Pasárgada

…Cheguei no momento da criação do mundo e resolvi não existir. Cheguei ao zero-espaço, ao nada-tempo, ao eu coincidente com vós-tudo, e conclui: No meio do nevoeiro é preciso conduzir o barco devagar.


Serei o que fui, logo que deixe de ser o que sou; porque quando fui forçado a ser o que sou, foi porque era o que fui.

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domingo, 5 de dezembro de 2021

Retiro do Advento - Casa de formação (Gabela)

 

CONVIDADOS PARA A FESTA DO REINO (Mt 22,1-14)

A vivermos o Advento, prepararmos o Natal do Senhor e a prepararmo-nos para o Natal queremos pensar que o Natal é festa do Reino de Deus trazido por Jesus o Cristo ensinado por ele a fim de que todo aquele que n’Ele crer seja incluído na comunidade do Reino, por isso merece a devida preparação com o tempo do Advento.

Vamos fazer referência ao Reino de Deus que se dá com a incarnação do Verbo e sua pregação, Advento e Natal. O objectivo é sensibilizar-nos a acolher Jesus e seguir sua proposta de salvação.

Notemos, em primeiro lugar, que o Reino de Deus, o poder divino sobre todas as coisas, apresenta-se como uma festa: os trabalhos cessam, para se entregar à alegria.

Pensemos nas núpcias do Cordeiro, em Apocalipse 21. Núpcias de Deus com a humanidade, para, com Ele, tornar-nos uma só carne. Nesta parábola, somos apenas convidados, mas outros textos dirão que fazemos somente um com o Filho. Em todo caso, aqui somos convidados para um banquete.

Sabemos a importância do alimento na Bíblia. Este tema é abordado desde o primeiro capítulo de Gênesis, no versículo 29. E continua: em Génesis 2,16-17, lemos que quem come do fruto da árvore proibida, para fazer a experiência do mal, morrerá. No outro extremo da Bíblia, as coisas se invertem. Temos ali uma nova árvore, na qual se afixa o espectáculo do nosso mal, da nossa loucura homicida, e a revelação do bem absoluto, do amor que leva o Filho a dar a própria vida, para que dela vivamos.

Desta vez, ao contrário de Gênesis 2, quem come do fruto desta árvore viverá, e quem se recusa a comer dele, morrerá (cf. João 6). Não precisamos retomar todos os textos das Escrituras que colocam o tema do alimento e da refeição em primeiro plano, como o Maná, a mesa preparada no deserto de sede e de fome (Salmo 78,29). Concentremo-nos somente em que a cruz é o leito nupcial das bodas do Filho com a humanidade, e que o banquete de núpcias torna-se Eucaristia, ou seja, Ação de Graças.

Os convidados

Acabo de dizer que somos ao mesmo tempo os convidados e os esposados. Quando dizemos “esposados”, queremos insistir em que, no Filho, Deus vem fazer Sua a nossa carne. E quando dizemos “convidados”, queremos sublinhar que isto não se produz sem o assentimento da nossa liberdade. É preciso que, de nossa parte, haja um deslocamento em resposta ao “deslocamento” realizado por Deus, que veio juntar-se a nós. É indispensável o nosso “sim”, como eco do “sim” de Maria no “relato” da Anunciação.

Nesta parábola, nos é dito que os primeiros convidados, os que o Rei havia escolhido, recusaram o convite. Não vamos esquecer que, desde o princípio do capítulo 21, Jesus está se dirigindo aos sumos sacerdotes, aos anciãos do povo e aos fariseus. Temos aí os convidados que se esquivaram. No lugar deles, estarão presentes nas núpcias todos os desconhecidos, recrutados nas “encruzilhadas dos caminhos” das cidades e dos campos. “Todos os que encontrardes”, diz o texto, fazendo questão de precisar, “maus e bons”. O que pode surpreender! Mas, no fundo, a questão não está em ser bom ou ser mau: quem verdadeiramente pode pretender-se bom? De fato, a questão está em responder ou não responder ao convite: convite que é endereçado a todo o mundo. Recusar corresponde a desprezar o dom de Deus: dom de Si mesmo. Os primeiros convidados não se interessaram pelas núpcias propostas. Chegaram até mesmo a matar os que lhes transmitiram o convite. Prelúdio ao homicídio do Filho e de muitos que, mais tarde, irão anunciar o seu Evangelho.

O traje de festa

Surpreendente este Jesus. Poderíamos crer que a parábola terminaria com o convite aos que não têm nenhum título a fazer valer, para participarem do banquete de núpcias. E, no entanto, eis que se abre um novo capítulo; o da expulsão do homem que não se encontra vestido com o traje de festa! Alguns comentaristas falaram em “estado de graça”, em rectidão moral, etc.

