QUARTA FEIRA SANTA
Nesta Quarta-feira maior, dia em que a Tradição reconhece ter
ocorrido a traição de Judas, a Liturgia da Palavra nos oferece à reflexão o
Evangelho em que São Mateus narra, pari passu, os preparativos para a Última Ceia e os
derradeiros ajustes entre os príncipes dos sacerdotes e o traidor do Senhor.
Essa mesma leitura, adiantando-se um pouco no tempo, coloca-nos à Mesa Santa
junto de Cristo e seus discípulos. Logo ao sentar-se para celebrar a Páscoa dos
judeus, o Senhor anuncia: "Em verdade Eu vos digo: um de vós me há
trair." É curioso notar o tom algo genérico dessa
declaração: "um de vós". Afinal de contas, por que razão Jesus
declara com tanta imprecisão que um dentre os Doze o haverá de entregar aos
chefes do povo? Não seria de esperar que o traidor fosse posto às claras,
acusado e incriminado à vista de todos?
Ao comentarem esse episódio,
muitos Santos Padres dizem que a intenção de Jesus não foi tanto a de denunciar
Judas quanto a de lhe oferecer uma nova chance de arrependimento e perdão.
Orígenes, porém, faz notar — com grande perspicácia — que o Senhor falou em
geral não para repreender o pecado de um dos Doze, mas para manifestar as
virtudes dos outros Onze. Isso fica claro ao observarmos a reação dos
discípulos à revelação do Mestre: "Com uma profunda aflição,
cada um começou a perguntar: 'Sou eu, Senhor?'" É admirável contemplar
como os Apóstolos confiam aqui mais na palavra de Cristo do que no testemunho
de suas próprias consciências: "Acaso serei eu, Senhor, o que vos há de
trair?" Examinam-se a si mesmos, veem-se livres de dolos, de insídias, de
armações; creem, porém, mais no que lhes diz Jesus do que no testemunho de suas
pretensas boas intenções, de sua frágil fidelidade.
Esse exemplo singular de
humildade nos deve trazer à memória que também nós somos feitos do mesmo barro que Judas: somos capazes da mesma
traição, das mesmas negações, dos mesmos pecados, das mesmas covardias. Ao
meditarmos ao longo desta Semana Santa a Paixão de Nosso Senhor, não nos
coloquemos soberbamente ao lado dos justos, como se fôramos gente infalível,
irrepreensível; enfileiremo-nos antes com Anás e Caifás, com Pilatos e seus
guardas; saibamo-nos perdidos no meio daquela multidão que, desvairada,
condenava à morte o Autor da vida: "Seja crucificado! Fora com ele! Crucifica-o!"
(Mt 27,
23; Jo 19, 15). Depositemos a nossa confiança
apenas na Graça e na bondade de Nosso Senhor: "Ainda bem",
digamos hoje e sempre a Jesus, "que me tens sustentado com a tua mão,
porque me sinto capaz de todas as infâmias... Não me largues, não me
deixes" (São Josemaria Escrivá, É Cristo que Passa,
n. 15). Ajuda-me, Senhor, a ser-vos fiel!
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