Caminhos
Pasárgada
…Cheguei no momento da criação do mundo e resolvi não existir. Cheguei ao zero-espaço, ao nada-tempo, ao eu coincidente com vós-tudo, e conclui: No meio do nevoeiro é preciso conduzir o barco devagar.
Serei o que fui, logo que deixe de ser o que sou; porque quando fui forçado a ser o que sou, foi porque era o que fui.
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quarta-feira, 21 de março de 2012
terça-feira, 20 de março de 2012
O QUE NÓS SONHAMOS
(Continuação)
6 – A Análise dos Sonhos
Acima acentuámos a diferença
entre um sinal e um símbolo. O sinal é sempre menos do que o conceito que ele
representa, enquanto o símbolo significa sempre mais do que o seu significado
imediato e óbvio. Os símbolos, no entanto, são produtos naturais e espontâneos.
Génio algum já se sentou com uma caneta ou um pincel na mão, dizendo: “Agora
vou inventar um símbolo.” Ninguém pode tomar um pensamento mais ou menos
racional, a que chegou por conclusão lógica ou por intenção deliberada, e
dar-lhe forma simbólica. Não importa de que adornos extravagantes se ornamenta
uma tal ideia – ela vai manter-se apenas um sinal associado ao pensamento
consciente que significa, e nunca um símbolo a sugerir coisas ainda
desconhecidas. Nos sonhos, os símbolos ocorrem espontaneamente, pois os sonhos
acontecem, não são inventados; eles constituem, assim, a fonte principal de
todo o nosso conhecimento a respeito do simbolismo.
Devo fazer notar, no entanto, que
os símbolos não ocorrem apenas nos sonhos; aparecem em todos os tipos de
manifestações psíquicas. Existem pensamentos e sentimentos simbólicos,
situações e actos simbólicos. Parece mesmo que, muitas vezes, objetos
inanimados cooperam com o inconsciente, criando formas simbólicas. Há numerosas
histórias autênticas de relógios que param no momento em que o seu dono morre,
como aconteceu com o relógio de pêndulo do palácio de Frederico, o Grande, em
Sans Souci, que parou na hora da morte do rei. Outro exemplo comum é o de um
espelho que se quebra ou de um quadro que cai quando alguém morre. Ou também
pequenos, mas inexplicáveis, acidentes de objectos que se quebram numa casa
onde alguém sofre uma crise emocional. Mesmo que os cépticos se recusem a
acreditar nessas histórias, a verdade é que elas estão sempre acontecendo, e só
isto basta como prova da sua importância psicológica.
Há muitos símbolos, no entanto,
(e entre eles alguns de maior valor), cuja natureza e origem não é individual
mas sim coletiva. Sobretudo as imagens religiosas: o fanático atribui- lhes
origem divina e considera-as revelações feitas ao homem. O céptico garante que
foram inventadas. Ambos estão errados. É verdade, como diz o céptico, que
símbolos e conceitos religiosos foram, durante séculos, objeto de uma
elaboração cuidadosa e consciente. É também certo, como julga o crente, que a
sua origem está tão soterrada nos mistérios do passado que parece não ter
qualquer procedência humana. Mas são, efetivamente, representações coletivas –
que procedem de sonhos primitivos e de fecundas fantasias.
6.1 – O Sonho na
Clínica Psicanalítica
“O tempo do sonho pode ser
comparado ao da chuva. Vem por estações durante uma análise, fertiliza-a, e
segue um movimento ternário mas contínuo de concentração, precipitação,
disseminação. O momento do sonho e o de seu relato na sessão não são o sonho
inteiro para o analista. Como a concentração de água que se evapora e forma
nuvens, temas psíquicos, dotados de tensão emocional, vão-se acumulando e
começam a ser sonhados silenciosamente, na vigília, através de pequenos atos de
significação ambígua e da concatenação mais ou menos frouxa de séries de idéias
a respeito do tema, ou de lembranças e idéias soltas que não se definem, a não
ser a posteriori. Ocorrem chuviscos de quando em quando: atos falhos,
devaneios, fragmentos oníricos indicativos do tema vindouro. Até que o sonho
que já está sendo sonhado alcança um estado de saturação que lhe permite
precipitar-se abertamente num episódio noturno recordável, feito tempestade de
verão. Depois, o relato, o trabalho interpretativo e a elaboração disseminam o
sonho na superfície psíquica, permitem-lhe infiltrar-se nas camadas gerativas
de associações, ampliam seu sentido e fertilizam a análise. Por fim, evapora-se
esse sonho, o campo do sonho parece secar, mas é só o recomeço do ciclo: já
estamos noutro sonho. Há análises onde chove mais, outras onde chove menos, sem
que essa variação equivalha necessariamente a produtividade ou estagnação.
