Pasárgada

…Cheguei no momento da criação do mundo e resolvi não existir. Cheguei ao zero-espaço, ao nada-tempo, ao eu coincidente com vós-tudo, e conclui: No meio do nevoeiro é preciso conduzir o barco devagar.


Serei o que fui, logo que deixe de ser o que sou; porque quando fui forçado a ser o que sou, foi porque era o que fui.

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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

ORGANIZAÇÃO SOCIAL DOS BANTU
Introdução
São várias as hipóteses sobre a origem dos povos bantu, algumas versões rezam que saíram das férteis terras do sudeste sariano ou do lago Chade. Outros afirmam que surgiram da região dos grandes lagos, na África Central, ainda outros dizem que vieram da Ásia Menor e posteriormente se foram fixando nas regiões dos grandes lagos, Sudão e a posterior emigrado para o sul. Ao passo que outras teorias dizem que os bantu entraram na África pelo istmo do Suez ou através do mar vermelho e forma se fixando na Abissínia e futuramente migraram para o Sul e sudoeste.
Apesar desta polissemia de conceitos sobre a origem dos bantu, a realidade é que os bantu em contínuo movimento migratório a procura de melhores lugares e condições de sobrevivência se foram sedentarizando e criando uma unidade étnica e cultural baseada nos sistemas de parentescos e grupos de filiação na consangüinidade, criando pequenas aldeias geridas por representantes masculinos de um único grupo.
É sobre este breve preâmbulo que, neste trabalho abordaremos a situação temática da organização social dos bantu, onde no nosso repertório trataremos comunidade bantu e sua hierarquia, a organização clãnica e tribal dos bantu bem a divisão da sociedade em castas e classes, o casamento e a religião tradicional bantu e tantos outros aspectos referentes aos bantu e sua organização social. 
1 - Organização social dos bantu.
A forma de organização da sociedade bantu assenta nos sistemas de parentescos e grupos de filiação baseadas na consangüinidade real ou mística, da qual se exige uma transmissão, de herança e de preferência que as liguem a uma das genealogias biológicas que toda pessoa recebe ou transmite: paterna e/ou materna. As sociedades humanas adoptam um sistema de descendência, cujo ponto de referência se situa num dos progenitores ou em ambos. Este sistema de descendência ou de parentesco é unilateral e, verificando-se dois sistemas: o patrilinear e o matrilinear. Assim, a descendência está ligada a uma só linhagem.
As relações entre pessoas que se consideram aparentadas por consangüinidade real, fictícia ou putativa, são chamadas de “parentesco”.  Pois os bantu primitivos já viviam em pequenas aldeias geridas por representantes masculinos de um único grupo de parentesco; assim, a aldeia era o lar e o centro espiritual de todos os membros da linhagem.
Uma das razões para se instaurar este sistema de linhagens deve ter sido a divisão de trabalho por sexos (assunto que iremos abordar mais adiante).
1.1 - A comunidade bantu.
Os verdadeiros protagonistas da existência individual e social bantu são os grupos, as comunidades: família, clã, tribo e o reino, império ou a confederação de reinos.
O bantu não pode viver sem família nem clã, pois são dois grupos (primários, por sinal) fundamentais e vitais que dão sentido e consistência à sua vida. A família e o clã são células iniciais, vivificantes e essencialmente comunitárias que definem a cultura do indivíduo bantu. Desta feita, não se pode conceber nem explicar o indivíduo bantu isolado de uma comunidade.
A parentela cria a capa irrenunciável, onde se geram as estruturas sociais e o ambiente onde elas podem subsistir. A sua realidade místico-participante constituitiva estabelece um amplo sistema operativo, fundamento da organização social, ao situar todos os indivíduos dentro de um contexto de relações vitais e mútuas e de comportamentos funcionais e decisivos para a subsistência individual e comunitária.
Assim, a sociedade bantu se vai alargando em círculos concêntricos escalonados, sobrepostos e cada vez mais amplos, apoiando-se nas famílias, como núcleo e células-base. No entanto, ao conjunto de varias famílias se forma um clã. Quando vários clãs sentem uma origem comum, irmanados pela mesma língua, religião, tradições, costumes e espalhados por regiões contiguas, dão origem a tribo. Ao conjunto de várias tribos, com afinidades lingüísticas, geográficas ou interesses comuns, podem estruturar um reino. Assim aconteceu com os grandes impérios negros pré-coloniais que se formaram a partir da integração, conquista ou confederação de vários reinos.
Portanto, como já dissemos, a primeira célula social bantu é a família elementar, conjugal, nuclear ou reduzida que compreende pai, mãe e filho. Mas essa não é a verdadeira família bantu.
Por uma razão, as famílias nucleares, unidas e integradas entre si, são o fundamento da solidariedade que dá origem às instituições sócio-políticas as quais não são mais do que o alargamento do núcleo primário. Este, como não se pode bastar a si mesmo, para ser amparado, precisa de se apoiar em grupos mais amplos e organizados.
Esta família não forma um grupo autônomo. Vive imersa e depende do sistema de parentesco, da família alargada e do clã. Contudo, ela é o elemento básico das estruturas sociais e, pelas alianças matrimoniais, dá-se origem às alianças políticas.
A família nuclear é o pilar da sociedade bantu, embora não se possa conceber separada dos círculos mais amplos e fecundos: família alargada, clã e tribo. A família isolada, individualizada, fechada sobre si mesma e autônoma, não existe. O bantu não a concebe, pois os princípios de consangüinidade e de participação vital não a admitem. Alem disso, as condições econômicas, climáticas e geográficas impedem o seu isolamento. Por isso é que se disse que a verdadeira família bantu não é a nuclear ou reduzida, mas sim a alargada. Pois o bantu precisa de viver em conjunto, participar, sentir-se amparado e acolhido num grupo numeroso e defender-se da magia ou do homem. A participação vital como núcleo e seiva da cultura, impõe-lhe uma vida comunitária e acomodar-se no grupo, participando da mesma corrente vital comunicada pelo sangue.
