Pasárgada

…Cheguei no momento da criação do mundo e resolvi não existir. Cheguei ao zero-espaço, ao nada-tempo, ao eu coincidente com vós-tudo, e conclui: No meio do nevoeiro é preciso conduzir o barco devagar.


Serei o que fui, logo que deixe de ser o que sou; porque quando fui forçado a ser o que sou, foi porque era o que fui.

Pesquisar em

Páginas

segunda-feira, 24 de setembro de 2018


Liturgia no Concílio Vaticano II


Depois de uma fervorosa novena ao Divino Espírito Santo, inaugurou-se solenemente no dia 11 de Outubro de 1962, na Basílica de São Pedro, o XXI Concílio Ecuménico, o Concílio Vaticano II, o mais ecuménico de toda a história.
No dia 22 de Outubro começaram os debates em torno da liturgia em geral e da renovação litúrgica (24/10), língua litúrgica (26/10), participação ativa na liturgia (27/10), o princípio da adaptação (29/10), concelebração (30/10), Liturgia da Palavra (31/10), Liturgia dos Sacramentos (06/11), o breviário (09/11)…
O primeiro Documento a ser aprovado, foi a Sacrosanctum Concilium, no dia 04 de Dezembro de 1963.
Sacrosanctum concilium(1963) define que:
A liturgia é tida como o exercício do múnus (função) sacerdotal de Jesus Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela, o corpo místico de Jesus Cristo – cabeça e membros – presta a Deus o Culto Público integral. (SC 7). Liturgia é o cume para o qual tende a acção da Igreja e, ao mesmo tempo, é a fonte donde emana toda a sua força para a santificação dos homens em Cristo e a glorificação de Deus. Para ela, tendem todas as demais obras da Igreja (SC 10).
A própria Liturgia, impele os fiéis que, saciados dos “sacramentos pascais”, sejam “concordes na piedade”; reza que, “conservem em suas vidas o que receberam pela fé”; a renovação da Aliança do Senhor com os homens na Eucaristia solicita e estimula os fiéis para a caridade imperiosa de Cristo. Da Liturgia portanto, mas da Eucaristia principalmente, como de uma fonte, deriva a graça para nós e com a maior eficácia é obtida aquela santificação dos homens em Cristo e a glorificação de Deus, para a qual, como a seu fim, tendem todas as demais obras da Igreja (SC 10).
A Liturgia, pela qual, principalmente no divino sacrifício da Eucaristia, “se exerce a obra de nossa Redenção”, contribui do modo mais excelente para que os fiéis exprimam em suas vidas e aos outros manifestem o mistério de Cristo e a genuína natureza da verdadeira Igreja. Caracteriza-se a Igreja de ser, a um só tempo, humana e divina, visível, mas ornada de dons invisíveis, operosa na acção e devotada à contemplação, presente no mundo e no entanto peregrina. E isso de modo que nela o humano se ordene ao divino e a ele se subordine, o visível ao invisível, a acção à contemplação e o presente à cidade futura, que buscamos (SC 2).
Cristo está sempre presente em Sua Igreja, sobretudo nas acções litúrgicas. Presente está no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, “pois aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na Cruz”, quando sobretudo sob as espécies eucarísticas. Presente está pela Sua força nos sacramentos, de tal forma que quando alguém baptiza é Cristo mesmo que baptiza. Presente está pela sua Palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na igreja…(SC 7).
Referencias:
BOROBIO,Dionisio. A Celebração na Igreja vol1. Edições loyola, 1990
NEUNHEUSER, Burkhard. História da liturgia através das épocas culturais, tradução de José Raimundo de Melo. Edições Loyola. São Paulo, 2007.


