Justificados
pela fé no Filho (Romanos 3.21-26)
Introdução
Os nossos pecados nos separam de Deus (Is 59.2).
Imagine essa separação como um abismo. Qual seria a sua profundidade? Antes de
responder, lembre não dos nossos pecados, mas de quem ofendemos, um Deus
eterno, santo e infinito. Portanto, os efeitos da ofensa são dessas proporções.
O abismo de culpa será infinito. Nem toda a justiça do mundo seria capaz de
preenchê-lo.
A conclusão de Paulo na primeira parte da sua
apresentação do evangelho é que o homem, por si só, está perdido. Porém, agora,
o apóstolo passa a apresentar a segunda parte do evangelho, a providência que
Deus tomou para termos de novo comunhão com ele. Deus satisfez a sua justiça na
pessoa do Filho, portanto, podemos ser justificados pela fé em Cristo. Veja
como.
I. Graça: fonte da
justificação
Os romanos não encontrariam em si próprios a fonte da
justificação. Por isso, deveriam tirar os olhos deles mesmos e se voltarem em
outra direção, para outra fonte, a graça de Deus (Rm 2.24).
a. A realidade humana
1. Culpado – O apóstolo já havia discorrido sobre a situação espiritual do ser humano,
gentio ou judeu. Todos estavam debaixo da ira de Deus (Rm 1.18), pois eram
igualmente culpados (Rm 1.20; 2.1,23; 3.23).
2. Incapaz – Outra realidade é a incapacidade que o homem tem de se autojustificar
diante de Deus com algum mérito ou justiça própria (Jr 13.23; Is 64.6). Ninguém
será justificado diante de Deus por obras da lei (Rm 3.20).
3. Rebelde – O ser humano não só está em situação de desespero espiritual e sem
condições próprias de sair dela, como também, não tem esse desejo (Rm 3.10,11).
É pecador condenado, incapaz de se autojustificar, e rebelde.
b. A iniciativa de
Deus
Aqui começa a mudança radical. “Ninguém será
justificado por obras da lei” (Rm 4.20), mas é possível ser justificado pela
graça de Deus (Rm 3.24). Tudo o que o homem não consegue por esforço próprio,
Deus lhe concede de graça (Ef 2.8,9). E por que graça?
Primeiro, porque não merecíamos ser salvos, pois éramos todos culpados aos olhos de
Deus. Só merecíamos condenação. Mesmo assim, ele resolveu nos salvar. Segundo, essa salvação é de graça, porque Jesus fez o que não poderíamos fazer para
adquiri-la. Ele viveu uma vida de perfeição que não poderíamos viver (Mt 3.17;
17.5; Fp 2.8; Hb 4.15) e ainda pagou por uma culpa que não tínhamos condições
de pagar (Is 53.5,6). Por último, é graça,
porque ele tomou a iniciativa de nos buscar, enquanto desgarrados e fugitivos
(Mt 1.21; Lc 19.10). Ele nos encontrou e nos amou primeiro (1Jo 4.10). Não
esperou que fôssemos ao seu encontro (nunca faríamos isso), mas nos alcançou
como um pastor que busca a sua ovelha perdida (Lc 15.4-6).
II. A obra de Cristo:
o fundamento da justificação
Paulo toma emprestado um termo dos tribunais de
justiça e descreve a ação de um juiz em absolver um acusado. A justificação é
um termo legal que se refere ao ato ou efeito de declarar justa uma pessoa. Mas, em primeiro lugar, isso não significa que o pecador
passa a ser essencialmente justo, puro ou sem nenhum pecado. Essa é uma
declaração judicial do tribunal de Deus.
