CONVIDADOS PARA A FESTA DO REINO (Mt
22,1-14)
A
vivermos o Advento, prepararmos o Natal do Senhor e a prepararmo-nos para o
Natal queremos pensar que o Natal é festa do Reino de Deus trazido por Jesus o
Cristo ensinado por ele a fim de que todo aquele que n’Ele crer seja incluído
na comunidade do Reino, por isso merece a devida preparação com o tempo do
Advento.
Vamos
fazer referência ao Reino de Deus que se dá com a incarnação do Verbo e sua
pregação, Advento e Natal. O objectivo é sensibilizar-nos a acolher Jesus e
seguir sua proposta de salvação.
Notemos,
em primeiro lugar, que o Reino de Deus, o poder divino sobre todas as coisas,
apresenta-se como uma festa: os trabalhos cessam, para se entregar à alegria.
Pensemos
nas núpcias do Cordeiro, em Apocalipse 21. Núpcias de Deus com a humanidade,
para, com Ele, tornar-nos uma só carne. Nesta parábola, somos apenas
convidados, mas outros textos dirão que fazemos somente um com o Filho. Em todo
caso, aqui somos convidados para um banquete.
Sabemos
a importância do alimento na Bíblia. Este tema é abordado desde o primeiro
capítulo de Gênesis, no versículo 29. E continua: em Génesis 2,16-17, lemos que
quem come do fruto da árvore proibida, para fazer a experiência do mal,
morrerá. No outro extremo da Bíblia, as coisas se invertem.
Temos ali uma nova árvore, na qual se afixa o espectáculo do nosso mal, da
nossa loucura homicida, e a revelação do bem absoluto, do amor que leva o Filho
a dar a própria vida, para que dela vivamos.
Desta vez, ao contrário de Gênesis 2, quem
come do fruto desta árvore viverá, e quem se recusa a comer dele, morrerá (cf.
João 6). Não precisamos retomar todos os textos das Escrituras que colocam o
tema do alimento e da refeição em primeiro plano, como o Maná, a mesa preparada
no deserto de sede e de fome (Salmo 78,29). Concentremo-nos somente em que a
cruz é o leito nupcial das bodas do Filho com a humanidade,
e que o banquete de núpcias torna-se Eucaristia, ou seja, Ação de Graças.
Os convidados
Acabo
de dizer que somos ao mesmo tempo os convidados e os esposados. Quando dizemos
“esposados”, queremos insistir em que, no Filho, Deus vem fazer Sua a nossa
carne. E quando dizemos “convidados”, queremos sublinhar que isto não se produz
sem o assentimento da nossa liberdade. É preciso que, de nossa parte, haja um
deslocamento em resposta ao “deslocamento” realizado por Deus, que veio
juntar-se a nós. É indispensável o nosso “sim”, como eco do “sim” de Maria no
“relato” da Anunciação.
Nesta parábola, nos é dito que os
primeiros convidados, os que o Rei havia escolhido, recusaram o convite. Não
vamos esquecer que, desde o princípio do capítulo 21, Jesus está se dirigindo
aos sumos sacerdotes, aos anciãos do povo e aos fariseus. Temos aí os
convidados que se esquivaram. No lugar deles, estarão presentes nas núpcias
todos os desconhecidos, recrutados nas “encruzilhadas dos caminhos” das cidades
e dos campos. “Todos os que encontrardes”, diz o texto, fazendo questão de
precisar, “maus e bons”. O que pode surpreender! Mas, no fundo, a questão não
está em ser bom ou ser mau: quem verdadeiramente pode pretender-se bom? De
fato, a questão está em responder ou não responder ao convite: convite que é
endereçado a todo o mundo. Recusar corresponde a desprezar o dom de Deus: dom
de Si mesmo. Os primeiros convidados não se interessaram pelas núpcias
propostas. Chegaram até mesmo a matar os que lhes transmitiram o convite.
Prelúdio ao homicídio do Filho e de muitos que, mais tarde, irão anunciar o seu
Evangelho.
O traje de festa
Surpreendente
este Jesus. Poderíamos crer que a parábola terminaria com o convite aos que não
têm nenhum título a fazer valer, para participarem do banquete de núpcias. E,
no entanto, eis que se abre um novo capítulo; o da expulsão do homem que não se
encontra vestido com o traje de festa! Alguns comentaristas falaram em “estado
de graça”, em rectidão moral, etc.