Gabela, 21 de Setembro de 2018
Kaquinda Dias

domingo, 23 de setembro de 2018

Equipas de Liturgia



Equipas de Liturgia: funções e modo de actuação
1. O que é uma Equipa?
No nosso dia a dia, de uma forma ou de outra, estamos sempre envolvidos em Equipas.
Mas o que é mesmo uma Equipa? Podemos dizer que uma Equipa é um conjunto de pessoas que se dedicam à realização de um mesmo trabalho. São pessoas que lutam juntas por um objectivo comum, de modo que possam alcançá-lo com maior rapidez.
No ambiente de trabalho, a Equipa é um grupo de pessoas com habilidades complementares que trabalham em conjunto para alcançar um propósito comum pelo qual são colectivamente responsáveis.
Uma Equipa de trabalho poderá atingir alto nível de desempenho em termos de produtividade e qualidade, desde que seus membros sintam satisfação com suas tarefas e sua comunicação seja adequadamente eficaz.
É preciso ter objectivos e metas comuns para alcançar os resultados esperados.
2. Equipa de liturgia: exigência da renovação litúrgica proposta pelo Concílio Vaticano II
O papa João XXIII solenemente deu início ao Concílio Vaticano II, atendendo à voz do Espírito que impelia à abertura de portas e janelas para a entrada de novos ventos na Igreja. Esse grande acontecimento do Espírito do Senhor, seguido pelas Conferências Episcopais, marcou a vida e a missão da Igreja.
O concílio propôs uma volta às origens, redefinindo a liturgia como cume e fonte e como lugar privilegiado da experiência de salvação realizada pelo mistério pascal de Cristo Senhor, centro e mediador da história salvífica. Uma liturgia celebrada de forma activa, plena, consciente e frutuosa por todo o povo de Deus, povo sacerdotal (sacerdócio comum e ordenado) que possui costumes, língua e riquezas culturais muito próprias (cf. SC 5-8; 10.14).
O Concílio Vaticano II mudou também o conceito e o jeito de ser da Igreja. Lembrou à Igreja que ela é povo de Deus. A Igreja é o povo de Deus, corpo de Cristo, do qual ele é a cabeça.
A Igreja é então constituída por um povo de baptizados. O concílio valorizou ainda o sacerdócio comum dos fiéis, ressaltando que todo o povo de baptizados participa do sacerdócio de Cristo. Também destacou a diversificação dos ministérios litúrgicos como expressão da Igreja-comunhão, Igreja corpo de Cristo, em que cada membro tem a sua tarefa específica em função do bem comum da comunidade.
As mudanças provocadas pelo Vaticano II nos princípios teológicos das mais diversas áreas da vida eclesial (teologia litúrgica, eclesiologia etc.) tiveram repercussão na prática da Igreja.
Por exemplo, sendo a Igreja todo o povo de Deus, nas celebrações todos devem participar. O concílio pede: “Nas celebrações litúrgicas, cada qual faça tudo e só aquilo que pela natureza da coisa ou pelas normas litúrgicas lhe compete” (SC 28). Ninguém deve acumular funções na liturgia (SC 28-29). Cada membro é sujeito e tem a sua função específica em favor do bem comum da comunidade.
3. Equipa de liturgia: o que é e para quê?
Primeiramente, vale dizer que, para o bom funcionamento de um trabalho, é preciso haver organização. A liturgia não foge à regra, pois necessita de uma Equipa de liturgia dedicada, atenta e disposta a servir…
Em segundo lugar, sendo a liturgia uma acção comunitária, pressupõe uma assembleia reunida com uma diversidade de ministérios exercidos por pessoas com dons e carismas distintos e complementares. Por sua natureza comunitária, a liturgia necessita do serviço de Equipas que, em nome da comunidade eclesial, planeiem sua vida litúrgica, preparem e avaliem as celebrações e qualifiquem os ministros e servidores para eficiente e eficaz desempenho de suas funções.
Supõe trabalho comunitário e participativo na comunidade. A Equipa não é “tarefeira”, mas de reflexão, estudo e acção. A marca registada da Equipa é o serviço dedicado, abnegado, inteligente e gratuito. Uma acção concreta em favor do bem comum, numa verdadeira mística de serviço.
A Equipa de liturgia é, então, o coração e o cérebro da pastoral litúrgica da vida da Igreja (diocesana, paroquial e comunitária).
Entendemos “pastoral” como actividade do pastor, que leva seu rebanho a verdes pastagens, a águas frescas, que defende as ovelhas contra os perigos, contra lobos e ladrões, assim como fez Jesus, o “Bom Pastor”. Ter esse espírito “pastoral”, ou seja, de “pastor” que dá a vida por suas ovelhas, é próprio de todos os seguidores e seguidoras de Jesus Cristo, principalmente de quem está servindo em uma pastoral.
As Equipas de liturgia são, em primeira mão, as responsáveis pela pastoral litúrgica. Essa acção eclesial tem por objectivo imediato a participação activa, consciente e frutuosa dos fiéis na celebração e por finalidade, a edificação do corpo de Cristo mediante a santificação das pessoas e o culto a Deus. Na edificação do corpo de Cristo, a pastoral litúrgica colabora com a edificação de toda a humanidade e da criação inteira, conforme afirma Medellín: “A celebração litúrgica coroa e comporta um compromisso com a realidade humana… e com a promoção” (9,4). Isso significa que também os membros da pastoral litúrgica devem visar à transformação do mundo em Reino de Deus.[1]
A pastoral litúrgica, em condições normais, é organizada em três sectores: o sector da celebração propriamente dito (mais conhecido como pastoral litúrgica), o sector de canto e música litúrgica, o sector do espaço litúrgico e da arte sacra.
A pastoral litúrgica implica ainda cuidados com a preparação, a realização e a avaliação das celebrações, com a formação do povo e dos ministros e também com a organização da vida litúrgica nos vários níveis eclesiais. Como escreve Pe. Gregório Lutz: “Esta divisão corresponde, portanto, a um tríplice objectivo da pastoral litúrgica, que é promover celebrações autênticas, a formação litúrgica, a organização da vida litúrgica, da formação de seus agentes (SC 14 a 29) e da organização da pastoral litúrgica (SC 41-46).[2]
Podemos então concluir que uma Equipa de liturgia (diocesana, paroquial e comunitária) deve ser constituída levando em conta os três sectores (o sector da celebração propriamente dito, mais conhecido como pastoral litúrgica, o sector de canto e música litúrgica, o sector do espaço litúrgico e da arte sacra). Essas Equipas cuidam da vida litúrgica, animando-a e articulando-a, com atenção às celebrações, à formação e à organização.
4. Equipas de liturgia em diferentes níveis
4.1. Em nível nacional
Para “favorecer a acção pastoral litúrgica na Igreja” (SC 43), o concílio determina uma estrutura organizacional: uma Comissão Litúrgica Nacional assistida por especialistas em liturgia, música, arte sacra e pastoral, com a missão específica de orientar, na sua região, a acção pastoral litúrgica e promover os estudos e as experiências necessárias sempre que se trate de adaptações a serem propostas à Sé apostólica (SC 44).
Em Angola temos a seguinte organização: existe a Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia, constituída por um bispo e…. Eles (deveriam ser) assistidos por assessores(as) de três sectores: arte sacra e espaço celebrativo, música litúrgica e pastoral litúrgica. Cada sector é ainda assessorado por uma Equipa de reflexão, constituída por liturgistas, músicos, arquitectos e artistas, ou seja, por especialistas nas áreas específicas.
A Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia tem por objectivo acompanhar, incentivar e promover a vida litúrgica, sua renovação e sua inculturação por meio da articulação com as Dioceses, visando à formação litúrgica em todos os níveis e ao sólido aprofundamento teológico das celebrações, para que elas contribuam para a maturidade das pessoas e das comunidades em Cristo, tendo em vista a construção do Reino de Deus.
4.2. Em nível diocesano
O Concílio Vaticano II pede: “(…) haja, em cada diocese, a comissão de liturgia sacra, para promover a acção litúrgica, sob a orientação do bispo. Poderá, às vezes, ser oportuno que várias dioceses formem uma só comissão para promover em conjunto a acção litúrgica” (SC 45). E ainda: “Além da comissão de liturgia sacra, instituam-se em cada diocese, se possível, também comissões de música sacra e de arte sacra. É necessário que essas comissões trabalhem em conjunto, e não raramente será oportuno que se unam numa só comissão” (SC 46).
Em 26 de setembro de 1964, a 1ª Instrução Geral Inter Oecumenici sobre a aplicação da constituição conciliar detalhava as tarefas para as Comissões de Liturgia Nacional e Diocesana, orientações que conservam ainda todo o seu valor. Em resumo, são as seguintes: 1) conhecer o estado da acção pastoral litúrgica na diocese (ver); 2) pôr em prática a reforma litúrgica (animar); 3) sugerir aos presbíteros iniciativas práticas para fomentar a liturgia (assessorar); 4) fazer um planeamento progressivo de acção pastoral litúrgica e recorrer à assessoria de pessoas competentes (planear); 5) fazer a pastoral litúrgica caminhar em colaboração com os que trabalham no campo da Bíblia, da catequese, da pastoral, da música e da arte sacra, bem como com todas as associações de leigos (pastoral de conjunto).
4.3. Em nível paroquial
A Equipa de liturgia, imbuída da mística de serviço e comprometida com a paróquia, exerce um serviço bem mais concreto e prático: organiza toda a vida litúrgica nas comunidades (celebração aos domingos — eucarística ou da Palavra —; celebrações dos sacramentos, sacramentais e outras); garante um processo que actua no conjunto da pastoral da paróquia e na formação litúrgica de todos; acompanha os animadores das celebrações; prepara subsídios de apoio; garante que a Equipa esteja a serviço das comunidades; delega representante para a formação diocesana; prepara as celebrações em âmbito paroquial; providencia para que a liturgia seja dignamente celebrada; imprime a espiritualidade litúrgica nas comunidades, nos movimentos, no presbitério, enfim, em toda a pastoral diocesana.
4.4. Em nível de Zona e comunitário
Com uma actuação bem localizada, a Equipa de liturgia da comunidade: promove e cria celebrações inculturadas; acompanha as Equipas de celebração e toda a vida litúrgica da comunidade; actua em sintonia com a Equipa paroquial; providencia para que a liturgia seja dignamente celebrada.
5. As Equipas de celebração
Estas são encarregadas directamente das celebrações da palavra de Deus, da eucaristia (missas), do baptismo, do matrimónio, das exéquias e das bênçãos nas paróquias e comunidades. Dessas Equipas, especialmente, fazem parte os leitores, os ministros da sagrada comunhão eucarística, os recepcionistas, os salmistas, os cantores e instrumentistas, os animadores, o comentarista e os ministros que presidem etc.[3]