Surge o sonho, via de regra, numa zona congestionada do entrelaçamento dos
campos, donde resulta que seu conteúdo exprima regras atinentes a distintos
temas psíquicos simultaneamente; por isso não possui um só sentido latente, mas
uma rede de significações emocionais, cuja análise “completa” levaria em
princípio a cobrir quase toda a análise; o sonho é um momento diagnóstico por
excelência, identifica o sujeito. Deve ser aproveitado. Com o sonhador, o
analista sonha simpaticamente, deixando-se levar pela iluminação que o sonho
propicia, sem pressa, esperando que a precipitação insemine-lhe as idéias, para
poder operar no mesmo ritmo do campo onírico. Como existe uma forte tendência a
se esquecer um sonho, por obra da resistência, e quase todos assim se perdem, a
função do analista é aqui também comemorativa ou de recordação; ele pugna por
manter o sonho à tona por um tempo mais largo do que espontaneamente se daria e
por acompanhar seu movimento de disseminação e nova concentração; pôr-se em
fase com o campo do sonho é nossa tarefa principal e nada fácil, pois em nós
também operam resistências. Por fim, é o sonho uma defesa do sono, como Freud
mostrou. A isso pode acrescentar-se que o sonho aberto, essa história visual
que se vive de noite e se conta de dia, é a oportunidade para sair de um sonho,
da surda corrente subterrânea dos temas de que o sonho trata, cuja lógica
preside ocultamente a vigília, até que se possa manifestar num episódio
constituído, ganhando estatuto de consciência: o sonho é o despertar de um
sonho.
6.2 – Neurociência e
Psicanálise
Concepções difíceis de serem
amalgamadas, as defendidas pela psicanálise e as defendidas pelas
neurociências, no que diz respeito aos sonhos. Em sendo caso, resta-nos
confrontar as duas concepções.
Para a Psicanálise os sonhos são
construtos psíquicos e é uma das pedras angulares de sua teoria, pois estão
baseados na história do indivíduo, idéia esta que a Psicanálise tanto presa.
Segundo a psicanálise a função principal do sonho é guardar o sono do sonhador,
ao permitir a realização alucinatória dos desejos inconscientes, e desta forma,
criar condições psíquicas para que o indivíduo continue dormindo. Os sonhos se
expressam através de cenários pictóricos, numa linguagem arcaica, primitiva e
carregada de simbolismo. Quando interpretados corretamente adquirem sentido
para o sonhador. Este ponto é interessante porque no curso da história da
humanidade, dependendo da cultura, o sonho tem sido interpretado de modo
diferente pelas diversas culturas, muitas vezes confundindo uso com função.
Ao longo de sua história, a
humanidade vem tentando entender o significado dos sonhos. Dele cuidaram
filósofos, místicos e cientistas, chegando eles às mais diferentes
interpretações. Diversas culturas antigas e mesmo muitas atuais interpretam os
sonhos como inspirações, sinais divinos, visões proféticas, fantasias sexuais,
realidade alternativa, e diversas outras crenças, dada a sua natureza
intrigante e enigmática, muitas vezes perturbadora. Esta é uma questão relacionada
ao uso, ou seja, dizer que os sonhos servem para predizer o futuro, ou
diagnosticar doenças, como se pensava na Antigüidade, ou mesmo como defendem os
psicanalistas hoje, ou como afirmava Freud, que os sonhos são uma via régia
para o inconsciente e um instrumento para se compreender a personalidade dos
pacientes, é também uma questão de uso, mas não de função. Agora quando se diz
que os sonhos protegem o sono como defendia Freud, ou quando se fala de algumas
teorias que se seguem nesse texto, levantadas por alguns neurocientistas,
podemos estar falando de função.
Em 1900, em seu livro “A
interpretação dos Sonhos”, Sigmund Freud defendia a idéia de que os sonhos
refletiam a experiência inconsciente e era um guardião do sono. Ele teorizou
que o pensamento durante o sono tende a ser primitivo ou regressivo e que os
efeitos da repressão são reduzidos. Para ele, os desejos reprimidos são,
particularmente, aqueles associados ao sexo e à hostilidade, os quais eram
liberados nos sonhos quando a consciência era diminuída.
Entretanto, naquela época, a
fisiologia do sono e sonhos era desconhecida, restando a Freud apenas a sua
interpretação psicanalítica dos sonhos. Somente na década dos 50, com a
descoberta de que os movimentos rápidos dos olhos (o chamado sono REM, ou Rapid
Eyes Movement), eram frequentemente um indicativo de que o indivíduo estava
sonhando, uma nova era de pesquisa sobre os sonhos emerge, e alguns elementos
da psicanálise passaram a ser questionados, como de validade duvidosa, pelos
neurocientistas. A partir dos estudos da neurobiologia do sono a neurociência
vem se ocupando dos sonhos. Para ela o sonho é o resultado da ativação de
certas estruturas cerebrais, como o tronco cerebral e não guarda relação com a
história individual. Não expressa uma realização inconsciente de desejo, e é
entendido como parte do ciclo do sono, determinado biologicamente.