Penso
que, de novo, é preciso evocar o tema das vestes no conjunto da Bíblia, sem
mais inconvenientes que os de omissão e de resumo. É um tema que começa logo no
início: em Gênesis 3, fala-se da vergonha de Adão e de Eva quando descobrem
estarem nus. Nudez simbólica, com certeza: haviam projectado fazerem-se “como
Deus” (Gen. 3,5), e eis que se descobrem como a serpente (o “astuto”, do
versículo 1, pode também ser traduzido por “nu”.) Despojados e sem defesa. É
Deus quem finalmente os vestirá com “túnicas de pele” de animal: ei-los assim
de volta à imagem desta animalidade que deveriam dominar. No outro extremo do
relato bíblico, pregado na cruz, vamos encontrar o homem nu: seus algozes o
haviam desnudado e repartiram entre si as suas vestes. A nudez, portanto, é o
traje de festa que o Cristo usa em seu leito de núpcias com a humanidade.
Penso ser a partir daí que devemos
interpretar a imagem do homem excluído do banquete, nesta parábola. Não podemos
alcançar a unidade com Deus a não ser se desprovidos de tudo, despojados, sem
nenhum título de fazer valer. O dom de Deus não pode ser senão totalmente
gratuito.
Vozes do natal
“Dominada pelos tiranos e prepotentes, as relações
socioeconómicas e político-culturais destilam opressão, miséria e sofrimento. O
povo caminha com os olhos baixos e os ombros vergados sob o peso de um fardo
maior que suas forças. Uma vez mais, Deus vem abrir os horizontes do percurso
histórico. Vem apontar distintas veredas, outras possibilidades, alternativas
inovadoras”.
Advento
é o tempo litúrgico em que somos convidados a
escutar as vozes dos protagonistas que nos acompanham no percurso de preparação
para o Natal. Entre tais vozes, provindas dos relatos evangélicos da infância
de Jesus, deparamos com anjos e pastores, profetas e profetizas, soberanos e
gente comum. Aqui centramos a atenção em quatro desses protagonistas: Isaías,
João Batista, Maria e José.
Voz de Isaías. O grande profeta do
Antigo Testamento. São dele muitos poemas sobre a vinda do Messias, quando
todas as pessoas e todas as nações formarão um só povo. Em particular, os que
percorreram os caminhos do êxodo e do deserto, do exílio e da diáspora, terão
acesso ao pão, à paz e à pátria. Porque “o
povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e uma luz brilhou para os que
habitavam um país tenebroso” (Is 9,1). Dele Jesus extrairá a expressão que
representa o programa de sua actividade evangelizadora:
“O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque Ele me ungiu. Enviou-me para dar a boa notícia aos pobres, para curar os
corações feridos, para proclamar a libertação aos escravos e por em liberdade
os prisioneiros; para proclamar o ano de graça do Senhor (Is 61,1-2; citado
em Lc 4,18-19). A Boa Nova do Reino de Deus haverá de ser central em toda a
mensagem do profeta itinerante de Nazaré – uma viga mestre de todo o edifício.
Voz
de João Baptista. O cavalo entre o Antigo e o Novo testamentos, simboliza a
passagem da antiga para a nova aliança. Vem como precursor de Jesus. “Preparai os caminhos do Senhor”, diz sua
voz rude, sisuda e solitária, que clama no deserto. O baptismo e a conversão, segundo ele, são a melhor forma de
preparar-se para a novidade.
Preparar o Natal e preparar-se para o
Natal!
Diferentemente do discurso das
bem-aventuranças ou da linguagem do perdão e da misericórdia do Mestre,
entretanto, João não hesita em esgrimir a palavra como uma verdadeira arma,
para falar do julgamento que se avizinha: “o
machado já está posto na raiz das árvores. E toda a árvore que não der bom
fruto, será cortada e jogada ao fogo” (Lc 3,9). Mas reconhece que “no meio de vós existe alguém que vós não
conheceis e que vem depois de mim. Eu não sou digno de desamarrar a correia de
suas sandálias” (Jo 1,26-27). Ele mesmo apontará o Messias a seus próprios
discípulos, alguns dos quais o deixarão para seguir Jesus.
Voz de Maria. Perturbada pela
inesperada visita do anjo Gabriel e por suas palavras iniciais, igualmente
inesperadas – “Alegra-te, cheia de graça,
o Senhor está contigo” – Maria pede explicação sobre a notícia de que
deverá ser mãe. Depois do diálogo entre ela e o visitante, sua resposta não
deixa dúvidas: “Eis a escrava do Senhor:
faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,26-38). O Senhor Deus, aquele
que havia libertado os escravos das
garras do Faraó, no Egipto, irrompe novamente na história humana.
