O Pensamento kantiano na sua filosofia Crítica II
(Dupla Introdução ao Juízo)
A Crítica da Razão Pura (1781) levou uma década para ser elaborada. A dificuldade de compreensão do texto era tanta que obrigou uma segunda edição, revista e melhorada, em 1787. Nesse intervalo, Immanuel Kant (1724-1804) trabalhou na continuação de seu projeto filosófico. Em 1785, lança a Fundamentação da Metafísica dos Costumes, que seria complementada pelaCrítica da Razão Prática, em 1788. Na primeira crítica, procurava resolver os problemas fundamentais do conhecimento teórico da natureza. Na segunda, voltou-se imediatamente para moral, ou o conhecimento prático das leis que comandam as ações humanas.
Porém, Kant deve ter sentido falta de justificações razoáveis para a forma como são feitas as avaliações sobre as ações e sobre as relações causais dos objetos da natureza. Ato contínuo, partiu para composição da Crítica da Faculdade de Julgar, ou simplesmente Crítica do Juízo, publicada dois anos depois da segunda crítica.
A Crítica do Juízo (CJ) visava preencher a lacuna existente entre os dois mundos, sensível e supra-sensível, o que exigia uma terceira repartição da filosofia. Além da divisão em teórica e prática, caberia a inclusão da estética, em uma nova classificação, onde se encontrariam os juízos a priori da faculdade de julgar, ainda que fossem subjetivos e não uma base sólida para o conhecimento objetivo da natureza. As dificuldades de apresentar essa nova divisão do sistema filosófico, que abrigasse os juízos estéticos, forçaram a formulação de duas introduções dedicadas a esclarecer o novo quadro esquemático das faculdades mentais humanas.
Na primeira introdução, que foi substituída por uma outra mais concisa logo na primeira edição da CJ, o método da crítica, criado por Kant, aparece como um instrumento de investigação do sistema filosófico que se põe à parte deste, com intuito de criticar a sua possibilidade de conhecer algo verdadeiro. Dessa perspectiva, os princípios científicos da realidade seriam divididos em filosofia teórica e prática, subentendidas em filosofias da natureza e dos costumes, respectivamente, cujos conhecimentos seriam empíricos ou puros (a priori). A filosofia prática trataria apenas das leis da liberdade e seu conteúdo. As outras teorias seriam dedicadas ao estudo da natureza das coisas e suas leis, incluindo aquilo que fosse aplicação prática dessas investigações, o que não se confunde com a prática propriamente dita [1].
Enquanto seguissem as leis naturais, as proposições seriam consideradas teóricas, ainda que fossem derivadas da vontade. Só quando fossem leis de liberdade é que seus princípios seriam definidos como práticos, ou seja, deveriam estar completamente livre de inclinações ou qualquer outra influência material. Enunciados de aparência prática, voltados para o conteúdo de um objeto, pertenceriam ao conhecimento teórico e não formariam um domínio específico da ciência. Nem a física, nem a psicologia poderiam reivindicar o uso legítimo do termo “prática”, que, para Kant, deveria ser restrito à metafísica dos costumes. A moral, esta sim, determinaria a necessidade de uma ação na forma de uma lei em geral, como o imperativo categórico, sem se ater aos conteúdos dos objetos, pois seriam princípios próprios da liberdade. Ademais, o conhecimento teórico da natureza nada diria sobre sua possibilidade. As proposições com aparência de comandos práticos sobre a natureza - a maneira como se deve atingir um fim, ou meta -, nada mais seriam do que enunciados técnicos, pertinentes à arte, no sentido que os gregos a entendiam. O que vale dizer que fariam parte do conhecimento teórico da natureza e suas consequências. Nesse sentido, a faculdade de julgar - ou Juízo -, de um modo geral, estaria fundada em juízos técnicos não objetivos, que nada determinariam sobre o objeto, ao contrário dos juízos práticos. Seriam somente juízos subjetivos, pois se refeririam apenas a uma concepção elaborada pelo sujeito acerca das coisas [2].