“De natureza muitas vezes
bizarra, irreal e confusa, os sonhos são especulados por alguns estudiosos do
sono e sonhos como sendo um meio pelo qual o cérebro se livra de informações
desnecessárias ou erradas durante o período em que o indivíduo está acordado –
um processo de “desaprendizagem” ou aprendizagem reversa, proposta por Francis
Crick e Graeme Mitchison, em 1983. Estes pesquisadores postularam que o
neocórtex, uma complexa rede de associação neural, poderia se tornar carregado
por grandes quantidades de informações recebidas. O neocórtex poderia
desenvolver, então, pensamentos falsos ou “parasíticos”, pensamentos estes que
comprometeriam o armazenamento verdadeiro e ordenado da memória” (Silvia
Helena).
“Isto explicaria porque as
crianças, cujo ritmo de aprendizagem é intenso, apresentam mais sono REM do que
os adultos. Elas necessitariam, segundo esta idéia, esquecer as diversas
associações erradas ou sem sentido que se formam durante a sua aprendizagem
quando estão acordadas, favorecendo, desta forma, o armazenamento das
associações ou informações que são verdadeiramente importantes” (Silvia
Helena).
“Em linha semelhante de
pensamento, outros estudiosos teorizaram que os sonhos consistem de associações
e memórias eliciadas da parte frontal do cérebro, em resposta a sinais
randômicos do tronco encefálico. Estes autores sugeriram que os sonhos são o
melhor “ajuste” que o cérebro frontal poderia fornecer a este bombardeamento
randômico do tronco cerebral. Nesta proposição, os neurônios da ponte, via
tálamo, ativariam várias áreas do córtex cerebral eliciando imagens bem
conhecidas ou mesmo emoções, e o córtex então, tentaria sintetizar as imagens disparadas.
O sonho “sintetizado” pode ser completamente bizarro e mesmo sem sentido porque
ele está sendo desencadeado por uma atividade semi-randômica da ponte” (Silvia
Helena).
“William Dement nos chama a
atenção para o fato de que cada um de nós somos “loucos”, ao sonhar, pois,
manifestamos as mais bizarras situações. Outros pesquisadores predizem que
falhas na habilidade em processar o sono REM, podem causar fantasias,
alucinação e obsessão. Outros ainda, afirmam que a falta de sonhos (de sono
REM) induz psicoses alucinatórias e outros distúrbios mentais”(Silvia Helena).
6.3 – As teorias mais atuais apresentadas pelos
neurocientistas sobre sonhos são:
Teoria restaurativa: o
sono ajuda nosso corpo a salvar e restaurar energia por diminuir nosso
metabolismo, o que leva a uma conservação de energia. Ele também ajuda a
recompor nossos depósitos de neurotransmissores, uma vez que a maioria dos
neurônios diminui sua atividade durante o sono. As ondas lentas do sono têm
efeitos restaurativos. Elas fornecem um período de repouso para o cérebro. Sem
o repouso, nosso cérebro não funciona apropriadamente.
Teoria da aprendizagem: durante
o sono, nós podemos armazenar e reorganizar informações. Os neurônios que estão
envolvidos na aprendizagem e memória repousam durante o sono, principalmente
durante o sono REM (Rapid Eye Moviment ou Movimento Rápido dos Olhos, estágio
em que estamos sonhando). Talvez esta seja a razão pela qual nos sentimos
mentalmente ativos e descansados quando temos uma boa noite de sono, comparado
ao que sentimos após ficar longas horas da noite acordados. Muitos estudos
sustentam que o sono REM exibe um papel importante na retenção e consolidação
da memória. Um deles mostra que um grupo de pessoas que foi privado do sono REM
durante a noite apresentou maior dificuldade de retenção de material de estudo,
comparado a outro grupo que teve um sono sem interrupções.
Além disso, outras teorias da aprendizagem dizem que o sono,
particularmente o sono REM é designado para remover informações inúteis da
memória. Esta teoria sugere que é de igual importância remover informações não
desejadas e manter armazenados dados importantes. Nossa memória tem que
trabalhar de duas formas, uma para armazenar informações importantes e outra
para remover informações desnecessárias. Um importante neurocientista de sono e
sonhos, já afirmou que: “nós sonhamos para esquecer”. É sugerido que os sonhos
podem refletir um mecanismo de processamento da memória herdado de espécies
inferiores, no qual a informação importante para a sobrevivência é
necessariamente sensorial, e seria reprocessada durante o sono REM. De acordo
com nossos ancestrais mamíferos, os sonhos em humanos são sensoriais,
principalmente visuais.