6. Como constituir uma Equipa de liturgia
É necessário fazer a distinção: uma coisa é a Equipa que pensa a vida litúrgica da comunidade, paróquia, diocese, outra é a Equipa que actua directamente em uma celebração litúrgica específica.
Podemos afirmar que os principais serviços de uma Equipa de liturgia são: animação da vida litúrgica, planeamento, coordenação, formação, assessoria e avaliação.[4]
Primeiramente, a Equipa deve ser constituída por pessoas que de fato amam e vivem a liturgia. Exige carisma e dom. Exige ainda conhecimento, uma formação básica ou mais aprofundada.
Na verdade, não há uma regra única. Vai depender de cada realidade. A diversidade de carismas e dons enriquece a Equipa.
Algumas práticas já comprovam que o critério de representatividade não deve ser a única possibilidade.
Em linhas gerais, existem alguns caminhos para constituir uma Equipa de liturgia:
— Iniciar com um curso, para depois engajar as pessoas na prática;
— Ir dando responsabilidades de acordo com o carisma de cada pessoa (acolhida, canto, organização etc.);
— É preciso alguém tomar a iniciativa para dar início a uma Equipa. Geralmente o apelo vem da realidade;
— É importante que a Equipa tenha uma legitimação da autoridade competente (bispo, padre etc.).[5]