As faculdades do conhecimento superior que operam conceitos a priori são divididas em entendimento – faculdade das regras universais -; juízo – faculdade de ligação do particular ao universal -; e a razão – faculdade de determinação do particular por princípios universais. ACrítica da Razão Pura (CRP) procurou fornecer, teoricamente, as leis universais da natureza, ou sua possibilidade. A Crítica da Razão Prática definiu o imperativo categórico como lei da liberdade. Por depender de outras faculdades, ao juízo resta como próprio o conceito de finalidade da natureza, que permite avaliar se o particular está contido no universal, conforme a sua destinação. Isto implica na existência de um sistema de leis empíricas, contingentes, que permitiria ao juízo fazer essa correspondência. Esse sistema, mesmo que provisório, é capaz de fornecer princípios subjetivos úteis na condução da investigação empírica. Em função de sua insuficiência, o juízo propõe princípios que precisam ser atendidos por leis universais, que revelem a coerência e a sistematização das leis empíricas.
O juízo concebe a natureza como arte ou técnica submetida por leis particulares que sustentam a validade de suas máximas subjetivas. A representação da natureza como arte pressupõe a idéia de um agente que oriente as conexões naturais. Para saber se existe uma autoria subjacente às causalidades técnicas - relações mecânicas de causa e efeito - deve-se fazer uma investigação crítica sobre os domínios e limites dessas vinculações [3].
A mente humana pode ser reduzida a três capacidades: conhecer, sentir, desejar. Destas, o sentimento de prazer é o único que não promove nenhum conhecimento que requeira uma determinação fundamentada. A vinculação entre saber, desejo e prazer não constitui um sistema, mas um amontoado de conceitos. Para fazer parte de um sistema da filosofia, os sentimentos devem ser fundamentados a priori e submetidos a uma crítica adequada. O entendimento fornece tais princípios ao saber, com base nos conceitos de natureza, e a razão à vontade, com base na liberdade. Os sentimentos estão entre esses dois domínios e precisam descobrir quais são os conceitos que fundamentam os princípios a priori do sentir. O juízo só diz respeito ao indivíduo e não leva a nenhum conceito dos objetos [4].
Um Sistema para o Juízo
As leis empíricas não chegam a formar um todo compreensível aos homens, devido à grande quantidade de leis e sua aparência caótica. Contudo, se faz necessário pressupor subjetivamente uma relação de afinidade entre as diversas leis particulares e as universais. Esse é um princípio transcendental do juízo. O entendimento e a razão não podem fazer a correspondência entre o universal e o particular, por abstraírem toda diversidade da matéria e se restringirem à forma. Só o juízo pode cumprir essa necessidade natural de fixar um princípio para a experiência. Ao contrário das leis formais, as particulares não cumprem os requisitos do conhecimento. Seria preciso, então, que o juízo unisse todas as leis empíricas, para que se estabelecessem experiências sistemáticas na natureza [5].
Na faculdade de julgar, o chamado juízo reflexionante é aquele que compara as representações e conceitos, avaliando os fenômenos particulares e ligando-os às leis universais de modo ascendente. Juízos reflexionantes fazem a correspondência inversa dos juízos determinantes, que procuram os elementos particulares que fazem parte de um universal, de forma descendente. O juízo faz o trabalho de refletir sobre os conceitos naturais universais, de acordo com suas próprias regras, sintetizando a experiência e submetendo-lhes as intuições empíricas. No caso da experiência particular, o juízo pressupõe que a natureza pode ser adequada à sistematização, antes de fazer as primeiras comparações, como um princípio a priori. Ao fazer sua reflexão, o juízo atua criativamente sobre a técnica da natureza, com leis subjetivas adequadas às leis naturais, ao mesmo tempo em que mobiliza uma lógica própria do juízo. Agindo desse modo, acaba por se formar um sistema empírico da natureza. A forçosa artificialidade desse processo confere o estatuto de arte à atividade do Juízo, cujo princípio básico é: “especificar as leis universais em casos empíricos, conforme um sistema lógico” [6]. Embora a finalidade lógica de um juízo não possa ser demonstrada na realidade, é pensada como universal, graças à relação de suas formas com uma finalidade na natureza suposta pelo processo de sistematização que é feito [7].