Teoria do desenvolvimento:
esta teoria diz que o sono exibe um papel no desenvolvimento do cérebro. O sono
REM é um importante componente do sono para fetos ainda no útero e para as
crianças. Acredita-se que o sono REM ativa áreas visuais, motoras e sensoriais
no cérebro e isto aumenta a habilidade dos neurônios de funcionar apropriadamente
e fazer as conexões corretas. “Com base em tais achados e teorias, podemos
pensar que sonhos são mecanismos de defesa e adaptação, e a “loucura” manifesta
durante este estado silencioso e inconsciente, parece ser necessária para que
nos mantenhamos “são” durante o nosso agitado estado de consciência” (Silvia
Helena).
A questão central para a
psicanálise é como os sonhos, apesar desses vários questionamentos dos
neurocientistas, podem ainda ser mantidos como um paradigma para a sessão de
análise, ou ainda, serem utilizados como modelo para a compreensão das doenças
mentais, na atualidade, como afirmou Freud (1915-1916). O sentido dos sonhos
como forma de preparação para o estudo das neuroses se justifica, uma vez que o
estudo dos sonhos não apenas é a melhor preparação para o estudo das neuroses,
como também porque os sonhos, por si mesmos, são um sintoma neurótico que nos
oferece, ademais, a inestimável vantagem de ocorrer em todas as pessoas sadias.
Na verdade, supondo-se que todos os seres humanos fossem normais contanto que
sonhassem, nós, partindo dos seus sonhos, poderíamos chegar a quase todas as
descobertas a que nos levou a investigação das neuroses”. Freud afirma ainda:
“o sonho é uma loucura de curta duração, enquanto a loucura é um sonho de longa
duração” (Freud, 1938-1940). “uma psicose controlada”. “Um produto patológico,
o primeiro membro da classe que inclui os sintomas histéricos, as obsessões e
os delírios, sendo, contudo diferenciado dos outros por sua transitoriedade e por
sua ocorrência sob condições que fazem parte da vida normal” (Freud, 1940 1938,
1932-1936).
Sabe-se que os sonhos possuem uma
espécie de moldura que é o conteúdo manifesto, resultado da elaboração onírica
que transforma os pensamentos oníricos no sonho manifesto, ou seja, nessa
moldura. A elaboração onírica ao realizar essa transformação faz uso de figuras
de linguagem, de simbolismo e de mecanismos como o de condensação e de
deslocamento, num cenário pictográfico (imagens predominantemente visuais), não
somente porque seja um tipo de linguagem arcaica, primitiva, apropriada aos
sonhos e oriunda do processo primário, sede latente da vida psíquica primitiva,
pulsional e emotiva, mas também porque os conteúdos latentes dos sonhos, ou
seja, os seus pensamentos oníricos carregados de motivações inconscientes e de
desejos somente podem se expressar na consciência se disfarçando, isto é,
driblando a censura que o ego, mesmo em estado de sono a mantém ativa,
evidentemente, em menor proporção do que a que existe na vigília.
A psicanálise vem se defrontando com certos impasses em suas
teorias e também vem recebendo, na atualidade, ataques dos mais diversos
setores, particularmente de psiquiatras e neurocientistas identificados com o
modelo de pesquisa neurobiológica. Há alguns artigos recentes, de
psicanalistas, enfocando a questão dos sonhos e as neurociências. Dois deles
(Soussumi, 2001) e (Doin, 2001) foram apresentados no Congresso Brasileiro de
Psicanálise, realizado, em são Paulo, em 2001. Eles trazem o debate que está
atualmente sendo travado, entre neurocientistas de linha cognitivista e
neuropsicanalistas identificados com o modelo psicanalítico, no que diz
respeito a sonhos. Para os cognitivistas, principalmente para J. Allan Hobson,
na sua proposta radical o sonho não tem significado psíquico como defende os
psicanalistas, sendo, apenas, um epifenômeno do sono REM, e decorria da
ativação de certas estruturas cerebrais, como por exemplo: o tronco cerebral
que ativado por determinados neurotransmissores, tipo a acetilcolina geraria o
sonho cujo substrato neurobiológico é o sono REM. Ele ressalta ainda nessa
hipótese (Soussumi apud Hobson) “o papel do sistema límbico na seleção e na
elaboração das tramas dos sonhos e que os psicanalistas não aceitam essas hipóteses
neurobiológicas a respeito de sonhos porque isso significaria ter que
reformular toda a psicanálise, já que a teoria dos sonhos é tão fundamental
para a mesma” (o que é verdadeiro).
Noutro artigo, Mancia (2001) pelo
lado dos neuropsicanalistas contesta as posições radicais defendidas por Hobson
e argumenta, juntamente, com Mark Solm que, novas pesquisas sobre a
neurobiologia dos sonhos mostram que os mesmos ocorrem também (em torno de 5 a
30 por cento) durante o sono não-REM e que, provavelmente, há muitos outros
mecanismos envolvidos nos sonhos, além do sono REM.