Penso que, de novo, é preciso evocar o tema das vestes no conjunto da Bíblia, sem mais inconvenientes que os de omissão e de resumo. É um tema que começa logo no início: em Gênesis 3, fala-se da vergonha de Adão e de Eva quando descobrem estarem nus. Nudez simbólica, com certeza: haviam projectado fazerem-se “como Deus” (Gen. 3,5), e eis que se descobrem como a serpente (o “astuto”, do versículo 1, pode também ser traduzido por “nu”.) Despojados e sem defesa. É Deus quem finalmente os vestirá com “túnicas de pele” de animal: ei-los assim de volta à imagem desta animalidade que deveriam dominar. No outro extremo do relato bíblico, pregado na cruz, vamos encontrar o homem nu: seus algozes o haviam desnudado e repartiram entre si as suas vestes. A nudez, portanto, é o traje de festa que o Cristo usa em seu leito de núpcias com a humanidade.

Penso ser a partir daí que devemos interpretar a imagem do homem excluído do banquete, nesta parábola. Não podemos alcançar a unidade com Deus a não ser se desprovidos de tudo, despojados, sem nenhum título de fazer valer. O dom de Deus não pode ser senão totalmente gratuito.

Vozes do natal

“Dominada pelos tiranos e prepotentes, as relações socioeconómicas e político-culturais destilam opressão, miséria e sofrimento. O povo caminha com os olhos baixos e os ombros vergados sob o peso de um fardo maior que suas forças. Uma vez mais, Deus vem abrir os horizontes do percurso histórico. Vem apontar distintas veredas, outras possibilidades, alternativas inovadoras”.

Advento é o tempo litúrgico em que somos convidados a escutar as vozes dos protagonistas que nos acompanham no percurso de preparação para o Natal. Entre tais vozes, provindas dos relatos evangélicos da infância de Jesus, deparamos com anjos e pastores, profetas e profetizas, soberanos e gente comum. Aqui centramos a atenção em quatro desses protagonistas: Isaías, João Batista, Maria e José.

Voz de Isaías. O grande profeta do Antigo Testamento. São dele muitos poemas sobre a vinda do Messias, quando todas as pessoas e todas as nações formarão um só povo. Em particular, os que percorreram os caminhos do êxodo e do deserto, do exílio e da diáspora, terão acesso ao pão, à paz e à pátria. Porque “o povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e uma luz brilhou para os que habitavam um país tenebroso” (Is 9,1). Dele Jesus extrairá a expressão que representa o programa de sua actividade evangelizadora: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu. Enviou-me para dar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação aos escravos e por em liberdade os prisioneiros; para proclamar o ano de graça do Senhor (Is 61,1-2; citado em Lc 4,18-19). A Boa Nova do Reino de Deus haverá de ser central em toda a mensagem do profeta itinerante de Nazaré – uma viga mestre de todo o edifício.

Voz de João Baptista. O cavalo entre o Antigo e o Novo testamentos, simboliza a passagem da antiga para a nova aliança. Vem como precursor de Jesus. “Preparai os caminhos do Senhor”, diz sua voz rude, sisuda e solitária, que clama no deserto. O baptismo e a conversão, segundo ele, são a melhor forma de preparar-se para a novidade.

Preparar o Natal e preparar-se para o Natal!

Diferentemente do discurso das bem-aventuranças ou da linguagem do perdão e da misericórdia do Mestre, entretanto, João não hesita em esgrimir a palavra como uma verdadeira arma, para falar do julgamento que se avizinha: “o machado já está posto na raiz das árvores. E toda a árvore que não der bom fruto, será cortada e jogada ao fogo” (Lc 3,9). Mas reconhece que “no meio de vós existe alguém que vós não conheceis e que vem depois de mim. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias” (Jo 1,26-27). Ele mesmo apontará o Messias a seus próprios discípulos, alguns dos quais o deixarão para seguir Jesus.

Voz de Maria. Perturbada pela inesperada visita do anjo Gabriel e por suas palavras iniciais, igualmente inesperadas – “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo” – Maria pede explicação sobre a notícia de que deverá ser mãe. Depois do diálogo entre ela e o visitante, sua resposta não deixa dúvidas: “Eis a escrava do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,26-38). O Senhor Deus, aquele que havia libertado os escravos das garras do Faraó, no Egipto, irrompe novamente na história humana.

