compreendemos que
é Jesus que nos torna “justos”?
• Qual é o conceito
que fazemos de Deus?
• Buscamos viver e agir
como o “Servo de Javé” em nosso relacionamento com os nossos irmãos e, sobretudo
com os pecadores, fracos e necessitados?
Em
nossa segunda leitura (Atos 10,34-38) encontramos o Apóstolo Pedro em Cesaréia na
casa de Cornélio. Havia então uma questão muito delicada que dividia a nascente
comunidade cristã: os pagãos poderiam ser admitidos ao batismo? Não teriam eles
primeiramente que serem circuncidados e tornarem-se judeus? Tudo isso trazia enorme
divisão e muita briga. O Apóstolo Paulo dedicou-se de modo todo especial e com muito
empenho na evangelização dos pagãos, mas Pedro teve muitas dificuldades neste campo.
No texto de hoje vemos Pedro dizer claramente que “Deus não faz distinção entre
as pessoas”, indicando com isto que Jesus veio para salvar a todos!
Deus não usa de parcialidade, e em
suas escolhas não é racista. Em outras palavras Deus não olha para a pertença étnico-cultural
ou religiosa de uma pessoa, mas leva em conta a consciência e o coração de cada
um. Assim todos os muros de separação deveriam cair para dar lugar à unidade: raça,
sexo, cultura, etc.tudo isto é acidental! Diante disto é claro que os pagãos são
também chamados a seguir Jesus, e podem ser batizados, assim ingressando no único
corpo de Cristo que é a sua Igreja.
Ainda no final do texto apresentado
hoje, Pedro faz uma síntese da vida de Jesus, frisando que iniciou sua vida pública
no batismo do Jordão, e passou toda a vida fazendo o bem porque Deus estava com
ele!
No batismo Jesus é consagrado no Espírito
Santo. Este pormenor serve para explicar a messianidade de Jesus, pois Cristo significa
o ungido! A palavra messias é sinônimo da palavra Cristo. Em geral quando usamos
o artigo antes da palavra Cristo queremos significar a função: O Cristo = o messias
= o ungido. Quando a palavra Cristo vem sem o artigo, em geral se trata de um nome
próprio fruto da tradição: Jesus Cristo. Também este pormenor serve para preparar
a próxima cena, que é a descida do Espírito Santo sobre a família de Cornélio (At
10,44-45).
A atividade de Jesus é concentrada
nos gestos de libertação em favor dos doentes e oprimidos pelo poder do mal, por
isto Pedro afirma que Jesus passou toda sua vida fazendo o bem. Aqui vemos o cumprimento
pleno das profecias do “Servo de Javé” na pessoa de Jesus, o Senhor de todos.
Muita riqueza se pode extrair destes
poucos versículos dos Atos dos Apóstolos. Poderíamos nos perguntar se nós fazemos
ou não distinção de pessoas? E chegaremos a triste conclusão que fazemos sim, pois
com facilidade por vários e diferentes motivos separamos as pessoas, rotulamos e
as excluímos. Pior ainda quando vemos em nossas comunidades cristãs as diferenças
que são feitas para as pessoas de acordo com suas posses econômicas. É muito triste
que este espírito do mundo invada uma comunidade ou paróquia!
Ainda poderíamos deste texto tirar
todo um programa, ou projeto, para nossa vida de seguidores do Senhor: lutar contra
o mal, buscar fazer o bem, e procurar sempre estar com Deus presente em nosso coração
e na nossa vida.
O cultivo da “graça da justificação”,
da vida divina que recebemos em nós no nosso batismo, deve ser um elemento essencial
de nossas vidas. E é claro que o crescer na intimidade com Deus sempre nos levará
ao compromisso de estar aberto a todos os irmãos, os servindo e dando por eles nossa
vida.
Poderíamos nos questionar seriamente:
• Fazemos distinção
de pessoas?
• Buscamos a união ou
somos instrumentos de divisão?
• Nossa comunidade cristã
faz diferença entre as pessoas e cultiva a divisão?
• Em nosso relacionamento
com o irmão buscamos fazer o bem?
• Que ações manifestam
nosso amor concreto pelos irmãos mais sofredores e necessitados?
• Deus é verdadeira
presença em nossa vida?
O Evangelho (Mt 3, 13- 17) nos apresenta
de maneira muitíssimo simples o Batismo de Jesus.Podemos dividir em duas partes
o nosso texto: o protesto de João Batista, e o fato do batismo do Senhor.
O povo de Israel foi preparado durante
muito tempo para a vinda do Messias. João Batista teve como missão especial executar
a preparação próxima, e apontar o Senhor já presente no meio do seu povo. João era
um homem honesto, sabia quem era e não fazia conceito mais elevado de si mesmo.
Ele estava na margem do rio Jordão para convidar o povo a abrir o coração, mudar
de vida e preparar-se para acolher o Salvador.
O batismo que administrava era neste sentido, um batismo de preparação e
conversão. Mas ele sabia que o Salvador, é que traria o verdadeiro batismo pelo
qual iria dar vida nova e plena a todos os homens (Mt 3, 11). João afirma que é
ele que necessita do batismo de Jesus.