Somente no matrimonio, na família elementar, o homem e a mulher realizam a mais profunda aspiração da sua existência: prolongar-se, reviver, assegurar a sobrevivência. Da mesma forma satisfazem as esperanças das suas comunidades: crescer, enriquecer-se e assegurar o patrimônio social, político e religioso. «A verdadeira família serere (pode dizer-se também da bantu) é a família maternal, “a família alargada”. Em sentido restrito, a família não é um grupo autônomo; vive na “casa comunal” da família clãnica, no sentido da “gens”. Esta é a verdadeira família negro-africana»[1].
O bantu goza de uma comunidade muito ampla que lhe proporciona o deleite de viver sempre em família.
As diversas famílias alargadas formam uma densa rede totalizante que, à base de comunidades e solidariedades, estrutura a sociedade que se compraz em ser essencialmente comunitária. Assim, os membros se tratam como parentes. Chamam“pai” ao tio e “irmão” ao primo. Sem se importarem com a proximidade do parentesco, as designações de “pai” e “irmão” vão-se alargando indefinidamente. Os bantu encontram pais e irmãos nos lugares mais afastados. 
1.1.1 - A chefia bantu.
Há um aspecto cultural muito relevante relativo aos chefes bantu. Esta hierarquia baseia-se no direito ancestral e numa concepção religiosa e profana simultaneamente e, participa da sacralidade que impregna esta sociedade.
Entre os bantu, o chefe de família faz a ligação directa com os antepassados, presentes na vida comunitária, cuja influência, benéfica ou nefasta, deve ser cuidada. Pela sua proximidade com eles, qualidade, poder e conhecimentos superiores, podem arrancar-lhes favores ou torná-los propícios.
Resolve os conflitos e responsabiliza-se pelo bem-estar familiar. A sua autoridade estende-se ao campo social, político, judicial e religioso. Quando a família cresce e de dilata, os velhos começam a substituí-los em determinadas funções. Aparecem os subchefes de aldeias dependentes, “pater famílias – chefe familiar” que, por sua delegação, cumprem idênticas funções.
A sua autoridade fica limitada e subordina à dos chefes de organizações sociais e políticas superiores: clã, tribo e reino. Os anciãos e o conselho familiar, embora gozem de grande prestígio, não o suplantam em autoridade, a anão ser em situações extremas e flagrantes. A sua autoridade nunca pode chegar ao despotismo porque a família forma uma comunidade democrática. O conselho familiar, no qual actuam todos os maiores de idade, admite a sua autoridade suprema porque lhe reconhece a superioridade de estirpe, mas controla as suas decisões e opina em assuntos importantes.desta forma as decisões passam por uma consulta prévia à comunidade.
O chefe desempenha uma função fundamental no grupo. Como pessoa mais qualificada e vitalmente mais poderosa, é o guia necessário da comunidade e o guarda das suas tradições e da sua coesão. As motivações religiosas, como veremos, marcam o ritmo e caracterizam a sua mentalidade. Segundo esta concepção sacral, o chefe é um carismático. Constitui, com os notáveis e os anciãos, o grupo mais autorizado, o estrato social mais prestigiado e, como instituição presidida por um “enviado carismático”, que dirige, pensa, solidariza, vigia e procura o bem da comunidade. Quem vê o chefe contacta com a vida que arrancou do hipônimo, e contempla este e os outros antepassados. O chefe é o canal de conexão directa com a corrente vital ancestral. Por ele, a comunidade realiza a participação vital na fonte genuína. Por isso, a chefia pertence à linhagem que a comunidade reconhece como autenticidade de sangue e maior antiguidade. Só pode ser chefe quem prove, por sua ascendência, que descende, em linha directa, do fundador do grupo. Só assim se reúne as condições inatas que confirmam a sua predestinação para patriarca, sacerdote, juiz, protector e condutor da comunidade.
Em resumo, o chefe é o sangue e o espírito dos antepassados, prolongamento e deposito comunicante do dinamismo vital, pessoa sagrada, responsável pela comunidade perante os antepassados, seu delegado por capacidade e eleição e a sua encarnação, pois que, por intermédio dele, vivificam a comunidade a comunidade.
1.1.2 – O clã e a tribo.
Um clã[2] constitui-se num grupo de pessoas unidas por parentesco e linhagem e que é definido pela descendência de um ancestral comum. Mesmo Clannad é uma forma estendida da palavra clann, e que pode ser traduzida por "família”. Clannad é uma forma estendida da palavra clann, e que pode ser traduzida por "família".




[1] 1. SENGHOR, L. S.: fundamentos de La Africanidad. ZYX, Madrid, 1972, PP. 77; in ALTUNA, R. R. A.: Cultura tradicional bantu. Paulinas Editora, Portugal, 2006, p. 117

[2] . Clã é a forma em língua portuguesa da palavra gaélica clann, que significa "crianças". An Chlann Aoidh, o nome em gaélico escocês para o Clã Mackay, significa literalmente "As Crianças do Fogo" (sendo "fogo" uma tradução literal do nome gaélico Aodh –; caso genitivo e vocativo, hAoidh –; o qual pode ser traduzido foneticamente para o escocês e inglês como Eth, Y, Hy, Heth, Huey e Hugh).nome gaélico Aodh –; caso genitivo e vocativo, hAoidh –; o qual pode ser traduzido foneticamente para o escocês e inglês como Eth, Y, Hy, Heth, Huey e Hugh).