Dominada pelos tiranos e prepotentes, as relações socioeconómicas e político-culturais destilam opressão, miséria e sofrimento. O povo caminha com os olhos baixos e os ombros vergados sob o peso de um fardo maior que suas forças. Uma vez mais, Deus vem abrir os horizontes do percurso histórico. Vem apontar distintas veredas, outras possibilidades, alternativas inovadoras. A jovem de Nazaré, imediata e inteiramente, dispõe-se a contribuir com o projecto de Deus. “De agora em diante todas as gerações me chamarão bem-aventurada”, canta Maria, sem orgulho e sem falsa humildade (Lc 1,48b).

Voz de José. Nos relatos evangélicos, é uma das personagens que jamais faz ouvir sua voz. Como Maria, também ele aprendeu a silenciar e a prestar atenção à voz dos anjos, voz que sussurra no meio do mistério das coisas, das pessoas, da história, do universo e de Deus. Talvez, como diria Santo Agostinho, seja a voz que “dentro de mim sabe mais sobre mim que eu mesmo”. Por isso, José é chamado “homem justo, e não queria denunciar Maria” (Mt 1,19). Representa a voz de quem não fala, do silêncio pleno de sabedoria. Porém, será sempre o homem certo, no lugar certo e na hora certa. Voz de quem se dispõe a agir, voz de quem coloca em prática o projecto de Deus. Descoberto o segredo do mistério, põe-se logo em movimento e, qual guardião desse grande tesouro, passa a defender a família das adversidades. Verdadeira personificação do serviço ao próximo e a Deus.

Epifania de “viver em saída…”(Mt 2,1-13)

 “E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino” (Mateus 2,9).

A “travessia” vivida pelos Magos é a mesma que todos experimentamos. Somos seres “em saída”, em contínua busca.

Quem busca não permanece sentado olhando o tecto ou paralisado com o controle remoto da TV na mão ou em redes sociais. Hoje, somos milhões de pessoas buscando permanentemente no Google, no Facebook, no WhatsApp…, sentados, parados, anestesiados…

Quem “sai” está deixando sua acomodada segurança, expondo-se ao que não conhece ou que lhe dá medo conhecer. Há milhões de pessoas saindo sem pôr os pés na rua, de garagem em garagem, de centro comercial em centro comercial, viajando de metrô com os olhos fixos no celular, transitando por circuitos perfeitamente estabelecidos para não ver o que há mais além do “parque temático” que lhe é apresentado. Há muitos milhões que vivem com uma venda nos olhos, quer estejam em casa ou saiam para fazer exercícios. Que buscam? O que as anima a sair? O que encontram?

O relato dos Magos não faz referência a pessoas concretas, mas a personagens. Não eram reis, mas “magos”, ou seja, sábios que investigavam os céus para entender melhor o que se passava na terra. Porque estavam buscando, descobriram, encontraram. Notemos que são os que estavam longe que descobriram, enquanto que aqueles que estavam próximos do Menino não se inteiraram de nada.

Para descobrir a presença de Deus, o único definitivo é a atitude. Ao descobrir algo surpreendente, puseram-se a caminho. Não sabiam para onde iam, mas arriscaram.

No caminho que os Magos percorreram para aproximar-se de Jesus, estão as atitudes daqueles que buscavam a Jesus e se aproximavam das primeiras comunidades cristãs para conhecê-lo. Nele, está também representada nossa busca.

O importante, no texto de Mateus, não é deter-nos na veracidade histórica dos Magos, mas descobrir a “pérola preciosa” que o evangelista oferece, tanto para as primeiras comunidades cristãs como para os judeus que se aproximavam para conhecer Jesus através de seu testemunho.

Como eles poderiam situar-se diante do nascimento do menino em Belém? Segundo o Evangelista, diante de Jesus podem ser adoptadas atitudes muito diferentes.

O relato dos magos nos fala da reacção de três grupos de pessoas. Um grupo é formado pelas autoridades religiosas, que conheciam muito bem a lei judaica e sabiam o que significava Belém para a corrente profética. Eles, porém, não souberam ler os sinais dos tempos e não encontraram Jesus. A religião, quando se reduz a simples práticas rituais, atrofia a sensibilidade das pessoas, impedindo-as a abrirem-se às surpresas de Deus.

Outro grupo é representado pelo poderoso rei Herodes. Preocupado em preservar seu poder, ele só vê perigo diante de qualquer situação que o ameace.

Nenhum poder é mediação para deixar-se provocar pelo novo. (Mt 2,1-13)

O terceiro grupo é formado por alguns pagãos, guiados pela pequena luz de uma estrela. Buscaram, puseram-se em marcha e encontraram Jesus.