Apesar de parecerem existir diferenças fundamentais entre um
tipo de sonho e outro (o que ocorre no sono REM e no NREM) e que a
neurofisiologia do sono REM seja o suporte principal à psicologia do sonho, “há
atividade mental do tipo sonho em todas as fases do sono, do início ao
despertar” (Mancia, 2001). “No entanto, há diferenças qualitativas entre a
atividade mental das várias fases do sono. Por exemplo, a estruturação espacial
dos sonhos, o nível de participação pessoal do sonhador, o número de palavras
utilizadas para contar o sonho, e certas características do sonho em si, tais
como o aspecto fantástico, são determinadas como sendo maiores na fase REM do
que na não-REM. Além do mais, o sono REM parece propiciar as melhores condições
de ativação cortical para a recuperação da memória, suficiente para permitir
relatos de certa extensão” (Mancia apud Antrobus, 1983).
Segundo ainda Mancia (2001) “a
diferença fundamental entre a visão psicanalítica e a neurocientífica dos
sonhos é que a psicanálise vê o sonho como expressão de uma teologia da mente
(Mancia, 1988), no sentido de que ela refere-se às figuras ou representações
que assumiram uma dimensão sagrada dentro de nós, os sonhadores, porque estão
relacionadas com nossos objetos internos. A diferença, portanto, encontra-se na
história afetiva do sujeito, que a psicanálise, diversamente das neurociências,
considera central para o significado do sonho”.
6.4 – Análise
Behaveorista dos sonhos
Na análise behaviorista radical,
considera-se que os sonhos são apenas comportamentos, mais especificamente,
comportamentos privados. Enquanto comportamentos privados, os sonhos fazem
parte da subjetividade do homem. Os eventos privados referem-se tanto a
estímulos como a comportamentos que ocorrem encobertamente. Usa-se o termo
encoberto para enfatizar que não são acessíveis à observação direta. Em relação
aos comportamentos encobertos, Skinner (1974/1993) não os considera como de
natureza especial, estar-se-ia apenas “descrevendo comportamento em miniatura”
(p. 27), pois, os comportamentos privados nada mais são do que ações do
organismo que foram adquiridas de forma pública, passando a se manifestar
privadamente após a sua aquisição. (…)
Em relação aos estímulos privados, Skinner (1974/1993)
afirma: “o que é sentido ou introspectivamente observado não é nenhum mundo
imaterial da consciência, da mente ou da vida mental, mas o próprio corpo do
observador…” (p.19). (…)
Enquanto condições corporais, os estímulos privados seriam
objeto de estudo da fisiologia; para a Análise do Comportamento, no entanto,
tais estímulos passam a fazer parte de um fenômeno psicológico e precisam ser
analisados quando entram no controle de certos comportamentos. Ressalta-se,
contudo, que para o behaviorista radical, a explicação dos comportamentos deve
ser sempre encontrada no ambiente externo ao indivíduo: “agredimos e sentimos
raiva, ambos pela mesma razão, e esta razão está no ambiente (…) (…)
(…) Enquanto comportamentos privados, os sonhos são
entendidos pelos behavioristas como o comportamento de ver, porém, na ausência
da coisa vista, ou seja, os sonhos são analisados como um comportamento
perceptual encoberto (Skinner, 1974/1993, 1968/1972). (…)
6.4.1 - Percepção e o Comportamento de Ver
Segundo Skinner (1974/1993), a
própria etimologia da palavra perceber refere-se a capturar, tomar e possuir o
mundo. Como não seria possível a posse do mundo real nesses termos, de acordo
com o que Skinner denomina de teoria da cópia, a pessoa poderia fazer “cópias
mentais” do mundo, armazenando-as na memória e, assim, poderia recuperá-las
quando necessário. (…)
O comportamento perceptual seria
controlado tanto por estímulos discriminativos quanto por estímulos
reforçadores que estão presentes no ambiente em que a pessoa está inserida.
Assim sendo, nota-se que a percepção tem relação direta com o controle de
estímulos. Por exemplo, suponha que eu seja um filatelista e, na casa de um
amigo, vejo um selo raro, que seria jogado fora. Eu, então, peço o selo a ele,
que me é oferecido sem qualquer hesitação, apesar de seu valor. Por que meu
amigo não percebeu o quanto o selo era valioso? Presumivelmente, Skinner diria
que isso ocorreu porque meu amigo não compartilhou as mesmas contingências com
as quais eu interagi durante minha história de vida, como: um tio que
colecionava selos; minha afeição por ele e o prazer que sentia em sua
companhia; as ocasiões em que meu tio contava a história de cada selo, cada
qual relacionado com diferentes períodos e assim por diante até que meu
interesse por selos crescesse e eu próprio começasse a estudá-los e
colecioná-los. (…)
(…) Assim sendo, ver é um
comportamento e deve ser analisado a partir da história ambiental do indivíduo,
a qual é responsável pelos estímulos que controlam o ver, seja público ou
privado. Para Skinner (1969/1980) se uma pessoa não vê o mesmo que você, isso
significa que ambos foram expostos a diferentes histórias de condicionamento.