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Estética Moderna
Antes de ter a inspiração que lhe indicou a possibilidade de refundar a filosofia, Immanuel Kant (1724-1804) poderia considerar seus artigos assistemáticos ou um tanto superficiais, mas não poderia dizer que não eram claros. Com o criticismo, entretanto, o rigor e a profundidade de sua argumentação exigiram o sacrifício da clareza em troca de um detalhamento do raciocínio que beirava a obscuridade. Por conta da difícil leitura de sua obra crítica, poucos foram os que compreenderam exatamente qual era a intenção de seu autor. Some-se a isso o voluntarismo incentivado pela Revolução Francesa (1789), mais as idéias ainda vivas de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), e o campo estava aberto a todo tipo de especulação que resultou no Idealismo Alemão ou no movimento romântico. A busca do absoluto por meio da reflexão pura, apesar de ter sido condenada por Kant, foi uma tarefa que os românticos se propuseram empreender com vigor, depois de Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) ter defendido um eu absoluto e a união entre sujeito e objeto em uma intuição intelectual, totalmente contrária às teses kantianas - embora Fichte se considerasse um adepto da sua doutrina, chegando mesmo seu estilo a ser confundido com o do filósofo de Koenigsberg.
Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775-1854) levou esse projeto mais adiante. Em 1800, publicou seu Sistema de Idealismo Transcendental, onde adotou a concepção fichteana de uma natureza como criação do sujeito, embora admitisse que o mundo pudesse existir de forma autônoma em relação à consciência. Ao invés de um eu absoluto, pressupõe uma identidade absoluta entre o desenvolvimento da natureza e a conscientização progressiva do espírito em sua história. Entretanto, para que houvesse essa unificação, seria preciso uma sensibilidade estética capaz de revelar o lado oculto do universo. Em vista disso, ao homem caberia entrar em sintonia com o absoluto, evitando a falsa compreensão de si mesmo como ilimitado, através de uma contemplação estética da natureza.

Dono de um estilo obscuro, Hegel escreveu com seu próprio punho Fenomenologia do Espírito (1807) e Ciência da Lógica (em três volumes publicados entre 1812 e 1816). Com ajuda de notas feitas por alunos de suas palestras e aulas, publicou em vida a Enciclopédia das Ciências Filosóficas (1817) e a Filosofia do Direito (1821). Após sua morte, provocada pelo contágio da epidemia de cólera que varreu Berlim em 1831, foram editados seus Cursos de Estética (1835) e Filosofia da História (1837), seu último texto importante. Ao todo, suas obras completas preenchem vinte volumes que foram padronizados em Stuttgart, entre 1927 e 1930. Entre esses volumes, encontram-se suas aulas sobre estética, cujas edições, por vezes, são conflitantes.
As Lições sobre Estética foram editadas pela primeira vez em 1835, por Heirinch Gustav Hotho (1802-1873), em três volumes e em 1842 foi publicada uma segunda edição revisada. Em seu conteúdo, há trechos de notas manuscritas do próprio Hegel e transcrições de alunos das preleções proferidas em 1823, 1826 e de 1828 a 1829. Inevitavelmente, existem muitas paráfrases para resolver problemas de compreensão e compatibilidade na mudança de ânimo do autor, ocorrida com a restauração da monarquia. Mas houve quem não gostasse do trabalho. Insatisfeito como o resultado, Georg Lasson (1862-1932), em 1931, preparou uma nova edição completamente nova do primeiro volume, intitulado: A Idéia e o Ideal. O objetivo de Lasson era preservar o máximo possível das idéias de Hegel, a partir da reprodução das lições de 1826, com algumas inserções de 1823 e vários extratos da edição de Hotho. Infelizmente, o projeto não foi além da Introdução e Primeira Parte do curso, devido à morte de Lasson, que não deixou sucessor encarregado de concluir seu trabalho, interrompido um ano depois de iniciado.
Um Pouco de Fenomenologia
Apesar das dificuldades óbvias de compreensão dos textos de Hegel, há em todos os seus livros – e a Estética não foge à regra – o fio condutor recorrente do processo histórico, através do qual o espírito teria de percorrer para passar de um mero estágio de consciência sensível até o autêntico saber de si mesmo. Em sua Fenomenologia, Hegel, como tantos outros antes e depois dele, tentou aproximar a filosofia da forma de fazer ciência consagrada em seu tempo: uma investigação filosófica cujo objetivo último seria encontrar a verdade. Para tanto, exigiu que a atenção fosse exclusivamente voltada para a formulação do conceito, o modo pelo qual este é expresso por proposições simples, que constituem a base de todo conhecimento científico. Antes disso, porém, seria necessário ter a compreensão de que o conhecimento serve como instrumento para apreensão do absoluto. Entretanto, à primeira vista, a verdade do saber a ser investigada apresentaria uma separação entre o objeto que aparece para o sujeito, por um lado como fenômeno, e, por outro, como coisa-em-si. Superar esse dualismo era o caminho que precisava ser traçado pelo espírito [1].
Nesse sentido, por vezes o objeto surgiria como algo fora da consciência que está em um movimento dialético que pode levar à contradição ou à descoberta do objeto como uma coisa nova e verdadeira. A superação desse processo ambíguo faria que o que fosse verdadeiro atingisse sua essência na consciência como um ser concebido como ensimesmado [2]. Quando a certeza é construída sobre algo, chegar-se-ia à verdade pela identificação do objeto com esta própria certeza e o reconhecimento da consciência de que isto é verdadeiro. Na autoconsciência, então, funda-se o reino da verdade propriamente dita. Mas não basta que esta seja reconhecida apenas por si mesma. Seria necessário que a autoconsciência fosse também reconhecida como tal por outras consciências semelhantes, como em uma comunidade em que o espírito deixasse de ser subjetivo e passasse a ter sua própria objetividade [3]. Ao encontrar a coisa em si mesma, ao mesmo tempo em que se vê como coisa em si, a autoconsciência toma a coisa como verdade objetiva. Por conseguinte, toda realidade pode vir a se tornar a verdadeira certeza no instante em que a razão se transforma em espírito absoluto.