Bem constituídas, as Equipas de liturgia vão exercer seu serviço com atenção às celebrações, à formação e à organização, lembrando que canto-música e arte-espaço celebrativo são partes intrínsecas da liturgia.
7. Por uma celebração em que todos participem do mistério da salvação, cujo centro é o mistério pascal de Jesus Cristo
A liturgia é celebração da história da salvação, que tem como centro e plenitude o mistério pascal de Cristo (cf. SC 5-6).
“Deus quer salvar e fazer chegar ao conhecimento da verdade todos os homens…”: assim se inicia o número 5 da Sacrosanctum Concilium. Todo o Antigo Testamento é grande canto e imensa narrativa das acções do Senhor em favor da salvação do povo eleito (= liturgia!). A experiência do êxodo é típica e paradigmática. Deus foi sendo descoberto sempre mais intensamente, sobretudo pelos sábios e profetas, como aquele que, com fidelidade e eterna misericórdia (Sl 135), opera a salvação do povo. Um Deus libertador, solidário, misericordioso, fiel, um Deus perdão, um Deus que ama a vida do seu povo, um Deus que tudo faz para que o povo tenha salvação, isto é, vida plena[6]. Assim, Deus preparou através dos tempos o caminho do evangelho.
Então, o jeito de Deus como perfeição da liturgia tornou-se bem claro para nós na plenitude dos tempos, isto é, com Jesus Cristo e o seu mistério pascal. Deus Pai nos prestou este grande serviço: deu-nos o Filho. Aí está: a liturgia do Pai nos oferece o Filho![7]
É na paixão, morte e ressurreição de Jesus que aparece de maneira acabada a liturgia divina: “Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal de sua sagrada paixão, ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão, completou a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, da qual foram prelúdio as maravilhas operadas no povo do Antigo Testamento” (SC 5).
Nascendo do lado aberto de Cristo (cf. SC 5), do seu mistério pascal, a Igreja, impulsionada pelo Espírito Santo, nunca mais deixou de se reunir para fazer memória desse mistério tão grande, escutando a Palavra e celebrando a eucaristia, na certeza da presença de Cristo, pois ele está presente em sua Igreja, sobretudo nas acções litúrgicas… No sacrifício da missa (na pessoa do ministro) e, sobretudo, sob as espécies eucarísticas… Presente está pela sua força nos sacramentos… e pela sua palavra… Está presente quando a Igreja ora e salmodia… (cf. SC 7).
O memorial da liturgia divina se dá também nos outros sacramentos, nos sacramentais, nas celebrações da Palavra e em tantas outras celebrações em nome do Senhor. Toda liturgia constitui uma acção sagrada, feita de sinais sensíveis, que nos remete à experiência do mistério de Cristo, de modo que é importante a celebração da Liturgia das Horas (SC, cap. IV), do Ofício Divino das Comunidades, como também o ano litúrgico (SC, cap. V), a música (SC, cap. VI), o espaço litúrgico e a arte sacra (SC, cap. VII).
Pela acção ritual, participamos do mistério pascal, que nos faz morrer e ressuscitar, dia a dia, em Cristo. Nossa vida e história são vida e história de Cristo glorioso — nosso sofrer e vencer são participação na morte e ressurreição de Cristo, na sua páscoa. Somos tocados pelo mistério. A liturgia divina se comunica a nós pela memória que dela fazemos. E como isso se dá? De maneira sensível, a saber, em comunhão com todos os nossos sentidos, valorizando as expressões simbólicas e culturais da comunidade humana que celebra. As acções simbólicas realizam aquilo que significam. Assim, em verdadeiro diálogo amoroso, a comunidade celebrante, corpo místico de Cristo, é santificada e, com profunda gratidão, glorifica o Senhor da vida e da História.
A nossa celebração se tornará sempre mais verdadeira e autêntica se for expressão de uma vida agradável a Deus. Dizendo “sim” a Deus, à sua vontade e à sua obra, e sobretudo celebrando na liturgia esse nosso “sim” vivido, estamos levando a efeito a salvação. E dessa forma, antegozando a liturgia celeste, vamos vivendo/celebrando e contribuindo para a transformação do mundo em Reino de Deus, até a vinda definitiva do Senhor Jesus (cf. SC 8).
8. Por uma formação litúrgica adequada
Na dinâmica da Sacrosanctum Concilium, encontramos a formação como condição para a participação na liturgia e para a concretização da renovação litúrgica conciliar. Esta deve ser iniciada pelos pastores/padres (cf. SC 14), que serão formados nos seminários, nas casas religiosas e nos institutos de teologia por professores devidamente preparados (cf. SC 15). Não basta, porém, a formação académica; é necessário que os pastores estejam imbuídos do espírito e da força da liturgia e dela se tornem mestres (cf. SC 14).
A liturgia deve ser fonte da vida espiritual dos presbíteros e seminaristas. Participem dela de todo o coração tanto pela própria celebração quanto pelos outros exercícios de piedade. É preciso também aprender a observância das leis litúrgicas, para que a vida nos seminários seja impregnada do espírito litúrgico (cf. SC 17).
Enfim, todos os pastores bem formados se empenharão em proporcionar adequada formação para todo o povo e, particularmente, para os que exercem serviços e ministérios. Essa formação se dará por meio de cursos, escolas etc., bem como com o próprio exemplo (cf. SC 19).
Os meios de comunicação (rádio e televisão…) também formam. Não é por acaso que a Sacrosanctum Concilium, falando de formação, afirma: “As transmissões por rádio e televisão das funções sagradas, particularmente em se tratando da santa missa, façam-se com discrição e decoro” (SC 20).
Depois de recordarmos os dizeres do Concílio Vaticano II sobre a formação, podemos perguntar: na nossa realidade, como será a formação litúrgica?
Vamos partir do princípio de que é preciso “uma formação litúrgica integral, envolvendo todas as dimensões do ser humano e todas as dimensões da liturgia: a acção ritual, seu sentido teológico, sua espiritualidade. (…) Nesta formação estamos incluindo a música e a organização do espaço litúrgico”[8].
A formação litúrgica é um processo pedagógico, tendo por objectivo final a participação activa, exterior e interior, consciente, plena e frutuosa de todo o povo de Deus nas celebrações litúrgicas, ou seja, a vivência do mistério de Cristo através da participação na acção ritual. Para atingir a pessoa humana como um todo, é preciso operar com a dimensão corporal, relacional, intelectual, afectiva, intuitiva, imaginária, simbólica e experiencial da mesma.[9]
Para uma formação litúrgica eficaz, é preciso levar em conta a metodologia. Quando se trata de formação litúrgica, a metodologia mais indicada é a participativa, sobretudo se está claro que tipo de liturgia se quer reforçar ou alcançar.
A metodologia da formação litúrgica requer ainda um programa ou projecto que responda às seguintes questões: O quê? Com quem? — agentes e destinatários. De onde e para onde? — ponto de partida (realidade dos participantes no contexto sociocultural) e o ponto de chegada almejado (objectivos). Por quê? — finalidades, justificativas. Como? — etapas, métodos e técnicas. O quê? — conteúdos. Quando? — tempo, duração. Onde? — local, ambiente. Quem? O quê? Quanto? — recursos humanos, materiais e financeiros. Por fim, execução, acompanhamento da acção e avaliação.[10]
Falando ainda em metodologia, é importante produzir conhecimento em mutirão, utilizando o método verjulgar e agir. A observação participante, o laboratório litúrgico e vivências rituais são técnicas apropriadas para aprender liturgia, já comprovadas pela prática. Vale ressaltar ainda o método mistagógico: do rito à teologia. Contribui também a leitura orante, o processo de preparação, realização e avaliação das celebrações litúrgicas.[11]