E como é que um Deus santo, justo e irado contra os pecadores pode olhar para
pessoas culpadas e declará-las justas, ou seja, absolvê-las diante do seu
tribunal? Não seria contraditório? (Dt 25.1; Pv 17.15) Seria, se as nossas
próprias obras fossem a base da nossa justificação. Porém, Deus nos declara
justificados com base na obra de Cristo, que pode ser assim descrita:
a. Redenção
Fomos “justificados … mediante a redenção que há em Cristo” (Rm 2.24). Redenção era
um termo comercial e no Antigo Testamento era usado para escravos comprados
para serem libertados. Dizia-se que esses escravos haviam sido redimidos ou
resgatados (Lv 25.47-49). O termo foi também usado com referência ao povo de
Israel, “remido” ou “resgatado” do cativeiro, primeiro do Egito (Êx 6.6) e
depois na Babilônia (Is 43.1), e em seguida restaurado à sua própria terra. Nós
também fomos resgatados (Mc 10.45; Is 53.10), pois Cristo pagou para deixarmos
de ser escravos do pecado e sermos seu povo e propriedade (1Co 6.20; 7.23; 1Pe
2.9; Ap 5.9). Logo, tudo o que foi pago, não o foi com o nosso próprio esforço
e sim com o sangue de Cristo.
b. Propiciação
Outro termo usado para se referir a obra de Cristo
é propiciação. A nossa justificação foi, “por sua graça,
mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue,
como propiciação” (Rm 2.24,25). A palavra propiciação significa primariamente
“aplacar a ira”. No Tabernáculo do Antigo Testamento, o propiciatório era a
tampa da arca da aliança (Êx 37.6-9; Lv 16.1-3, 11-14, 30, 34). Uma vez por
ano, o sangue da expiação era aspergido sobre o propiciatório pelo sacerdote.
Esse ritual mostrava que a culpa do pecado do povo havia sido expiada e que a ira
de Deus havia sido aplacada. No contexto em que Paulo escreveu, o termo
propiciação também pode ser entendido como o lugar onde a ira de Deus foi
derramada ou aplacada. Em outras palavras, Cristo assumiu o nosso lugar debaixo
da ira de Deus, poupando-nos assim de sermos condenados. Ele foi o nosso
propiciatório. Logo, Deus pode ser favorável (propício) a nós, porque a sua ira
já foi aplacada por Jesus (Hb 2.27; 1Jo 2.2; 4.10).
c. Manifestação
Deus não anulou sua justiça e simplesmente absolveu
pecadores culpados. Pelo contrário, ele a manifestou de
modo claro. Por meio da morte de Jesus a sua justiça foi satisfeita. Nenhum
pecado do seu povo ficou sem condenação. Todas as iniqüidades que nos separavam
de Deus e nos faziam seus inimigos foram castigadas em Cristo (Is 53.5; 1Co
11.24). Não houve impunidade. Para Deus nos declarar justificados,
as nossas culpas precisavam antes ser pagas. Para que pudéssemos nos apresentar
diante de Deus e sermos tratados como inocentes, a nossa dívida precisaria
estar quitada. Logo, ainda que não sejamos inocentes e não deixemos de ser
pecadores, agora, tão somente por causa da obra de Cristo, Deus nos declara
justificados. Essa é a resposta para o pecador que precisa de salvação. Aquilo
que ele não pode fazer por si mesmo, que é apresentar uma justiça própria, Deus
já manifestou em Jesus. Por isso, Deus não é injusto quando nos recebe como
filhos, estende a sua misericórdia e graça até nós, pois a sua justiça já foi
manifesta no Filho.