Sua essência espiritual foi definida com substância ética; mas o espírito é a realidade ética. É o si mesmo da consciência real, em que se enfrenta, o que melhor se enfrenta a si mesmo, como mundo real objetivo, o qual, sem embargo, tem perdido para o si mesmo toda significação de algo estranho, do mesmo modo que o si mesmo tem perdido toda significação de um ser para si, separado, dependente ou independente, daquele mundo. O espírito é a substância e a essência universal igual a si mesma e permanente - o inabalável e irredutível fundamento e ponto de partida do trabalho de todos - e seu fim e sua meta, como o em si pensado de toda autoconsciência (...) (HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, "O Espírito", pp. 259-260).
Por substância ética, entenda-se a condição essencial em que se encontra o espírito quando se realiza eticamente em uma sociedade de seres racionais, onde suas leis e valores são reconhecidos imediatamente por todos semelhantes, tal como no reino dos fins kantiano. Em todo movimento para formação do saber de si, o espírito trabalha imerso em sua história real, que termina quando o espírito alcança o elemento puro de sua existência, como conceito de ser-aí absoluto. Assim surge a ciência que faz o movimento da forma pura deste conceito para a consciência. Entretanto, para superar a alienação inicial convém que sucessivas etapas de conscientização ocorram até que o espírito possa recomeçar sua formação plena a partir de si mesmo no estágio mais elevado de seu progresso. Da perspectiva de um ser livre, mas contingente, a história é a ciência do saber verdadeiro, onde o espírito absoluto, no final, se encontra e acaba na "realidade, verdade e certeza de seu trono, sem o qual o espírito absoluto seria a solidão sem vida" [4].
Em sua Lógica, Hegel aliava todo esse movimento histórico de conhecimento do espírito em si mesmo à evolução de uma contínua alternância de oposições que se unem e reconciliam. As contradições do mundo manifestam-se como contradições do espírito. Ou seja, as contradições históricas percebidas no mundo seriam reflexos da desarmonia ou contradição do próprio pensamento. Tese e antítese enfrentam-se para formar uma nova síntese e assim por diante até que o movimento termine no desvelamento de toda realidade, ao final. A unidade reconciliadora que encerra esse movimento dialético aparece então no fim da história que é a realização completa do espírito absoluto. Um exemplo de como isso ocorre aparece na Fenomenologia, em sua famosa metáfora da relação entre "senhor e escravo". Tal relação surgiria como um estágio intermediário da evolução do espírito, cuja consciência se percebe em parte livre e soberana (senhorio), em parte ainda presa à luta pela sobrevivência (escravo). Entrementes, ao contrário do que se sugere à primeira vista, a consciência do senhor é que depende da ação e reconhecimento do escravo para manter sua soberania, enquanto o servo, embora esteja ligado ao trabalho forçado, pode avançar no processo de conscientização ao se reconhecer, no produto que realiza, como sustentáculo do senhor e de si mesmo. Assim, o escravo poderia vir a se libertar, ao passo que o senhor estaria sempre necessitando do reconhecimento de um subalterno. Ao emanciparem-se, os espíritos passariam a se reconhecerem mutuamente como seres livres de uma comunidade de seres racionais e não alienados pela escravidão.
Uma vez que seja iniciada a caminhada para atingir o autoconhecimento, diversas fases de conscientização - Consciência, Consciência de Si, Razão - deverão ser ultrapassadas até que a razão compreenda o mundo circundante tal como ele é e a sua própria existência. Contudo, a fenomenologia que formou primeiro o espírito subjetivo necessita realizar sua plena liberdade na instância cultural que reúne a produção e o trabalho que transformam a natureza em uma natureza humana. Deve avançar o espírito subjetivo até o espírito objetivo que está no seio da sociedade e do Estado, onde se realiza sua liberdade que é também sua verdade última. Em sua conscientização como parte do mundo e da sociedade de seres autodeterminados e autoconscientes, que assim se reconhecem, a realização plena de um ideal vem quando a própria razão livre é capaz de conhecer a si mesma e o mundo como criação.
História e cultura encontram-se, assim, em Hegel para realizarem a transformação e superação da alienação inicial do sujeito. Da constituição de um Estado, onde o movimento cultural envolve todo o direito e a moralidade social, o espírito objetivo - que se encontra na Filosofia do Direito - transcende dessa fase intermediária para um estágio final ao qual o espírito absoluto se reconhece como parte criadora do mundo. Por fim, o espírito absoluto, em sua fase superior de autocompreensão pode abarcar o sentido estético, a filosofia e a religião revelada como última tomada de sua consciência própria.
O Papel da Arte
Na Fenomenologia, o papel da arte não aparece dissociado da religião. Lá, tudo concorre para a necessidade do espírito tornar-se absoluto, ao longo do seu desenvolvimento histórico. O artista converte-se, então, em um trabalhador espiritual que transforma formas estranhas do pensamento e da natureza em algo que promove a atividade autoconsciente do espírito. Por meio da arte, o espírito poderia, em épocas de crise, exercer sua liberdade artisticamente, até poder alcançar uma oportunidade de representação superior [5].
Na história tecida por Hegel, a primeira obra de arte teria surgido como abstrata. Em seguida, avançado criando imagens de deuses. Mas quando assim procedia, no politeísmo, o artista não conseguia se identificar com a essência da obra que ele mesmo criava. Além da imagem, era preciso que uma linguagem apropriada para percepção do ser que estava ali presente pudesse expressá-lo. Assim, através de hinos (poesia), a unidade do particular com o universal pôde ser comunicada às outras almas existentes. Contudo, essa linguagem não poderia ser externa ao artista, mas exigiria um entendimento interno para que houvesse equilíbrio entre a unidade da essência espiritual e sua autoconsciência. O conteúdo claro das manifestações artísticas facilitaria o movimento para o interior da alma e o encontro do ser vivente que lá habita. Daí em diante, as particularidades seriam superadas e feita a tomada de consciência universal da existência humana [6].