Nesse processo, as formas da natureza revelam uma finalidade lógica que torna possível as redes de conteúdo empíricas classificadas de acordo com suas semelhanças. Dependendo da configuração da experiência, até mesmo uma finalidade absoluta pode ser postulada pelo Juízo. O juízo reflexionante conseguiria distinguir, portanto, o que é um simples agrupamento casual, do que é um arranjo artístico. Uma vez encontrado um princípio de finalidade entre os objetos empíricos, pode-se sempre postular os mesmos fundamentos para coisas que tenham formas semelhantes. Tudo isso é feito apesar da objetividade estar fora do alcance do juízo, em um mundo supra-sensível, cujo acesso se dá apenas pela razão [8].
O juízo é a única faculdade apta a atribuir finalidades à natureza, orientando as classificações das formas particulares, sob leis empíricas, sem no entanto, determinar suas formas naturais. Além disso, está pronta para distinguir a mecânica da causalidade técnica na natureza, das obras de arte, que possuem uma intencionalidade subjacente. As finalidades artísticas e as técnicas só existem no juízo e não na natureza, efetivamente. A reflexão do juízo considera os esquemas da imaginação e os conceitos do entendimento. Os juízos estéticos de reflexão resultam, então, da atividade da imaginação, do entendimento e da atribuição de finalidade feita pela própria faculdade de julgar.
Em suma, as leis empíricas são interpretadas por princípios que formam um sistema no juízo. Quando, se percebe uma forma no objeto que corresponda a um fim natural, então, essa finalidade é considerada objetivamente e os juízos adequados são chamados teleológicos, fruto de uma reflexão, mas não de uma determinação [9].
Lógicos e Estéticos
Juízos estéticos são a forma pela qual um sujeito apreende aquilo que o afeta, em sua sensibilidade. Sempre que se referir aos sentimentos, a estética não pode gerar qualquer conhecimento objetivo, mas apenas subjetivo. Por conta disso, não pode ser uma ciência propriamente dita, como pretendia Baumgarten [10]. Para evitar confusões, o termo “estética” deve se referir só às atividades do juízo. Um juízo estético objetivo é uma contradição para Kant, pois juízos objetivos são exclusivos do entendimento, única faculdade que julga as coisas em geral.
Juízos reflexionantes sobre objetos particulares, são também estéticos, e podem unir imaginação e entendimento em seu uso subjetivo e sensível do saber. Diferem dos juízos lógicos, que são juízos determinantes e possuem um conceito objetivo em seus predicados. Juízos estéticos extraídos dos sentidos têm predicados que fazem referência direta a um sentimento. Os chamados juízos estéticos universais não têm predicados objetivos, mas podem pretender aspirar a um estatuto de conhecimento geral, fundado na sensação subjetiva e não nos sentimentos de dor e prazer, pois estes são completamente subjetivos. Ao se postular a universalidade dos juízos, a fundamentação deve ser buscada nas regras das faculdades superiores e não nos sentimentos. Cada uma das faculdades pode produzir um tipo de juízo: o entendimento, juízos teóricos; a faculdade de julgar, juízos estéticos; e a razão, juízos práticos [11].
Na estética kantiana, não é possível associar perfeição às representações sensíveis, porque isso exigiria um conceito intelectual do entendimento, que misturaria as faculdades e tornaria sem sentido a distinção entre lógica e estética. A perfeição diz respeito à unidade do ente (ontologia) e não se aplica aos sentimentos. A finalidade objetiva na natureza requer o conceito de perfeição próprio do juízo teleológico, sem auxílio de sentimentos. A intuição empírica é suficiente para formação dos juízos de sentimento. A busca da perfeição depende da razão, enquanto a beleza precisa da reflexão do juízo, que avalia subjetivamente a sua finalidade. A relação entre conhecimento e sentimentos não passa por conceitos objetivos e sua influência na mente não pode ser determinada a priori. Do ponto de vista transcendental, prazer é um estado mental que visa se perpetuar ou realizar seu objeto. Juízos estéticos de reflexão tratam de mantê-lo e os práticos tentam realizá-lo. Em todo caso, o prazer demanda apenas fruição e não compreensão. Portanto, as representações ligadas aos sentimentos só poderiam ser explicadas, analisadas, mas não deduzidas, ou demonstradas [12].