9. Por melhor organização e funcionamento da Equipa
Bom começo para o processo de planeamento da Equipa de liturgia é a elaboração do calendário de actividades, no qual são previstas as actividades relacionadas aos tempos e festas do ano litúrgico; datas e festas da paróquia ou da comunidade; datas especiais e reuniões da Equipa de liturgia; actividades relacionadas à catequese, à pastoral do baptismo etc.
Oportuno meio para articular o serviço da animação da vida litúrgica de uma paróquia, ou diocese é o plano de acção da Equipa de liturgia. Um plano bem feito e realista permite caminhar com maior segurança, sabendo aonde se quer chegar. Existem diferentes modos de elaborar um plano. O mais importante é começar a planear o rumo e as actividades que vão garantir o verdadeiro serviço de pastoral litúrgica. A própria acção de elaborar o plano ou o calendário de actividades constituirá um exercício de comunhão e de participação.[12]
É importante utilizar a dinâmica acção-reflexão-acção. Revela-se necessário que todos os participantes da Equipa sejam sujeitos da acção que a Equipa desenvolverá.
9.1. Passos para a elaboração do planeamento
• Ver a realidade — antes de qualquer passo, é importante que a Equipa conheça a realidade, e isso em qualquer nível.
• Discussão em Equipa para:
— estabelecer objectivos (gerais e específicos);
— determinar prioridades;
— elaborar um cronograma de actividades: o que, quando, quem, onde e quanto. Aqui vemos a importância da elaboração de um calendário litúrgico-pastoral;
— determinar recursos (humanos, materiais e económicos);
— definir o método de avaliação.
• Redigir o Plano de Pastoral Litúrgico; planeamento (calendário litúrgico): prever tudo com antecedência.
• Execução do Plano de Pastoral Litúrgico.
• Avaliação e retomada do plano de pastoral.
É importante ter organização e uma coordenação que busque alcançar os objectivos do trabalho da Equipa e garanta a participação de todos. Convém haver acompanhamento por parte de uma liderança.
9.2. Organização básica e mínima
Calendário de reuniões, coordenador(a) com liderança, local de fácil acesso, plano de trabalho, orçamento, secretaria, documentação, biblioteca, espaços de lazer…
BIBLIOGRAFIA
ABREU, Elza Helena; BUYST, Ione. “Preliminares: conceituação”, in: CENTRO DE LITURGIA. Formação litúrgica: como fazer? São Paulo: Paulus, 1994, pp. 9-13. (Cadernos de Liturgia, 3.)
BUYST, Ione. Equipa de liturgia. 8ª ed. Petrópolis: Vozes, 1991. (Equipa de Liturgia, 1.)
_____. Pesquisa em liturgia: relato de uma experiência. São Paulo: Paulus, 1994.
_____. “Pastoral litúrgica”. Revista de Liturgia, São Paulo, mar.-abr., 1989, pp. 35-43.
LUTZ, Gregório. “Pastoral litúrgica”, in: SEMANA DE LITURGIA, 22, 2008, São Paulo. Pastoral litúrgica 40 anos depois de Medellín: memória, desafios e perspectivas. São Paulo, 2008. Apostila.
REVISTA DE LITURGIA. “Ministérios litúrgicos leigos”. São Paulo: Apostolado Litúrgico, v. 20, nº 121, jan.-fev., 1994.
SILVA, José Ariovaldo da. Tentando definir a natureza da liturgia. Apostila.
SIVINSKI, Marcelino. Pastoral litúrgica. São Paulo, 2008. Apostila do Curso de Atualização em Liturgia.