A unidade do artista com sua obra e o espectador constitui uma ação de retorno ao universal e à certeza de si mesmo que a autoconsciência intui. Graças à arte, o espírito conseguiria transformar sua mera substância em um sujeito que trabalha a autoconsciência. A figura do deus que lhe era externa passa ao seu interior e, então, a religião da arte chega à religião revelada que levará adiante o progresso do espírito ao absoluto [7]. A arte se insere entre o espírito e o saber absoluto, fazendo a ligação entre ambos.
Assim, explica-se o porque da Estética hegeliana considerar a arte apenas como um instrumento de transformação do espírito que se eleva e sua vinculação à religião cristã. Algo que é reafirmado na Filosofia da História, onde se considera o deus cristão “infinitamente mais humano do que a idéia da beleza grega” [8]. Por não ter se revelado humano, o deus grego, que se manifestava na natureza, em geral, para atingir a forma do espírito, no interior do sujeito, precisaria ser encarnado em uma forma humana universal ligada ao divino - como o filho de deus, por exemplo. Esta união do finito com o infinito revelaria o absoluto e a própria idéia do eterno, como no cristianismo, quando os seres humanos já podem extrair de si as leis absolutas, livremente.
A Caminho da Estética Hegeliana
Em seus cursos, Hegel definia estética como ciência do belo da arte, a despeito das objeções em contrário oferecidas por Kant, na Crítica do Juízo (1790), e diferente de Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762), que defendia a estética como ciência do gosto e das sensações agradáveis, em geral. Hegel excluiu de sua estética todas considerações sobre a beleza natural, reservando sua teoria para abordagem exclusiva do belo na criação artística humana, ou filosofia da arte fina. Para Hegel, o objeto artístico considerado belo seria superior ao belo natural, pois, de acordo com sua concepção de espírito, tudo que fosse obra deste seria mais elevado do que o existente na natureza. Isso porque, só o espírito seria verdadeiro, enquanto o belo natural não passaria de um reflexo seu [9].
A partir dessa definição arbitrária, que se sustenta apenas na argumentação problemática da Fenomenologia, tem-se o ponto de partida para descrição detalhada de como a arte caminha na direção do local de encontro da filosofia com a religião. Por meio da arte seria possível aos seres humanos conhecer suas próprias idéias e seus fins mais nobres. Os objetos de arte não passariam de instrumentos de conscientização da sabedoria e religião dos povos. As ciências, cujo objeto de estudo tem um caráter subjetivo, como aparentava ser o caso da estética, no entanto, estariam expostas ao questionamento sobre a existência de tal ou qual seria seu objeto. Hegel reconhecia, o quanto era necessário demonstrar se uma representação ou intuição subjetiva existia ou não como objeto verdadeiro, embora, efetivamente, não tenha apresentado os argumentos que sustentariam tal tese.
De um modo geral, deixando de lado esse pequeno detalhe da falta de argumentos, a filosofia sempre admitiu como certo apenas o que possui o caráter de necessidade. Contudo, ao invés de se preocupar em demonstrar sua filosofia da arte e do belo, Hegel procede tão somente na apresentação de seu “desenvolvimento enciclopédico”, que faria parte da sua própria filosofia. Destarte, sem maiores justificativas, assume que o conceito de belo e o da arte são pressupostos do sistema filosófico [10]. Contenta-se em trabalhar inicialmente com as diversas representações da consciência vulgar. Seu começo é o da mera existência da obra de arte, ou o que seja assim chamado. Apesar de não poder apresentar o objeto de arte como resultado de uma demonstração, por ser considerada uma forma de manifestação do espírito, isso por si só passa a validar o seu próprio resultado, pois na concepção hegeliana, a filosofia estaria sempre regressando em círculos sobre si mesma. Assim posto, passa, então, a confrontar sua teoria com a dos demais, para depois fornecer elementos para formação do conceito de arte.
Duas objeções, inicialmente, são colocadas à filosofia da arte. Primeiro a infinidade de coisas que são consideradas belas. Depois, a subjetividade em relação ao objeto que inviabilizaria a pretensão científica, como já adiantara Kant. Por tentarem estabelecer uma ciência estética com base nas coisas particulares e nas sensações, as teorias anteriores a Hegel teriam sido um fracasso. Ao invés do fenômeno particular, a filosofia da arte deveria começar a investigação por sua própria idéia do belo, como o universal de uma idéia platônica do Belo. Porém, sem adotar toda abstração de Platão (429-347 a.C.), mas sim algo mais concreto, de acordo com as necessidades filosóficas do espírito da época de Hegel. De outro modo, a liberdade da imaginação geraria um estado de confusão que impediria a estética de alcançar o patamar de ciência [11].
Quanto à segunda objeção, ao se considerar apenas as obras do espírito, tentava-se sustentar em si mesma a verdade e conformidade das idéias de Belo, fundado apenas em uma suposição arbitrária de que o espírito se descobre reflexivamente, por intermédio do aprendizado estético e seu refinamento. A solução soa fácil, bem ao estilo hegeliano mais obscuro. Evoluindo nessa compreensão de si mesmo, artisticamente, o espírito pode, em fim, atingir a ciência verdadeira [12].