Dos Juízos Teleológicos
A finalidade da natureza é formal quando a intuição é trabalhada na imaginação. Sua realidade é compreendida pelo entendimento que opera os conceitos que se apoiam em relações causais, e que, por sua vez, dependem das leis empíricas. Os juízos teleológicos são aqueles que avaliam as suas possibilidades de fundamentação. Nesse sentido, a razão fornece a idéia transcendental da experiência de forma a priori, para os juízos estéticos. Logo, o juízo colabora com a imaginação, entendimento e razão quando são feitas as representações dos fins naturais. Não obstante, as causas finais dizem respeito apenas ao juízo e não estão na experiência. Seus conceitos e leis particulares são uma criação exclusiva da sistematização feita pelo juízo. Os produtos da arte seriam, entretanto, capazes de sugerir um projeto racional dos objetos e seus fins naturais, que são representações típicas dos juízos reflexionantes. Hipóteses sobre as finalidades racionais são construídas por meio de juízos determinantes, através do uso transcendental da razão, ao encontrar sua causa universal. A reflexão sobre os objetos naturais e suas leis mecânicas é importante para fundamentar a causalidade. Mas para determinação teleológica do conceito é preciso transcender os limites da natureza e encontrar a intencionalidade, ou fim racional do objeto. A afirmação dessa intencionalidade cabe, por definição, à razão e não ao juízo [13].
Ao servir de fundamento, os princípios podem ser empíricos, a priori, ou uma composição de ambos. Uma investigação psicológica sobre o gosto não alcança o estatuto de uma ciência filosófica, pois não consegue demonstrar nenhum conhecimento do assunto, nem a necessidade a priori da origem empírica dos princípios. A pretensão de um princípio a priori que orienta a crítica é algo que, embora não seja uma conclusão factível de todos os princípios do sujeito, tem a sua postulação de necessidade justificada pelo juízo. Por ser transcendental, tal investigação cabe à razão pura, mesmo que seja vã [14].
Sem um princípio a priori, é impossível aos juízos teleológicos conhecer os fins da natureza. Porém, à semelhança dos juízos estéticos, não podem pretender afirmar objetivamente esses fins. Por algo ser tal na natureza, não quer dizer que deva ser assim, essa é uma lição aprendida de Hume [15]. A natureza é totalmente contingente. Todavia, por não se poder determinar os juízos estéticos e teleológicos, com leis empíricas, resta então considerá-los como reflexionantes e referentes a princípios a priori da razão pura [16].
Kant chamou sua primeira introdução ao juízo de propedêutica enciclopédica. Uma apresentação sumária do sistema da capacidade de conhecer e da localização das devidas faculdades estudadas. Apesar de subjetivamente, tentou estabelecer a condição de necessidade do juízo a priori para o conhecimento dos fins naturais; seus juízos reflexionantes; a divisão entre faculdades estéticas e teleológicas, enquanto ressaltava a importância da crítica do gosto sensível e supra-sensível, ao qual se referem respectivamente. A arte vê, então, sua finalidade vinculada a juízos sobre sentimentos de modo a priorístico [17].
A crítica do juízo, mesmo fundada em princípios a priori reflexionantes, não pode sustentar uma doutrina própria, pois precisa de leis e esquemas do entendimento e da imaginação. Além disso, suas finalidades subjetivas não fundam, mas apenas mencionam os sentimentos de prazer e dor, como juízos estéticos, por um lado, e como juízos teleológicos, quando se referem à possibilidade de fins naturais dos seus objetos. Como resultado dessa investigação, a belezaaparece na finalidade da forma do fenômeno e o gosto no poder deliberar sobre seu valor. O juízo do sublime teria uma finalidade interna absoluta, na obra de Kant, e diferenciar-se-ia da beleza por esta ter uma finalidade relativa à forma de uma representação, na disposição mental dos sujeitos. No caso de juízos teleológicos, a finalidade interna considera a perfeição da coisa, ao passo que, a finalidade relativa está voltada para utilidade do fim. Nesse sentido, a crítica prossegue sua divisão a partir do julgamento do belo, passando depois ao julgamento da beleza artística, de onde decorreria uma fundamentação do juízo de beleza natural [18].