[1] Gregório Lutz. “Pastoral litúrgica”, in: SEMANA DE LITURGIA, 22., 2008, São Paulo. Pastoral litúrgica 40 anos depois de Medellín: memória, desafios e perspectivas. São Paulo, 2008. Apostila.
[2] Idem, ibidem.
[3] Cf. mais elementos em: CNBB. Guia litúrgico-pastoral. 2ª ed. Brasília, 2006, pp. 123-125.
[4] CNBB. Guia litúrgico-pastoral. 2ª ed. Brasília, 2006, p. 122.
[5] Ione Buyst. Equipa de liturgia. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987. (Equipa de Liturgia, 1.)
[6] José Ariovaldo da Silva. Tentando definir a natureza da liturgia. Apostila.
[7] Idem, ibidem.
[8] Ione Buyst. “Formação litúrgica integral”, in: CNBB. Formação litúrgica em mutirão II. ficha 30.
[9] E. H. Abreu; I. Buyst. “Preliminares: conceituação”, in: CENTRO DE LITURGIA. Formação litúrgica: como fazer? São Paulo: Paulus, 1997, p. 9. (Cadernos de Liturgia, 3.)
[10] Cf. idem, ibidem, p. 12.
[11] Ione Buyst. Formação litúrgica: memória pessoal. São Paulo: Centro de Liturgia, 1985-2006; Formação litúrgica: o que, para que, para quem, como? Seminário sobre a Pastoral Litúrgica. São Paulo, 11-15 de fevereiro de 2008. Apostila. Além disso, vários artigos escritos pela autora no site da CNBB: , Liturgia em Mutirão II. Cf. ainda Luiz Eduardo Pinheiro Baronto. Laboratório litúrgico: pela inteireza do ser na vivência ritual. São Paulo: Paulinas, 2006.
[12] CNBB. Guia litúrgico-pastoral. 2ª ed. Brasília, 2006, pp. 126-127.

Actualizado em Gabela, 21 de Setembro de 2018
Kaquinda Dias


sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Pena de morte e o Catecismo da Igreja Católica


Papa Francisco muda o parágrafo do Catecismo sobre a pena de morte

"É inadmissível", diz o texto

O Santo Padre recebeu em audiência, no dia 11 de maio de 2018, no Vaticano, o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Luís Ladaria, durante a qual aprovou a nova redação do Catecismo da Igreja Católica (n. 2267), sobre a pena de morte.
O novo Rescrito do Papa, ou seja, a decisão papal sobre a questão da pena de morte, foi publicado na manhã desta quinta-feira, no Vaticano:
“Durante muito tempo, o recurso à pena de morte, por parte da legítima autoridade, era considerada, depois de um processo regular, como uma resposta adequada à gravidade de alguns delitos e um meio aceitável, ainda que extremo, para a tutela do bem comum”.
No entanto, hoje, torna-se cada vez mais viva a consciência de que a dignidade da pessoa não fica privada, apesar de cometer crimes gravíssimos. Além do mais, difunde-se uma nova compreensão do sentido das sanções penais por parte do Estado. Enfim, foram desenvolvidos sistemas de detenção mais eficazes, que garantem a indispensável defesa dos cidadãos, sem tirar, ao mesmo tempo e definitivamente, a possibilidade do réu de se redimir.
Por isso, a Igreja ensina, no Novo Catecismo, à luz do Evangelho, que “a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa, e se compromete, com determinação, em prol da sua abolição no mundo inteiro”.

Como era antes?