III. A fé: o meio da
justificação
Agora passamos de toda a obra que Cristo realizou fora
de nós, no tempo e no espaço, para a maneira como nos apropriamos dela e dos
seus benefícios. É somente por meio da fé que somos justificados. Paulo a
menciona oito vezes em Romanos 3.21-31. Mas a fé não é uma obra em particular
no lugar das boas-obras. Também não é um sentimento meritório que nos justifica
diante de Deus. A fé é um instrumento por meio do qual desfrutamos de todos os
benefícios da obra consumada de Cristo. A própria fé é uma dádiva de Deus (Ef
2.8,9). Ela é nosso estender de mãos vazias para receber o presente da salvação
que há somente em Cristo. Mas o que é essa fé? Há um consenso entre os
estudiosos da Bíblia que a genuína fé tem três elementos básicos: conhecimento,
aceitação ou convicção e compromisso.
a. Conhecimento
A fé à qual a Bíblia se refere não é uma crença cega
ou uma submissão passiva a uma igreja ou grupo religioso. Muitos dizem ter fé
em Deus ou em Cristo, mas nada sabem a respeito deles. Muitos se filiam às
igrejas só porque a mensagem que ouvem os fazem se sentir melhores, gostam da
música ou lá possuem amigos. Nada sabem a respeito do pecado e da salvação.
Jesus, em muitos ambientes, é muito mais um símbolo do que o Salvador. Mas
temos de saber em quem temos crido, assim como Paulo sabia (2Tm 1.12b). Jesus
mesmo disse que a vida eterna era conhecê-lo e conhecer o único Deus verdadeiro
(Jo 17.3). Só podemos crer em quem conhecemos. Antes do evangelho chegar ao
nosso coração, o seu conteúdo tem de passar pela nossa mente.
b. Aceitação
A fé como conhecimento é o primeiro elemento, porém
não é o único. Há também a necessidade de aceitação ou convicção de que a
mensagem do evangelho é algo pessoal. Devo não somente conhecer o evangelho,
mas crer que ele é verdadeiro. Temos que estar persuadidos das nossas ofensas pessoais a Deus, de que somos particularmente pecadores, e de que Cristo
morreu por nós.
Alguns até têm um conhecimento intelectual das
doutrinas centrais da Bíblia, mas falam delas como se fossem idéias abstratas
ou um sistema filosófico qualquer. Um físico é capaz de se sentir muito mais
emocionado e motivado com suas fórmulas matemáticas do que essas pessoas com as
verdades eternas de salvação. Devemos não somente confessar, mas crer de todo o
nosso coração (Rm 10.9).
c. Compromisso
O terceiro elemento da fé é o compromisso. Tiago,
falando da importância do compromisso, disse que os demônios conheciam e criam
em Deus (Tg 2.19). Mas devemos nos comprometer com Cristo, obedecendo-o (Jo
14.21,23; 15.10,14), sendo seus discípulos (Mt 28.19,20) e submetendo-nos a ele
não somente como Salvador e como Senhor (Mt 6.24). O evangelho envolve mudança
de valores, compromisso com reino de Deus e com o seu Rei e o desejo intenso de
seguir e obedecer a Jesus.
Essa é a fé da qual a Bíblia fala que é o instrumento
dado por Deus para que sejamos justificados. Tudo o que Jesus conquistou na
cruz é comunicado a nós por meio da fé. Somos declarados justificados somente pela fé, com base na obra de Cristo somente e como fruto somente da graça de Deus.
Conclusão
O apóstolo passou boa parte da sua carta mostrando
porque o homem precisava de salvação. Ele queria convencer tanto os judeus
quanto os gentios, de que ambos eram culpados diante de Deus e que nada
poderiam fazer para se salvarem. Para isso ele os confrontou com a lei de Deus,
seja a lei moral que havia no coração dos gentios e a lei entregue por Moisés,
da qual os judeus eram conhecedores. A única conclusão possível foi que todos
eram pecadores, portanto culpados e separados da glória de Deus (Rm 3.23).
A solução é a justificação pela fé em Cristo. Tudo o
que não tínhamos condição de fazer, ele fez por nós. A sua obra consumada na
cruz satisfez a justiça de Deus e desviou de sobre nós a sua ira, levando-a ele
mesmo sobre si. Portanto, só podemos chegar a Deus por meio da fé em Jesus,
pela qual somos declarados por Deus como justificados.
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