Entre os gregos, poder-se-ia dizer que havia um conceito provido pelo conteúdo de seu tempo, no qual a beleza e o sublime prevaleciam. Já entre os alemães contemporâneos a Hegel a exigência por representações gerais e abstratas colocava a arte em segundo plano. Concordando com Kant, colocar a arte entre a sensibilidade e a razão seria o mesmo que lhe tirar, segundo Hegel, qualquer pretensão de trato científico, pois a arte seria apenas um meio e não um fim em si [13]. Mas, nem mesmo a crítica em torno da superficialidade das ilusões artísticas seria suficiente para retirar a possibilidade de se encontrar uma essência que lhe fosse verdadeira. Para Hegel, a arte teria o papel de revelar as manifestações universais, fazendo aparecer a verdade e a realidade das coisas que existem por si mesmas, no momento em que surgem ao espírito. Nesse sentido, a arte apresentaria o princípio superior, no qual o espírito se reconheceria. O rigor científico que se pretende para a arte se limitaria, então, ao desenvolvimento interior do conteúdo e meio de expressão humano. Uma necessidade interna que a equipararia à ciência em geral [14]- também uma necessidade do espírito.
Ainda que, por um lado, a arte pudesse estar ligada ao entretenimento, poderia também servir a si própria como pensamento sobre o qual se reflete, independente do conteúdo que transportasse. Desse modo, a arte poderia ser um meio para ligar o mundo exterior ao interior e o sensível ao supra-sensível das religiões e o pensamento abrangente da liberdade infinita. O espírito tornar-se-ia assim consciente daquilo que lhe interessa, dentro dos limites materiais e da gradação da verdade, embora ficasse abaixo do estágio que só se pode atingir com a religião e cultura racional que levam ao absoluto, em última instância [15].
Em tempos difíceis, resta à arte tratar só do prazer e do juízo de gosto sobre o conteúdo de sua produção. Toda e qualquer arte que imitasse a natureza seria, no entanto, incapaz de transmitir a realidade viva das coisas aos sentidos. Os motivos que justificam a imitação estão ligados ao prazer de mostrar o virtuosismo do artesão ao se comparar a Deus. Entretanto, ao invés de imitar, os seres humanos deveriam sentir maior prazer ao produzir algo que lhe seja próprio. O prazer provocado pela imitação já havia sido criticado por Kant, na Crítica do Juízo, quando o considerava tedioso e procurava afastar o belo do agradável e das sensações empíricas [16]. O que a arte deveria “imitar” da natureza, segundo Kant, seria a capacidade de reproduzir concepções internas que revelassem a forma ideal de uma finalidade para o objeto que se pretende que seja universalmente reconhecida como bela e não uma simples cópia realista de um objeto cuja essência é inacessível.
De Kant a Schelling
Da teoria da arte kantiana, Hegel aproveita sua necessidade interna de assentimento, divergindo contudo na possibilidade de se realizar uma ciência estética, a qual Kant era cético. Tal divergência ocorre devido às objeções de Kant à possibilidade das idéias de um sujeito traduzirem uma realidade verdadeira dos objetos. Ao conceber o juízo a partir de sua característica reflexionante de subsumir o particular a um universal, Kant, na interpretação hegeliana, não admitiria o acesso à natureza objetiva do objeto em si, apenas sua reflexão subjetiva, o que em parte está correto.
Todavia, Hegel comete um erro categorial ao tomar a finalidade real do objeto em si como a finalidade a ser buscada pelo juízo estético, quando, de fato, o que Kant propunha era a sustentação de sua finalidade ideal [17]. Portanto, aquilo que é considerado belo não comportaria a natureza imanente do objeto, mas uma simples pretensão subjetiva de universalização. Extrapolando todas as advertências kantianas, Hegel – bem como todos os românticos - imaginava que o sujeito e o objeto estavam separados pelas faculdades do conhecimento, por causa de uma falta de conscientização do espírito consigo mesmo. Uma vez que essa autoconsciência fosse alcançada, seria possível chegar à superação daquela dicotomia [18].
Depois de Kant, outros autores tentaram ultrapassar os limites da crítica e propuseram uma unificação do pensamento com a realidade. Hegel procurou estar à frente dessa tendência histórica em retroceder aos erros do dogmatismo idealista somados aos do sensualismo empírico, que resultaram no Romantismo. Johann Cristoph Friedrich von Schiller (1759-1805) teria sido pioneiro ao se ocupar da conciliação do sujeito com o objeto, na busca de uma expressão única da verdade. Para Hegel, Schiller consideraria o belo como resultado da união entre o racional e o sensível, a verdadeira realidade [19].
A partir dessa proposta, Schelling, por sua vez, adotava a ciência de maneira absoluta, ou melhor, a filosofia como ciência do Absoluto [20]. Ao passo que Johann Joachim Winckelmann (1717-1768) teria sido inovador com a consideração do espírito em um novo método de estudo histórico, no domínio da arte, em sua admiração pelas cópias romanas das obras gregas [21]. Críticos de arte como os irmãos August Wilhelm Schlegel (1767-1815) e Friedrich Schlegel (1772-1829) - editores da revista Athenaeum - já defendiam com entusiasmo o movimento romântico, sem no entanto, possuírem um profundo conhecimento filosófico. Apesar dessa deficiência, Hegel reconhecia nesses críticos a sagacidade necessária para o resgate de obras antigas, cujo valor artístico superava as dos contemporâneos. Como Fichte, Fredrich Schlegel e Schelling teriam afirmado a autoridade maior do eu absoluto na hora de decidir sobre tudo que o cerca. Colocando-se acima de todos, o gênio romântico vê sua relação com os demais de modo irônico. Porém, amiúde, a insatisfação consigo mesmo levaria o eu ao estado mórbido de tédio, provocando a autoironia. Desta forma, os artistas irônicos não conseguiriam produzir nenhum conteúdo artístico relevante, pois logo eliminariam em suas obras aquilo que pretendesse ser substancial, sobrando apenas produções vulgares e absurdas [22].