(…) Ou seja, o comportamento de ver é considerado pelos behavioristas radicais,
como um comportamento privado. O que faz com que o ver na ausência da coisa
vista seja mais complexo é que apenas a pessoa que se comporta pode ver o
estímulo. De qualquer forma, o ver é um comportamento que diz respeito ao
controle de estímulos; inicialmente, a comunidade condiciona o indivíduo a
discriminar a presença de determinado objeto através de um estímulo aparente,
posteriormente, o indivíduo pode ver mesmo na ausência deste estímulo.
6.4.2 – A Análise Skinneriana dos Sonhos
Já que se considera os sonhos como
o comportamento de ver, pode-se dizer que aquilo com que sonhamos é uma relação
entre estímulos condicionados, discriminativos e reforçadores que estão
presentes na história ambiental da pessoa.
Skinner (1974/1993) valoriza,
sobremaneira, o papel da privação e das emoções no comportamento de sonhar: “a
estimulação visual exerce controle mínimo, e a história da pessoa e os dados
resultantes da privação e emoção têm sua oportunidade” (p.74). Com relação à
privação, o sonhador pode se empenhar fortemente no comportamento de ver o
objeto do qual está privado, já que a frequência de uma resposta que resulta em
reforço é diretamente proporcional ao grau de privação (Skinner, 1974/1993).
(…) Por exemplo, se alguém se encontra privado da pessoa que ama, ele poderá se
empenhar em comportamentos como ir a lugares onde esteve com a pessoa, ver
fotografias, falar com amigos em comum, telefonar para a pessoa e, assim por
diante, podendo chegar a visualizar essa pessoa com os olhos fechados. Todos
esses comportamentos podem servir de estímulos que participam dos sonhos da
pessoa.
Em relação à emoção, o que se
sente são condições corporais, as quais são indiferenciadas até que a
comunidade verbal estabeleça contingências que nos permitam falar sobre nossos
eventos privados. Assim, pode-se concluir que, quando dizemos Estou deprimida
hoje ou Estou me sentindo ansiosa, estamos descrevendo condições corporais que
têm sido relacionadas com verbalizações da comunidade verbal diante de nossos
comportamento públicos.
(…). Dessa forma, se em sonhos
pode-se ver, então, é verdadeiro que, em sonhos, também se pode sentir os
estímulos privados. Por exemplo, durante o dia, eu fui atacada por um cachorro
na rua e, à noite, quando estou dormindo, ouço um barulho, talvez o choro de
uma criança. Na minha história, sei que a filha do vizinho chora muito; não
obstante, quando em sonho, este choro lembrou-me o latido do cachorro e, assim,
aumentou a probabilidade de que eu não só ouvisse e visse o cachorro que me
atacou, mas também fez com que eu reagisse aos meus estímulos privados como uma
resposta emocional de medo.
(…). Por outro lado, assim como o
ver privado, as emoções também podem ser reforçadoras quando envolvem algum
tipo de prazer, como já explicado anteriormente com relação aos efeitos do
reforçamento. Logo, o comportamento perceptual encoberto relacionado com esse
tipo de emoção no sonho pode se tornar mais provável de acontecer.
6.4.3 – Sobre a Dificuldade de se aceitar a Análise
Skinneriana
Talvez o maior problema para a
aceitação de uma análise dos sonhos fundamentada na análise de contingências,
principalmente com relação ao papel de estímulos discriminativos, condicionados
e reforçadores, como o modelo apresentado por Skinner acerca da percepção e do
comportamento de ver, se refira ao fato de que a sua análise, em geral, foi
feita com relação aos comportamentos (públicos e privados) que ocorrem no
estado de vigília, enquanto os sonhos ocorrem quando se está dormindo.