Dominada
pelos tiranos e prepotentes, as relações socioeconómicas e político-culturais
destilam opressão, miséria e sofrimento. O povo caminha com os olhos baixos e
os ombros vergados sob o peso de um fardo maior que suas forças. Uma vez mais,
Deus vem abrir os horizontes do percurso histórico. Vem apontar distintas
veredas, outras possibilidades, alternativas inovadoras. A jovem de Nazaré,
imediata e inteiramente, dispõe-se a contribuir com o projecto de Deus. “De agora em diante todas as gerações me
chamarão bem-aventurada”, canta Maria, sem orgulho e sem falsa humildade
(Lc 1,48b).
Voz
de José. Nos relatos evangélicos, é uma das personagens que jamais faz
ouvir sua voz. Como Maria, também ele aprendeu a silenciar e a prestar atenção
à voz dos anjos, voz que sussurra no meio do mistério das coisas, das pessoas,
da história, do universo e de Deus. Talvez, como diria Santo
Agostinho, seja a voz que “dentro
de mim sabe mais sobre mim que eu mesmo”. Por isso, José é chamado “homem justo, e não queria denunciar Maria”
(Mt 1,19). Representa a voz de quem não fala, do silêncio pleno de sabedoria.
Porém, será sempre o homem certo, no lugar certo e na hora certa. Voz de quem
se dispõe a agir, voz de quem coloca em prática o projecto de Deus. Descoberto
o segredo do mistério, põe-se logo em movimento e, qual guardião desse grande
tesouro, passa a defender a família das adversidades. Verdadeira personificação
do serviço ao próximo e a Deus.
Epifania de “viver em saída…”(Mt
2,1-13)
“E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia
adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino”
(Mateus 2,9).
A “travessia” vivida pelos Magos é a
mesma que todos experimentamos. Somos seres “em saída”, em contínua busca.
Quem busca não permanece sentado olhando o tecto ou
paralisado com o controle remoto da TV na mão ou em redes sociais. Hoje, somos
milhões de pessoas buscando permanentemente no Google, no Facebook, no
WhatsApp…, sentados, parados, anestesiados…
Quem
“sai” está deixando sua acomodada segurança, expondo-se ao que não conhece ou
que lhe dá medo conhecer. Há milhões de pessoas saindo sem pôr os pés na rua,
de garagem em garagem, de centro comercial em centro comercial, viajando de
metrô com os olhos fixos no celular, transitando por circuitos perfeitamente
estabelecidos para não ver o que há mais além do “parque temático” que lhe é
apresentado. Há muitos milhões que vivem com uma venda nos olhos, quer estejam
em casa ou saiam para fazer exercícios. Que buscam? O que as anima a sair? O
que encontram?
O
relato dos Magos não faz referência a pessoas concretas, mas a personagens. Não
eram reis, mas “magos”, ou seja, sábios que investigavam os céus para entender
melhor o que se passava na terra. Porque estavam buscando,
descobriram, encontraram. Notemos que são os que estavam longe
que descobriram, enquanto que aqueles que estavam próximos do Menino não se
inteiraram de nada.
Para
descobrir a presença de Deus, o único
definitivo é a atitude. Ao descobrir algo surpreendente, puseram-se a caminho.
Não sabiam para onde iam, mas arriscaram.
No
caminho que os Magos percorreram para aproximar-se de Jesus, estão as atitudes
daqueles que buscavam a Jesus e se aproximavam das
primeiras comunidades cristãs para conhecê-lo. Nele, está
também representada nossa busca.
O
importante, no texto de Mateus, não é deter-nos na veracidade histórica dos
Magos, mas descobrir a “pérola preciosa” que o evangelista
oferece, tanto para as primeiras comunidades cristãs como para os judeus que se
aproximavam para conhecer Jesus através de seu testemunho.
Como eles poderiam situar-se diante do
nascimento do menino em Belém? Segundo o Evangelista, diante de Jesus podem ser
adoptadas atitudes muito diferentes.
O
relato dos magos nos fala da reacção de três grupos de pessoas. Um grupo é
formado pelas autoridades religiosas, que conheciam muito bem a lei judaica e
sabiam o que significava Belém para a corrente profética. Eles, porém, não
souberam ler os sinais dos tempos e não encontraram Jesus. A religião, quando
se reduz a simples práticas rituais,
atrofia a sensibilidade das pessoas, impedindo-as a abrirem-se às surpresas de
Deus.
Outro
grupo é representado pelo poderoso rei Herodes. Preocupado em preservar seu
poder, ele só vê perigo diante de qualquer situação que o ameace.
Nenhum poder é mediação para deixar-se provocar
pelo novo. (Mt 2,1-13)
O
terceiro grupo é formado por alguns pagãos, guiados pela pequena luz de uma
estrela. Buscaram, puseram-se em marcha e encontraram Jesus.