Reintrodução ao Juízo
A primeira introdução à CJ vence em extensão e detalhes a segunda, mas deixa a desejar em clareza. Por causa disso, as primeiras edições saíram do prelo com o prefácio e introdução reescritos de modo mais preciso que na primeira tentativa. Assim, o sistema filosófico imaginado por Kant pôde aparecer mais nítido. À primeira vista, a divisão da mente humana se fez em faculdades que atuariam arquitetonicamente na produção de conhecimentos puros e empíricos. A razão pura buscaria conhecer as coisas a priori e os limites da especulação, depois que o entendimento fixasse os conceitos e leis de conhecimento da natureza. A razão prática determinaria os fins desejados pela vontade em função da liberdade humana. Entre essas duas faculdades, o juízo atuaria como meio termo das concepções teóricas do entendimento e práticas da razão.
Por conseguinte, o juízo deveria conter princípios a priori, apesar de subjetivos, prontos para promover o julgamento de um particular que estivesse submetido a uma regra universal. Tais seriam os juízos estéticos sobre o belo e o sublime, a natureza e a arte. Por outro lado, além de poder ponderar os sentimentos de prazer e dor, o juízo deveria mostrar a conformidade das coisas com suas leis, gerando juízos teleológicos sobre os fins da natureza. Destarte, o juízo funcionaria como uma ponte entre os mundos sensível da experiência e supra-sensível, da metafísica, ou seja entre os fenômenos e as coisas em si. Nessa atividade, são empregados juízos reflexionantes que submeteriam as coisas particulares ao princípio universal, onde se encontra a finalidade anterior a tudo.
Para atingir o conhecimento geral, o juízo tem na finalidade formal da natureza seu princípio transcendental. Com estes princípios, o juízo pode fazer as ligações do predicado universal com o conceito empírico que possui. A finalidade da natureza está entre os princípios transcendentais que fundam a priori a investigação empírica. Por meio desses princípios é possível estabelecer axiomas que sustentam teoremas científicos. A conformidade das finalidades com o conhecimento resulta dos princípios transcendentais do juízo, sob os quais se determinam os particulares – como juízos determinantes. Não se trata, entretanto, de conceitos da natureza, objetos do entendimento, nem de liberdade pertinente à razão, mas de máximas do juízo. Tais máximas apontam para uma finalidade transcendental da natureza, contudo, seu conteúdo subjetivo faz com que se subordine ao entendimento, a fim de poder expandi-lo a toda experiência, agora como juízo reflexionante [19].
O entendimento ordena a natureza, de acordo com leis empíricas, enquanto o juízo consolida a unidade dos princípios sobre fins naturais, acompanhados dos sentimentos de prazer ou dor. Tais sentimentos pretendem ter um valor universal, por serem, também determinados pela razão a priori. A unidade descoberta nas leis empíricas produz um prazer, ou dor, como motivação para conhecer os limites da natureza [20].
Representações subjetivas dos objetos têm valor estético. Porém, quando permitem a determinação do objeto seu valor é lógico. O sentido do espaço, nesse contexto, proporciona o acesso às coisas externas, como fenômenos. A sensação externa serve, então, ao conhecimento dos objetos fora do sujeito, mas os sentimentos de prazer e dor não. Pois são meros efeitos do conhecimento. A finalidade, portanto, é um elemento subjetivo da representação que não pode constituir por si um conhecimento dos objetos. Não passa de uma representação estética da finalidade natural. A apreensão da forma de um objeto pela intuição que não estiver ligada a um conceito, pertence só ao sujeito, logo é subjetiva. O prazer de se comparar forma e objeto, no juízo, chama-se belo. Concorre, para tanto, a existência de harmonia entre imaginação e entendimento, ainda que não seja necessária a ligação entre prazer e representação do objeto. A reflexão mostra tal relação de modo legítimo, aspirando um valor universal para sua experimentação, não obstante, a postulação transcendental do juízo por um princípio a priori. Quando essa reflexão busca uma finalidade para ações morais livres de inclinações, o juízo produz o sentimento de sublime que o separa, na crítica, do belo [21].