Afirma-se, então, que mesmo em
sonhos, quando o organismo como um todo está relaxado e os órgãos dos sentidos
se tornam cada vez menos receptivos aos estímulos externos, ainda assim o
organismo se comporta. Skinner (1974/1993) falava que os comportamentos
privados são comportamentos executados em escalas muito pequenas, são comportamentos
em miniatura. Kantor (1975), por sua vez, afirmou que “os sonhos são as
evidências de que as pessoas nunca estão inativas, mesmo quando adormecidas”
(p.11). A própria neurofisiologia indica que as pessoas se comportam mesmo
quando estão dormindo. Cardoso (1997) declara: “No estado de vigília, o córtex
analisa com precisão os impulsos que chegam dos vários órgãos receptores do
sistema sensorial (…) e gerando uma resposta integrada como, por exemplo, o
movimento do braço (ação do órgão efetor) pegando uma faca (…) Sabe-se ainda
que o sono REM, “o sono dos sonhos”, é a fase do sono em que os olhos se
movimentam com maior rapidez, sugerindo que o corpo em repouso não está
totalmente inativo. (…)
Cegos de nascença relatam que
seus sonhos envolvem o comportamento perceptual auditivo com grande frequência,
uma vez que nunca tiveram a oportunidade de ver algum objeto. Até mesmo aquelas
pessoas que se tornaram cegas, gradualmente vão perdendo a habilidade de sonhar
com estímulos visuais (Cardoso, 1997, p. 3). Uma pesquisa acerca dos relatos
dos sonhos de sujeitos cegos congênitos, realizada por Kerr, Foulkes e Schmit
(1982), sugere que pessoas com esse tipo de problema, embora realmente não
relatem sonhos com percepção visual, seus sonhos envolvem, muitas vezes,
relações espaciais, o que levou os pesquisadores a afirmar que aqueles
indivíduos que possuíam algum resquício mínimo de visão poderiam ver em sonhos
apenas na extensão do que eles podiam ver durante a vigília, como sombras ou
vultos por exemplo.(… )
6.4.4 – O Modelo de Seleção pelas Consequências e os
Sonhos
A partir da explanação feita
anteriormente, alguém poderia perguntar: então, nós aprendemos a sonhar? Bem,
já que o sonho é considerado comportamento, a única conclusão plausível é que
sim, nós aprendemos a sonhar. Ressalta-se, contudo, que ao falar sobre
aprendizagem dos sonhos, refere-se, especificamente, ao seu conteúdo. O
comportamento de sonhar é, presumivelmente, um comportamento selecionado com o
processo evolucionário das espécies.
6.4.5 – Filogênese
(…) A maior parte da pesquisa com
relação à necessidade dos sonhos tem sido realizada no âmbito das
neurociências, com o estudo do sono REM. Embora sono REM e sonho não sejam
sinônimos, até o momento, o primeiro é a única evidência que se tem para se
dizer que uma pessoa está sonhando (…). Dessa forma, as alterações orgânicas
verificadas durante o sono REM têm sido estendidas para os sonhos. (…) Como tem
sido verificado que durante o sono REM a atividade muscular é praticamente
zero, Foulkes e Cartwright (1999) sugerem que o sono REM evoluiu devido à
necessidade de que os homens, enquanto caçadores, ficassem imóveis durante a
noite, evitando assim o ataque de predadores. (…).
Pode ser também que os sonhos
estejam ligados a algum tipo de necessidade bioquímica de ativação cerebral
periódica, haja vista que, durante a vigília, o cérebro está em constante
atividade, enquanto que no torpor do sono tal atividade cerebral é muito
escassa. Não obstante, durante o sono REM o cérebro apresenta ondas que indicam
uma atividade muito parecida com a da vigília (…) Outra indicação da
necessidade de sono REM tem advindo de pesquisas realizadas sobre a privação de
sono REM, onde se verificou que, após longos períodos de privação de sono, os
humanos tendem a apresentar uma quantidade muito maior de sono REM do que o
normal. (…) Adicionalmente às pesquisas sobre privação de sono, encontra-se
frequentemente que, na ausência de sono REM, a pessoa tem falta de
concentração, ataxia, problemas de memória e linguagem, chegando até a experienciar
alucinações (Schulze, 1997; Foulkes & Cartwright, 1999; Lindzey e cols.,
1977). Por isso, Schulze (1997) afirmou que “o sono REM parece mais
psicologicamente e menos fisicamente importante…” (p.1). Logo, parece haver
indicações para se considerar que o argumento de que os sonhos seriam
comportamentos filogeneticamente selecionados é legítimo.
6.4.6 – Ontogênese
(…) Pode-se afirmar que as
pessoas só sonham com aquilo que lhes é conhecido, ou melhor, só sonham com
aquelas partes do mundo às quais reagem discriminativamente. Logo, aprende-se a
sonhar no sentido de que só vemos o que vemos de acordo com as contingências de
reforçamento que fazem parte da nossa história ontogenética. Por exemplo,
sabe-se que os esquimós podem diferenciar entre dezenas de tipo de neve e,
embora possamos sonhar com a neve, dificilmente poderíamos identificar com que
tipo de neve estamos sonhando, pois não tivemos um treino discriminativo com
relação a esse estímulo ou, melhor, às suas propriedades. (…)
6.4.6 – Cultura
(…) Existem na literatura alguns
exemplos que sugerem como o conteúdo dos sonhos pode ser também um produto
social. Entre os índios norte-americanos, os sonhos eram considerados elementos
integradores da religião (eram mensagens espirituais) e do sistema social, haja
vista que os interpretadores de sonhos faziam parte da elite social. Como era
exigido que os sonhos tivessem alguma informação importante para o grupo, esses
índios parecem ter criado um “sonho padrão de cultura”, pois os sonhos, em
geral, pareciam sempre envolver mensagens espirituais, premonições, e assim por
diante; aquele indivíduo que sonhasse com mensagens que se provassem realmente
positivas para o grupo eram recompensados (Pimentel-Souza e col., 2000). (…)
(…) Assim, pode-se afirmar que aquela prática considerada
importante dentro de uma cultura e, mais estreitamente, dentro de certos grupos
sociais, exerce forte controle sobre o comportamento dos membros que fazem
parte dessa cultura. Os indivíduos, então, modificam e mantêm seus
comportamentos de acordo com as contingências de reforçamento do grupo. Nossa
cultura não tem o que se chamou (Pimentel-Souza e col., 2000) de um “sonho
padrão de cultura”, no entanto, a prática de um grupo social pequeno pode
também participar no controle do conteúdo dos sonhos. Por exemplo, uma pessoa
que foi submetida a uma rígida educação religiosa, mas não tem honrado seus
compromissos com a igreja pode sonhar com Deus a mandá-la ir à igreja. Ao
relatar o sonho para a mãe, por exemplo, esta pode encaminhá-la para uma
confissão. Fazendo isso, o sonhador pode ter seu comportamento reforçado pela
mãe e a própria pessoa pode se “sentir aliviada” por tê-lo feito. Isto
dificilmente ocorreria com alguém que não acreditasse em Deus, ou que, pelo
menos, não tivesse sido exposto a contingências tão aversivas com relação à
religião.