O Plano da Estética
Arte, para Hegel, seria, portanto, a emanação da idéia absoluta, cuja finalidade seria a representação sensível do belo. Em outras palavras, o conceito do belo artístico representaria o próprio Absoluto. Entrementes, alguns conteúdos não serviriam para sua representação concreta, como toda arte abstrata. Isto inclui as representações orientais do deus considerado simples, uno e supremo. Só o Deus encarnado pôde ser figurado nas artes plásticas, pois reunia o geral e o particular em torno de algo concreto [23].
Em vez do isolamento, a arte procuraria a participação de outros espíritos. Sua função seria tornar a idéia acessível à contemplação, por intermédio das formas sensíveis, unindo idéia e forma. Ao ascender a níveis mais altos, a arte permitiria a expressão da verdade e a consciência de si mesmo ao espírito. Tal progresso seria de ordem espiritual sobre a reflexão das idéias do mundo em que os seres humanos se inserem. No final, todas as artes particulares formariam uma totalidade compreensível ao Absoluto [24].
A ciência estética iniciaria do estudo da idéia geral do belo e sua relação com a criação subjetiva. A seguir, com o conceito do belo verificar-se-ia as diversas maneiras de interpretá-lo nas artes particulares. E, por fim, se descreveria o desenvolvimento histórico das suas realizações e o estabelecimento de um sistema abrangente que englobasse todas as variações artísticas [25].
A perfeição em uma obra de arte exprimiria a exata correspondência da idéia com seu ideal, ou seja, seu conteúdo e forma aproximar-se-iam da verdade profunda. As diferentes formas de arte, ajudariam a discernir as idéias mais próximas da verdade, daquelas que se afastam. As relações entre conceito e realidade se dariam, primeiro pela busca da unidade verdadeira, partindo da abstração à concretude. Nesse processo, a idéia tentaria encontrar sua forma absoluta, passando pelas convulsões violentas que constituem o sublime e a forma do simbolismo em arte, mas que não forneceriam a beleza [26].
Em seguida, as artes clássicas procurariam adequar a forma ao conceito. O sensível e seu aspecto figurado deixariam de ser natural. A figura humana passa a representar a sua espiritualidade no tempo, realizando a beleza perfeita. De tal sorte, que o espírito tornar-se-ia acessível à intuição. Contudo, ainda nos clássicos, o espírito mostrar-se-ia como particular e não como absoluto, pois se ligaria apenas à forma externa humana, sem espiritualidade pura [27].
Só com o romantismo e a arte sacra cristã é que a idéia poderia se libertar do conteúdo formal humano e representar a espiritualidade interior plena da união da verdade com o conceito, independente do sensível. Ao contrário do simbolismo, o romantismo cristão traria o espírito no conteúdo de suas obras e não uma mera representação, pois faria com que o espírito apreciasse a si mesmo e não o objeto exposto [28]. Tudo isso ocorreria porque o ser humano é um animal capaz de adquirir consciência de suas funções orgânicas e espirituais. Para Hegel, o cristianismo teria a propriedade de despertar internamente a espiritualidade através de uma intuição intelectual. A figura que representa o deus cristão pode ser ultrapassada, permitindo o acesso à unidade que o espírito almeja. Tratar-se-ia, portanto, de uma arte subjetiva que exprimiria todos os sentimentos da alma, encontrando aí sua significação. O espírito e a idéia são livres. Não se contemplam mais como sensível, mas o próprio espírito internamente em sua mais elevada perfeição [29].
O espírito é o verdadeiro conteúdo do belo. O Deus é o ideal que está no centro da representação artística. Desde as formas naturais inorgânicas, até a pintura, a música e a poesia romântica, o caminho da arte é conduzir à realidade adequada a Deus. E o divino se revela pelos três elementos dessas artes: cor, som e luz. Nesse ínterim, a música vem à frente da transformação na sensibilidade abstrata e não concreta, pois, na estética hegeliana, o som não é um elemento material. Apenas a poesia conseguiria dar concretude ao som de uma melodia, acrescentando-lhe uma letra. Um sinal de representação para expressão do espírito. Assim, pintura, música e poesia constituiriam no romantismo as artes subjetivas, das quais a última seria a mais perfeita, enquanto a arquitetura e a escultura teriam sua expressão máxima, respectivamente, no simbolismo e classicismo [30].
A riqueza de concepções que faz parte da arte impede que se possa determinar um princípio superior tendo em vista apenas um de seus aspectos. Depois da poesia, o progresso do espírito leva à necessidade da prosa para se ultrapassar toda forma de arte, no pensamento discursivo, seu elemento principal. Em seu desenvolvimento, a arte ergue uma galeria, onde o espírito e a beleza se apresentam simultaneamente aos seus realizadores em um trabalho que só terá fim quando passarem milhares de anos na história e toda verdade for desvelada.
Vocês vêem como, aqui, aquele processo introduzido pela filosofia anterior [31] foi entendido, e como, da maneira mais decidida, foi tomado como objetivo e real. Por mais meritória, pois, que se tenha considerado a veleidade, que Hegel teve, de perceber a natureza e significação meramente lógicas da ciência que encontrou antes de si, por mais meritório que seja, em particular, que ele tenha salientado como tais as relações lógicas ocultas no real pela filosofia anterior, é preciso entretanto confessar que, na execução efetiva, sua filosofia (justamente pela pretensão a uma significação objetiva, real) se tornou em boa parte mais monstruosa do que era a precedente e que, por isso, também não fui injusto com essa filosofia quando a denominei... um episódio (SCHELLING, F.W.J. “Hegel”, in História da Filosofia Moderna, p. 157).