Em contextos bastante precisos, a Igreja admitia a pena de morte. Durante séculos, a Igreja aplicou a esta delicadíssima questão o mesmo princípio que fundamenta o direito à legítima defesa: em casos extremos, não havendo nenhum outro recurso real disponível e estando em grave e iminente risco a vida própria ou de terceiros indefesos, é lícito defender-se mesmo que, para isto, a consequência indesejada seja a morte do injusto agressor. É crucial destacar que o direito à legítima defesa não se restringe à vida do indivíduo, mas da sociedade inteira. Com base nesse mesmo direito, portanto, é lícito a um país ou grupo social defender-se de ataques bélicos externos ou internos, desde que cumpridas as exigências morais para que essa guerra seja sempre um ato de defesa e nunca ultrapasse este limite. A morte do injusto agressor jamais pode ser um fim em si mesma, mas sempre uma consequência indesejada e inevitável do ato legítimo de defender-se.
Era esta lógica, a da “legítima defesa da sociedade”, que justificava, em casos extremos, também a admissão da pena de morte para os criminosos que representassem um perigo muito grave para a vida do próximo e que dessem mostra clara de não querer reabilitar-se.
A atitude do Papa Francisco, no entanto, se encaixa na nova abordagemque a Igreja tem aplicado à questão, especialmente desde o pontificado de São João Paulo II, arauto fervoroso da defesa da vida humana desde a concepção até a morte natural. A grande ênfase de São João Paulo II na “cultura da vida” contra a “cultura da morte” foi firmemente mantida por Bento XVI e, agora, por Francisco.


quinta-feira, 31 de maio de 2018

Corpus Christi


SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO

Mais do que a Encarnação ou a morte na Cruz, o amor de Deus para com os homens manifestado na Eucaristia ultrapassa nossa capacidade de compreensão.
Corria o ano de 1264. O Papa Urbano IV mandara convocar uma seleta assembleia que reunia os mais famosos mestres de Teologia daquele tempo. Entre eles encontravam-se dois varões conhecidos não só pelo brilho da inteligência e pureza da doutrina, mas, sobretudo, pela heroicidade de suas virtudes: São Tomás de Aquino e São Boaventura.
A razão da convocatória relacionava- se com uma recente bula Pontifícia instituindo uma festa anual em honra do Santíssimo Corpo de Cristo. Para o máximo esplendor desta comemoração, desejava Urbano IV que fosse composto um Ofício, bem como o próprio da Missa a ser cantada naquela solenidade. Assim, solicitou de cada um daqueles doutos personagens uma composição a ser-lhe apresentada dentro de alguns dias, a fim de ser escolhida a melhor.
Célebre tornou-se o episódio ocorrido durante a sessão. O primeiro a expor foi Frei Tomás. Serena e calmamente, desenrolou um pergaminho e os circunstantes ouviram a declamação pausada da Sequência por ele composta:
Lauda Sion Salvatorem, lauda ducem et pastorem in hymnis et canticis (Louva, Sião, o Salvador, o teu guia, o teu pastor com hinos e cânticos) ... Maravilhamento geral.
Frei Tomás concluiu: ...tuos ibi commensales, cohæredes et sodales, fac sanctorum civium (admiti-nos no Céu, à Vossa mesa, e fazei-nos coherdeiros na companhia dos que habitam a Cidade Santa).
Frei Boaventura, digno filho do Poverello, rasgou sem vacilações sua composição, e os demais o imitaram, rendendo tributo ao gênio e à piedade do Aquinate. A posteridade não conheceu as demais obras, sem dúvida sublimes também, mas imortalizou o gesto de seus autores, verdadeiro monumento de humildade e despretensão.

Origem da festa de "Corpus Christi"
Vários motivos haviam conduzido a Sé Apostólica a dar esse novo impulso à piedade eucarística, estendendo a toda a Igreja uma devoção que já se praticava em certas regiões da Bélgica, Alemanha e Polônia. O primeiro deles remonta à época em que Urbano IV, então membro do clero de Liège, na Bélgica, analisou de perto o conteúdo das revelações com as quais o Senhor Se dignara favorecer uma jovem religiosa do mosteiro agostiniano de Mont Cornillon, próximo a essa cidade.
Em 1208, quando contava apenas 16 anos, Juliana fora objeto de uma singular visão: um refulgente disco branco, semelhante à lua cheia, tendo um dos seus lados obscurecido por uma mancha. Após alguns anos de intensa oração, fora-lhe revelado o significado daquela luminosa "lua incompleta": ela simbolizava a Liturgia da Igreja, à qual faltava uma solenidade em louvor ao Santíssimo Sacramento. Santa Juliana de Mont Cornillon fora por Deus escolhida para comunicar ao mundo esse desejo celeste.
Mais de vinte anos se passaram até que a piedosa monja, dominando a repugnância proveniente de sua profunda humildade, se decidisse a cumprir sua missão, relatando a mensagem que recebera. A pedido seu, foram consultados vários teólogos, entre o quais o padre Jacques Pantaléon - futuro Bispo de Verdun e Patriarca de Jerusalém -, e este mostrou- se entusiasta das revelações de Juliana.
Transcorridas algumas décadas, e já após a morte da santa vidente, quis a Divina Providência que ele fosse elevado ao Sólio Pontifício, em 1261, tomando o nome de Urbano IV.
Encontrava-se esse Papa em Orvieto, no verão de 1264, quando chegou a notícia de que, a pouca distância dali, na cidade de Bolsena, durante uma Missa na Igreja de Santa Cristina, o celebrante - que passava por provações quanto à presença real de Cristo na Eucaristia - vira transformar- se em suas próprias mãos a Sagrada Hóstia em um pedaço de carne, que derramava abundante sangue sobre os corporais.
A notícia do milagre espalhou-se rapidamente pela região. Informado de todos os detalhes, o Papa mandou trazer as relíquias para Orvieto, com a reverência e a solenidade devidas. E ele mesmo, acompanhado de numerosos Cardeais e Bispos, saiu ao encontro da procissão formada para conduzi-las à catedral.
Pouco depois, em 11 de agosto do mesmo ano, Urbano IV emitia a bula Transiturus de hoc mundo, pela qual determinava a solene celebração da festa de Corpus Christi em toda a Igreja. Uma afirmação contida no texto do documento deixava entrever ainda um terceiro motivo que contribuíra para a promulgação da mencionada festa no calendário litúrgico: "Ainda que renovemos todos os dias na Missa a memória da instituição desse Sacramento, estimamos todavia, conveniente que seja celebrada mais solenemente pelo menos uma vez ao ano para confundir particularmente os hereges; pois, na Quinta-Feira Santa a Igreja ocupa-se com a reconciliação dos penitentes, a consagração do santo crisma, o lava-pés e muitas outras funções que lhe impedem de voltar-se plenamente à veneração desse mistério".
Assim, a solenidade do Santíssimo Corpo de Cristo nascia também para contrarrestar a perniciosa influência de certas ideias heréticas que se alastravam entre o povo, em detrimento da verdadeira Fé.
Já no século XI, Berengário de Tours se opusera abertamente ao Mistério do Altar, negando a transubstanciação e a presença real de Jesus Cristo em Corpo, Sangue, Alma e Divindade nas sagradas espécies. Segundo ele, a Eucaristia não passava de um pão bento, dotado de um simbolismo especial. E em inícios do século XII, o heresiarca Tanquelmo espalhara seus erros em Flandres, principalmente na cidade de Antuérpia, afirmando que os Sacramentos, e sobretudo, a Santíssima Eucaristia, não possuíam valor algum.
Embora todas essas falsas doutrinas já estivessem condenadas pela Igreja, algo de seus ecos nefandos ainda se faziam sentir pela Europa cristã. Assim, Urbano IV não julgou supérfluo censurá-las publicamente, de modo a tirar-lhes todo prestígio e penetração.