Mateus atribui muita importância ao
batismo de Cristo, pois na Igreja estava acontecendo um duro confronto com os que
continuavam seguindo João Batista. Estes afirmavam que Jesus era inferior ao Batista
porque foi por ele batizado. Deste modo impunha-se uma refutação a este modo errôneo
de ver as coisas, e reforçar a fé na messianidade do Senhor. Neste sentido encontramos
o diálogo de Jesus com João Batista, onde o Senhor afirma que é necessário que se
cumpra toda a justiça. Trata-se pois de cumprir em tudo a vontade e o querer do
Pai. Deste modo Jesus está ensinando ao Batista a fazer aquilo que Deus quer. Depois
deste diálogo João entende a vontade de Deus e concorda em batizar Jesus.
Fazia tempo que o povo esperava ansiosamente
o Messias, podemos dizer que durante trezentos anos parecia que o céu estivesse
fechado, pois Deus estava em silêncio. Nenhum profeta apareceu naqueles tempos antes
de João Batista, e durante três séculos os responsáveis pela religião optaram por
prenderem-se a Lei e sua letra, apresentando a idéia de um Deus vingativo e intransigente.
Praticamente tinham abandonado o conceito anterior de Deus como um esposo fiel,
como misericórdia e amor, e como o defensor de seu povo. Deste modo a religião incutia
apenas medo e angústia! Não era possível mais continuar assim, por isto muitos esperavam
uma mudança religiosa, e também ansiavam por uma mudança radical no mal que abatia
a sociedade: a injustiça, a violência, a mentira, o desamor, etc.
A mensagem do Batista traz sem dúvida
nenhuma resquícios de uma mentalidade antiga, ele fala que o Messias virá purificar
no fogo e trará uma pá para separar bons e maus (Mt 3,12). Mas Jesus irá proceder
de um modo totalmente diferente, seguindo o trajeto do Servo que nos apresenta a
primeira leitura nos revelará o infinito amor de Deus por todos, e de modo especial
pelos mais fracos. Neste sentido encontramos na cena do batismo o Espírito Santo
não em forma de fogo, mas de pomba o que aponta para a doçura e não para a violência.
Depois vem a cena do batismo narrada
com grande sobriedade, e nela encontramos como elemento central o testemunho que
o Pai dá de Jesus Cristo. Naquele momento ocorre uma “teofânia”, isto é, uma manifestação
de Deus: os céus se abrem, o Espírito em forma de pomba desce sobre Jesus, e o Pai
fala do céu. Estes elementos eram conhecidos pelos judeus, vejamos.
“Céus abertos”: fazia muito tempo
que o céu estava fechado, isto é, desde o pecado da origem o homem havia se tornado
inimigo de Deus. O profeta Isaías (Is 63,15-19) pede a Deus que ponha fim ao seu
silêncio, implora que os “céus se abram” e que pela misericórdia divina haja reconciliação
dos homens com Deus e com os demais irmãos. Além disso, como já refletimos fazia
mais de trezentos anos que não aparecia um homem de Deus ou um profeta, parecia
mesmo que Deus não queria mais se comunicar com seu povo. Agora a partir de Jesus
os céus estão abertos, ousaria até dizer “escancaradamente abertos!” Agora sim é
o próprio Deus que vem para se comunicar com seu povo sem a necessidade de intermediários,
Jesus é verdadeiramente o Emanuel, Deus conosco!
Em seguida vem a imagem da “pomba”
que lembra o tempo do dilúvio onde também os céus estavam fechados, e quando a pomba
voltou com um ramo de oliveira tudo recomeçou em paz! Mas porque o Espírito Santo
é apresentado na forma de pomba? Parece que seja devido ao sentido que a “pomba”
tinha para os judeus como símbolo da doçura e do amor. Este foi o estilo adotado
por Jesus em toda sua vida, ele nunca usou o estilo do abutre ou o da águia! Aqui
podemos retomar a primeira leitura que nos apontava como o Servo agiria, e mesmo
a segunda leitura de hoje nos indicando a síntese do modo de agir de Jesus. È interessante
notar que nosso texto diz que o Espírito desceu em Jesus “como uma pomba”, e com
isto não deseja afirmar que o Espírito se manifestou sob a figura de um pássaro.
Trata-se de uma imagem puramente simbólica com a finalidade de transmitir uma realidade
invisível. De fato Jesus estava repleto do Espírito Santo como profetizará Isaías
(Is 61, 1-2).
Por fim vem a grandiosa revelação
do Pai que dá sentido a toda cena: ali está o prometido, o messias, o Filho eterno
do Pai! As leituras hoje vão nos apresentando Jesus como o “UNGIDO” do Pai, como
o CRISTO. Primeiro é o testemunho dos profetas na primeira leitura, depois o testemunho
dos Apóstolos na segunda leitura, em seguida o mais importante testemunho, o do
Pai Celeste que apresenta Jesus como seu Filho amado em nosso texto evangélico de
hoje.