Notas
1. Veja HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, "Introdução", p. 57.
2. Veja HEGEL, G.W.F. Op. cit., idem, p. 59.
3. Veja HEGEL, G.W.F. Idem, "A Certeza de Si Mesmo", A., p. 113.
4. HEGEL, G.W.F. Ibidem, "O Saber Absoluto", p.473.
5. Veja HEGEL, G.W.F. Ibidem, “A Religião”, B, pp.408-9.
6. Veja HEGEL, G.W.F. Ibid., op. cit., 412-21.
7. Veja HEGEL, G.W.F. Ibid, idem, 421-33.
8. HEGEL, G.W.F. Filosofia da História, II part., cap. 2, p. 209.
9. Veja HEGEL, G.W.F. A Idéia e o Ideal, cap. I, seç. I, § I, pp. 79-80.
10. Veja HEGEL, G.W.F. Op. cit., idem, seç. I, § II, pp. 82-3.
11. Veja HEGEL, G. W. F. Idem, idem, § III, pp. 84-8.
12. Veja HEGEL, G.W.F. Ibidem, ibidem, p. 89.
13. Nesse passo fica flagrante a contradição entre as intenções hegelianas de tornar a estética uma ciência, quando a arte não passa de um meio para elevação do espírito ao absoluto.
14. Veja HEGEL, G.W.F. Ibid., ibid., pp. 90-3.
15. Veja HEGEL, GW.F. Ibid., ibid., pp, 93-4.
16. Veja KANT, I. Crítica do Juízo, § 22, pp. 239-43.
17. Veja KANT, I. Op. Cit., § 57, pp. 346-51.
18. Veja HEGEL, G.W.F. Ibid, cap. III, § I, 127-32.
19. Veja HEGEL, G.W.F. Ibid, idem, § II, pp. 132-33.
20. Veja SCHELLING, F. W. J. Idéias para uma Filosofia da Natureza, “apêndice”, p. 50.
21. Veja HEGEL, G.W.F., Ibid. ibid., p. 134.

22. Veja HEGEL, G.W.F., Ibid. ibid., pp. 134-8.
23. Veja HEGEL, G.W.F., Ibid., cap. IV, p. 139.
24. Veja HEGEL, G.W.F., Ibid. idem., pp. 140-1.
25. Veja HEGEL, G.W.F., Ibid. ibid., p. 141.
26. Veja HEGEL, G.W.F., Ibid. ibid., pp. 143-5.
27. Veja HEGEL, G.W.F., Ibid. ibid., pp. 145-6.
28. Veja HEGEL, G.W.F., Ibid. ibid., pp. 146-7.
29. Veja HEGEL, G.W.F., Ibid. ibid., pp. 147-9.
30. Veja HEGEL, G.W.F., Ibid. ibid., pp. 149-55

31. Schelling refere-se a sua obra Idéias para uma Filosofia da Natureza (1797), que foi apresentada no capítulo anterior ao dedicado a Hegel, em sua História da Filosofia Moderna.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A DOR DA CURA EMOCIONAL
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     No processo de resolvermos os conflitos emocionais pessoais geralmente precisamos passar pela dor da tomada de consciência do que nos aflige. Muitas situações na vida nos fazem sofrer emocionalmente. Situações devido a perdas, reais ou imaginárias, de alguém que você amava, perda do amor idealizado, perda do sentido para a vida quando você a colocava no material e vê que ele não preencheu tudo, perda porque você pode ter se anulado na vida, tendo perdido, muito ou pouco, da sua personalidade, etc.
     Diante de dores emocionais o ser humano em geral procura esconder o sofrimento de si mesmo. Pode suprimi-lo, o que significa que sabe que o tem, mas evita pensar nele e lidar com ele conscientemente. Pode reprimi-lo, o que significa que o joga para o inconsciente e não tem mais acesso ao mesmo quando deseja, mas quando pode.
     Quando há a repressão do sofrimento, ele pode permanecer muito tempo (anos até) num espaço virtual da mente, e vai tentar sair em alguns momentos da vida da pessoa, seja através do físico (reações psicossomáticas) ou através de distúrbios do comportamento como agressividade “imotivada”, desânimo, fobias, depressão, etc.
     Uma pessoa pode se isolar dentro de si mesma, perder uma parte de si mesma para manter-se na realidade com o que pode ou sobra. Ela reduz o que é para manter-se na realidade. Se torna, muitas vezes, por exemplo, submissa mais do que devia, menos ativa, mais passiva. Isto é uma proteção porque ela não sabe como funcionar com mais atividade. E também é uma expressão do sofrimento, porque está encolhida como indivíduo.
     A cura dói porque para obtermos a cura precisamos tomar consciência de certas dores que havíamos enterrado muito bem em nossa mente, para não sofrer. Mas para não sofrer, é preciso aprender a lidar com a dor, e não evitá-la. Quando você vai percebendo que havia partes encolhidas do seu ser que agora se tornam conscientes, isso pode doer. Mas será uma dor do crescimento e não mais do encolhimento que vinha assim. Temos que enfrentar esta dor, crendo que as condições para sobreviver psiquicamente estão também surgindo ao mesmo tempo. A percepção de nossos problemas pessoais vêem à nossa mente somente quando há resistência interna para lidarmos com ela. Se não, ela não surgiria na consciência.
     A cura dói porque vamos compreendendo que de certa maneira estamos sós para viver a pessoa que somos. E melhora quando recebemos ajuda de uma pessoa compreensiva e que nos pode dar um “colo” no sentido de ter empatia para com nossa dor. Melhora quando podemos desabafar, chorar. Melhora quando esta percepção de certa solidão deixa, aos poucos, de nos apavorar. Melhora quando encontramos sentido espiritual na vida.
     Precisamos de conexões afetivas com algumas pessoas, com quem podemos abrir nosso coração e, quem sabe, ouvir algumas palavras reconfortantes, ou algum toque físico de afeto inocente e puro que também produz algum conforto. Também de uma fé, uma confiança num Ser Superior, que eu chamo de Deus Criador, que nos assiste na dor e nos conduz a momentos de refrigério.


Kaquinda Dias