A Eucaristia passa a ser o centro da vida cristã
A partir desse momento, a devoção eucarística desabrochou com maior vigor entre os fiéis: os hinos e antífonas compostos por São Tomás de Aquino para a ocasião - entre os quais o Lauda Sion, verdadeiro compêndio da teologia do Santíssimo Sacramento, chamado por alguns o credo da Eucaristia - passaram a ocupar lugar de destaque dentro do tesouro litúrgico da Igreja.
No transcurso dos séculos, sob o sopro do Espírito Santo, a piedade popular e a sabedoria do Magistério infalível aliaram-se na constituição dos costumes, usos, privilégios e honras que hoje acompanham o Serviço do Altar, formando uma rica tradição eucarística.
Ainda no século XIII, surgiram as grandes procissões conduzindo o Santíssimo Sacramento pelas ruas, primeiro dentro de uma âmbula coberta, e mais tarde exposto no ostensório. Também neste ponto o fervor e o senso artístico das várias nações esmeraram-se na elaboração de custódias que rivalizavam em beleza e esplendor, na confecção de ornamentos apropriados e na colocação de imensos tapetes florais ao longo do caminho a ser percorrido pelo cortejo.
Os Papas Martinho V (1417-1431) e Eugênio IV (1431-1447) concederam generosas indulgências a quem participasse das procissões. Mais tarde, o Concílio de Trento - no seu Decreto sobre a Eucaristia, de 1551 - sublinharia o valor dessas demonstrações de Fé: "O santo Sínodo declara que é piedoso e religioso o costume, introduzido na Igreja de Deus, de celebrar todos os anos com singular veneração e solenidade, em dia festivo e peculiar, este excelso e venerável Sacramento, levando-O em procissões por vias e locais públicos com reverência e honra".
O amor eucarístico do povo fiel não se restringiu, porém, a manifestações externas; pelo contrário, elas eram a expressão de um sentimento profundo posto pelo Espírito Santo nas almas, no sentido de valorizar o precioso dom da presença sacramental de Jesus entre os homens, conforme Suas próprias palavras: "Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo" (Mt 28, 20). O mistério de amor de um Deus que não só Se fez semelhante a nós para resgatar-nos da morte do pecado, mas quis, num extremo de ternura, permanecer entre os Seus, ouvindo seus pedidos e fortalecendo- os em suas tribulações, passou a ser o centro da vida cristã, o alimento dos fortes, a paixão dos santos.
São Pedro Julião Eymard, ardoroso devoto e apóstolo da Eucaristia, exprimiu em termos cheios de unção esta celestial "loucura" do Salvador ao permanecer como Sacramento de vida para nós:
"Compreende-se que o Filho de Deus, levado por Seu amor ao homem, tenha-Se feito homem como ele, pois era natural que o Criador tivesse interesse na reparação da obra saída de Suas mãos. Que, por um excesso de amor, o Homem-Deus morresse sobre a Cruz, compreende-se também. Mas o que já não se compreende, aquilo que espanta os débeis na Fé e escandaliza os incrédulos, é que Jesus Cristo glorioso e triunfante, depois de ter terminado Sua missão na terra, queira ainda permanecer conosco, num estado mais humilhante e aniquilado do que em Belém e no Calvário".

(Fonte: "Revista Arautos do Evangelho" - Junho/2002, n. 06, p. 6 à 10)