O
relato é desconcertante. Deus, escondido na fragilidade humana, não é
encontrado pelos que vivem instalados em seu poder ou fechados em sua segurança
religiosa. Revela-se, porém, àqueles que, guiados por pequenas luzes, buscam
incansavelmente uma esperança para o ser
humano, na ternura e na pobreza da vida.
Os
Magos não pertenciam ao povo eleito, não conheciam o Deus vivo de Israel. Nada
sabemos de sua religião nem de seu povo de origem. Só sabemos que eles viviam
atentos ao mistério que se encerra no cosmos. Seu coração buscava
verdade.
Em
algum momento acreditaram ver uma pequena luz que apontava para um Salvador.
Precisavam saber quem era e onde estava.
Abriram-se à luz da estrela e, rapidamente, puseram-se a
caminho. Seria uma perda de tempo? Valia a pena fazer a travessia?
Não
conheciam o itinerário preciso que deveriam seguir. Não sabiam para onde a
estrela os conduziria, e o caminho implicava riscos. Mas, em seu interior,
ardia a esperança de encontrar uma Luz para o mundo.
No
momento em que os Magos desviaram-se da rota de Belém e entraram em Jerusalém
para perguntar onde é que estava o rei dos judeus recém-nascido, a estrela
desapareceu de suas vistas, como que indicando que não é na riqueza e no luxo
das cortes que a Luz de Deus brilha para os corações.
A
estrela também moveu os magos a que deixassem de olhar para ela. Moveu-os a
olharem antes para o lugar, na Terra, para onde ela apontava. Pois é na
simplicidade e pobreza de uma criança que resplandece a luz de Deus.
Reflectindo o evangelho (Mt
2,1-13)
Os
magos não caem de joelhos diante de Herodes. Não encontram nele nada digno de
adoração. Nem entram no Templo grandioso de Jerusalém, pois o acesso lhes é
proibido. A pequena luz da estrela os atrai para o pequeno povoado de Belém,
longe do centro de poder.
Assim
que chegam ao lugar indicado, vêem somente o “menino com Maria, sua mãe”. Nada
mais. Um menino sem esplendor nem poder algum.
Uma
vida frágil que necessita dos cuidados de uma mãe. É suficiente para despertar
nos magos o assombro.
Eles
prostram-se e adoram o Menino Jesus. Cena poética onde Mateus nos ajuda a
romper nossos esquemas mentais. Aqueles que conheciam as escrituras de memória
e sabiam interpretá-las não vão ao encontro de Jesus. Aqueles que sabem ler as
estrelas são capazes de ver mais além das aparências. E o que vêem nesse Menino
é tão profundo que caem prostrados, tiram seus tesouros, esvaziam-se e
enchem-se da nova Luz descoberta.
Foi
assim que a longa jornada dos Magos começou, seguindo o caminho que a luz da
estrela indicava. E ao final de longa peregrinação, chegaram ao lugar
procurado. Banhado pela suave luz da estrela, no meio das vacas, jumentos e
palha, se encontrava um menino. Eles, então, foram iluminados.
Não pela luz da estrela, mas pela luz de uma criança – a Luz das luzes.
Perceberam
que sua busca havia chegado ao fim. Aquilo que os adultos esqueceram e que a
sabedoria busca – as crianças sabem. Ser sábio é ser
criança. O universo é um berço onde dorme uma criança. E, desde
aquele dia, eles deixaram de olhar para as estrelas e passaram a olhar para as
crianças.
Os
sábios vêem o avesso. O avesso é esse: os adultos são os alunos, e as crianças
são os mestres. Por isso, ao encontrarem um menino numa estrebaria, os magos,
os sábios deram por encerrada a sua jornada…começa a jornada do Sábio dos
sábios, o Mestre dos mestres.
Para meditar
Inspirados nos Magos, que descobriram
sinais e começaram um caminho de busca (Mt 2,1-13), podemos perguntar:
·
Que
sinais descobrimos durante este ano?
·
Para
onde nos conduzem esses sinais, como se fossem estrelas a nos guiar?
·
Em
que sentido nos fazem sair da “zona de conforto”, de nossas seguranças?
·
Eles
nos ajudam a priorizar a viagem ao interior de nós mesmos?
·
A
estrela que seguimos nos mobiliza a termos acesso à nossa “gruta” interna, onde
nova vida pulsa por nascer?
·
Ou
preferimos alimentar uma multidão de contactos superficiais através das redes
sociais, afogando-nos nas experiências de solidão?
·
Nossas
“viagens” despertam o espírito solidário e nos comprometem a responder às
necessidades dos mais frágeis ou permanecemos confinados em nós mesmos,
“adorando” nosso “ego”?
Gabela, 30 de
Novembro, festa de Santo André de, 2021
KD
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