O relato é desconcertante. Deus, escondido na fragilidade humana, não é encontrado pelos que vivem instalados em seu poder ou fechados em sua segurança religiosa. Revela-se, porém, àqueles que, guiados por pequenas luzes, buscam incansavelmente uma esperança para o ser humano, na ternura e na pobreza da vida.

Os Magos não pertenciam ao povo eleito, não conheciam o Deus vivo de Israel. Nada sabemos de sua religião nem de seu povo de origem. Só sabemos que eles viviam atentos ao mistério que se encerra no cosmos. Seu coração buscava verdade.

Em algum momento acreditaram ver uma pequena luz que apontava para um Salvador. Precisavam saber quem era e onde estava.

Abriram-se à luz da estrela e, rapidamente, puseram-se a caminho. Seria uma perda de tempo? Valia a pena fazer a travessia?

Não conheciam o itinerário preciso que deveriam seguir. Não sabiam para onde a estrela os conduziria, e o caminho implicava riscos. Mas, em seu interior, ardia a esperança de encontrar uma Luz para o mundo.

No momento em que os Magos desviaram-se da rota de Belém e entraram em Jerusalém para perguntar onde é que estava o rei dos judeus recém-nascido, a estrela desapareceu de suas vistas, como que indicando que não é na riqueza e no luxo das cortes que a Luz de Deus brilha para os corações.

A estrela também moveu os magos a que deixassem de olhar para ela. Moveu-os a olharem antes para o lugar, na Terra, para onde ela apontava. Pois é na simplicidade e pobreza de uma criança que resplandece a luz de Deus.

Reflectindo o evangelho (Mt 2,1-13)

Os magos não caem de joelhos diante de Herodes. Não encontram nele nada digno de adoração. Nem entram no Templo grandioso de Jerusalém, pois o acesso lhes é proibido. A pequena luz da estrela os atrai para o pequeno povoado de Belém, longe do centro de poder.

Assim que chegam ao lugar indicado, vêem somente o “menino com Maria, sua mãe”. Nada mais. Um menino sem esplendor nem poder algum.

Uma vida frágil que necessita dos cuidados de uma mãe. É suficiente para despertar nos magos o assombro.

Eles prostram-se e adoram o Menino Jesus. Cena poética onde Mateus nos ajuda a romper nossos esquemas mentais. Aqueles que conheciam as escrituras de memória e sabiam interpretá-las não vão ao encontro de Jesus. Aqueles que sabem ler as estrelas são capazes de ver mais além das aparências. E o que vêem nesse Menino é tão profundo que caem prostrados, tiram seus tesouros, esvaziam-se e enchem-se da nova Luz descoberta.

Foi assim que a longa jornada dos Magos começou, seguindo o caminho que a luz da estrela indicava. E ao final de longa peregrinação, chegaram ao lugar procurado. Banhado pela suave luz da estrela, no meio das vacas, jumentos e palha, se encontrava um menino. Eles, então, foram iluminados. Não pela luz da estrela, mas pela luz de uma criança – a Luz das luzes.

Perceberam que sua busca havia chegado ao fim. Aquilo que os adultos esqueceram e que a sabedoria busca – as crianças sabem. Ser sábio é ser criança. O universo é um berço onde dorme uma criança. E, desde aquele dia, eles deixaram de olhar para as estrelas e passaram a olhar para as crianças.

Os sábios vêem o avesso. O avesso é esse: os adultos são os alunos, e as crianças são os mestres. Por isso, ao encontrarem um menino numa estrebaria, os magos, os sábios deram por encerrada a sua jornada…começa a jornada do Sábio dos sábios, o Mestre dos mestres.

Para meditar

Inspirados nos Magos, que descobriram sinais e começaram um caminho de busca (Mt 2,1-13), podemos perguntar:

·         Que sinais descobrimos durante este ano?

·         Para onde nos conduzem esses sinais, como se fossem estrelas a nos guiar?

·         Em que sentido nos fazem sair da “zona de conforto”, de nossas seguranças?

·         Eles nos ajudam a priorizar a viagem ao interior de nós mesmos?

·         A estrela que seguimos nos mobiliza a termos acesso à nossa “gruta” interna, onde nova vida pulsa por nascer?

·         Ou preferimos alimentar uma multidão de contactos superficiais através das redes sociais, afogando-nos nas experiências de solidão?

·         Nossas “viagens” despertam o espírito solidário e nos comprometem a responder às necessidades dos mais frágeis ou permanecemos confinados em nós mesmos, “adorando” nosso “ego”?

 

Gabela, 30 de Novembro, festa de Santo André de, 2021

KD

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