Pelo testemunho do Pai percebemos
que Jesus é mais que Rei (Sl 2,7), mais que servo (Is 42,1) é o filho amado e querido!
O Batismo de Jesus também nos aponta para o caminho da Cruz, que faz parte integrante
de sua vida, pois ele mesmo chama sua morte de batismo (Mc 10,38-39).
Poderíamos agora nos perguntar o motivo
pelo qual Jesus quis ser batizado já que Ele nunca teve pecado. Certamente ele desceu
as águas para ser solidário com todos os homens pecadores, e lá afundou no rio Jordão
os pecados da humanidade. Com sua morte e ressurreição trouxe a paz verdadeira,
a Redenção. Mas também no Jordão santificou as águas, de modo que todo aquele que
é mergulhado na água do batismo participa de sua morte e da sua ressurreição. Depois
de ser batizado Jesus saiu logo da água, e não foi dentro do rio que ocorreu a manifestação
de Deus. “Sair da água” é a vida nova que o Senhor comunica a todos os que recebem
a graça do seu batismo. Assim há grande diferença entre o batismo de João que era
de penitência e preparação, e o batismo de Cristo que nos traz uma verdadeira participação
na vida divina.
É interessante que a água aparece
nos grandes momentos da história do povo de Deus: Moisés é recolhido das águas do
Nilo (Ex 2,10). O povo de Israel passa a pé enxuto nas águas do Mar Vermelho (Ex
14,21-22), e o povo para entrar na terra da promessa atravessa as águas do rio Jordão
(Js 3,14-17). Hoje Jesus sai da água para dar início a construção do Novo Povo de
Deus. Jesus que é a água viva (Jo 4, 10.14) santifica as águas sendo batizado no
Jordão. Há muito tempo Jeremias em nome de
Deus acusava o povo de ter cavado para si mesmo cisternas fendidas que não podiam
reter água! (Jr 2,13). Linguagem viva e simbólica que pode nos apontar todos os
que deixam Deus de lado, e procuram construir sua vida tendo como eixo o próprio
eu, o orgulho e a vaidade!
A festa do Batismo do Senhor traz
a cada um de nós uma profunda reflexão sobre nossas vidas. Todos fomos batizados,
mergulhados na morte com Cristo e ressuscitados nele. Recebemos a vida divina, participando
desta vida somos de fato filhos de Deus no Filho único que é Jesus. Trata-se de
uma verdadeira vida, por isto João diz que de fato somos filhos de Deus mais que
ainda não se manifestou o que seremos (I Jo 3, 1 ss). Caminhamos na fé e não na
visão, por isto não percebemos a grandeza de ser filho de Deus. Quanta gente se
mostra orgulhosa por ter parentes nobres e influentes, e nós que temos Deus por
Pai precisamos ainda destas quinquilharias da vaidade humana?
Viver como filhos de
Deus?
Muita gente ignora o próprio batismo,
nem sabe para que foi batizado. Precisamos revalorizar nosso batismo e vivê-lo de
modo mais profundo.
Sabemos o dia em que fomos batizados? Comemoramos este dia como
um dia importantíssimo de nossas vidas?
Na Igreja primitiva em geral só se
batizavam adultos, mas logo as crianças começaram a ser batizadas também, e isto
devido a fé de seus pais. Trata-se de algo bem lógico: quem pediu para nascer ou
quem pediu para ser batizado quando criança? Como recebemos a vida humana de modo
gracioso, recebemos no batismo a vida de Deus também de modo gratuito! Nossos pais
agiram assim, pois acharam que era o melhor para nós!
Quando crescemos e nos tornamos conscientes
precisamos pessoalmente assumir o dom que recebemos, e aí encontramos a necessidade
de fazer todo um itinerário de fé. A catequese para a primeira eucaristia e crisma
irão nos ajudar a assumir nosso ser de batizados. Mas depois disto precisamos de
modo firme e perseverante continuar nosso crescimento na fé, e para isto existem
tantos grupos, movimentos e pastorais que visam fazer com que cresçamos na fé, em
nossa vida da graça, e na comunhão fraterna na comunidade.
Oxalá que a festa do Batismo do Senhor
nos leve a reassumir os nossos compromissos batismais. Que cada um de nós possa
de fato esforçar-se por viver bem como verdadeiro filho de Deus: amando-o, obedecendo
a sua vontade e, sobretudo confiando e entregando-lhe a própria vida.
Mas também que como batizados vivamos
de modo mais concreto nossa vida fraterna, nos tratando como verdadeiros irmãos.
Que este comportamento nos leve a viver uma vida de verdadeira família em nossas
comunidades cristãs.
Precisamos valorizar cada vez mais
o aspecto comunitário de nossa vida cristã, onde não pode existir distinção de pessoas,
nem exclusões e divisões, isto é algo fundamental para que o nosso testemunho de
Igreja seja digno e verdadeiramente convincente.
Que nesta semana como compromisso
concreto da festa que hoje celebramos nos esforcemos de fato para viver melhor o
nosso batismo!
Sete Quedas, 9 de
Janeiro
Solenidade do
Batismo do Senhor
De 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.