Fim Natural
A beleza é uma exibição estética do conceito de finalidade formal subjetiva com uma intuição correspondente. A estética julga essa finalidade por meio dos sentimentos de prazer e dor. Além disso, tenta encontrar juízos a priori que fundem sua reflexão e a vinculação de particulares à forma universal que o entendimento, por si só, não é capaz de fazer.
Ao transcender os domínios da estética, os fins objetivos passam a ser assuntos da razão e do entendimento, que devem determinar onde aplicar os conceitos formais da natureza, descendo do universal ao particular. Na lógica do entendimento e da razão, os fins são objetivamente exibidos por meio de conceitos reais de finalidade, formando juízos teleológicos. Contudo, as leis da finalidade da natureza são gerais e cabe ao juízo estético decidir como os sentimentos relacionam as coisas com o conhecimento. Enquanto isso, o juízo teleológico é destinado a determinar as condições de julgamento de qualquer coisa submetida à idéia de fim natural [22].
Finalmente, as duas introduções terminam reforçando a tese de que todo juízo deve supor a possibilidade a priori de seu conhecimento, sem visar uma aplicação racional. Desse modo, o juízo fica a meio caminho entre os conceitos naturais de entendimento e suas finalidades transcendentais de razão, sendo portanto ladeado pelas razão teórica e razão prática. A subjetividade de seus enunciados não permitiria a sustentação de uma objetividade final. No entanto, o Juízo seria capaz de fornecer o suporte supra-sensível aos fundamentos compreendidos pelo entendimento, ao mesmo tempo em que possibilita à razão a passagem do domínio da natureza para o da liberdade. Tarefas que são cruciais para viabilidade de todo método da crítica kantiano.
Notas
1. Veja KANT, I. Primeira Introdução à Crítica do Juízo, I, pp. 195-7 (paginação da Akademie-Ausgabe).
2. Veja KANT, I. Op.cit., idem, pp. 197-201.
3. Veja KANT, I. Idem, II, pp. 201-5.
4. Veja KANT, I. Ibidem, III, pp. 205-8.
5. Veja KANT, I. Ibidem, IV, pp. 208-11.
6. KANT. I. Ibidem, V, p. 216.
7. Veja KANT, I. Ibidem, V, pp. 211-16.
8. Veja KANT, I Ibidem, VI, pp. 217-18.
9. Veja KANT, I. Ibidem, VII, pp. 219-21.
10. Veja BAUMGARTEN, A.G. Estética, part. I, § 116.
11. Veja KANT, I. Ibidem, VIII, pp. 221-26.
12. Veja KANT, I. Ibidem, idem, pp. 226-32.
13. Veja KANT, I. Ibidem, IX, pp. 232-37.
14. Veja KANT, I. Ibidem, X, pp. 237-39.
15. Veja HUME, D. Investigação sobre o Entendimento Humano, seç. XII, part. III, §132, p. 203.
16. Veja KANT, I. Ibidem, X, pp. 239-41.
17. Veja KANT, I. Ibidem, XI, pp. 241-47.
18. Veja KANT, I. Ibidem, XII, pp. 247-51.
19. Veja KANT, I. Introdução, V, pp. 181-186.
20. Veja KANT, I. Op. cit., VI, pp. 186-188.
21. Veja KANT, I. Idem, VII, pp. 188-193.
22. Veja KANT, I. Ibidem, VIII, pp. 192-194.
Bibliografia
ARENDT, H. Lições sobre a Filosofia Política de Kant; trad. André D. de Macedo. – Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.
BAUMGARTEN, A.G.. Estética; trad. Mirian S. Medeiros. – Petrópolis: Vozes, 1993.
KANT, I. “Observações sobre o Sentimento do Belo e do Sublime”; trad. Vinícius de Figueiredo. – Campinas: Papirus, 1993.
____. Crítica da Razão Pura; trad. Alexandre F. Morujão e Manuela P. dos Santos. – Lisboa: Caloute Gulbenkian, 1989.
____. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, in Textos Selecionados; trad. Paulo Quintela. – São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores).
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