6.4.7 – Considerações Finais
A partir das análises aqui
descritas, então, pode-se afirmar que a interpretação de um sonho é,
praticamente, impossível sem o conhecimento da história de vida da pessoa e,
mais especificamente, se não se conhecem as contingências de reforço com as
quais ela está interagindo.
Disso, segue-se que os famosos
dicionários de sonhos não podem responder pela singularidade de cada pessoa,
pois um símbolo significaria a mesma coisa para todos os sonhos, a despeito do
sonhador. É notório que a interpretação de sonhos baseada em símbolos é muito
popular, porém, acredita-se que esses símbolos não levam em consideração, nem
as diferenças individuais, nem as diferenças culturais entre as pessoas.
Diferentemente de teorias baseadas em símbolos, como a de Freud e Jung (Lindzey
e cols., 1977), acredita-se que os sonhos não têm um significado, mas sim que o
significado é resultado de interpretações que diferem de acordo com a abordagem
teórica ou filosófica do interpretador, enquanto um psicanalista vai
interpretar os sonhos como, por exemplo, constituído de natureza sexual, um
behaviorista vai interpretar os sonhos a partir das contingências de
reforçamento responsáveis por eles.
O sonho é único para a pessoa que
sonha até que ela torne público o seu sonho. E é exatamente com esse objeto, o
relato de sonho, que o analista do comportamento trabalha. No entanto, assim
como o sonho, a autodescrição também é produto de contingências de reforço da
comunidade verbal. Logo, a capacidade de descrever os sonhos está relacionada
com a habilidade da pessoa em discriminar seus eventos privados enquanto uma
resposta verbal condicionada pela ação do grupo social no qual está inserida,
como descrito anteriormente.
(…) Nesse sentido, embora o
próprio indivíduo seja a pessoa, digamos, mais capaz de conhecer sua história
e, assim, analisar as condições que os levaram a se comportar de determinada
maneira, pela análise aqui exposta, considera-se que um analista do comportamento
esteja melhor preparado para interpretar o relato dos comportamentos (públicos
ou privados e, neste caso, os sonhos), uma vez que poderá determinar qual o
contexto em que o comportamento aconteceu através da análise das relações
funcionais observadas a partir das descrições da pessoa e pelo conhecimento
prévio da história de reforçamento da mesma. É nesse contexto que os sonhos
podem se relacionar com o auto-conhecimento, ou seja, o relato dos sonhos pode
servir como instrumento para que o analista do comportamento leve a pessoa a
discriminar as contingências das quais o comportamento é função. Neste caso, o
analista do comportamento “está presumivelmente salientando relações causais
que este [indivíduo] ainda não havia tomado consciência” (Skinner, 1974/1993,
p. 30)
Ao final de toda esta análise dos sonhos, podemos resumir
a posição behaviorista radical da seguinte forma:
- Para Skinner (1974/1993,
1968/1972), os sonhos são comportamentos encobertos (ver na ausência da coisa
vista), sendo estudados, então, no âmbito da subjetividade;
- Dizer que os sonhos são
comportamentos equivale dizer que os mesmos são produtos das histórias de
condicionamento respondente e operante que se desenvolveram a partir de três
níveis diferenciados de seleção e variação que respondem pela determinação do
comportamento: filogênese, ontogênese e cultura;
- Para entender os sonhos,
pode-se verificar as análises skinnerianas sobre o comportamento perceptual,
mais especificamente, o ver;
- O comportamento de ver está
relacionado com o controle de estímulos. As histórias de condicionamento
respondente e operante respondem pelo comportamento de ver tanto na presença
quanto na ausência dos estímulos;
- Pode-se dizer que aquilo com
que sonhamos é produto de estímulos condicionados, discriminativos e
reforçadores que estão presentes na história ambiental da pessoa. Além disso,
Skinner (1968/1972, 1974/1993) valoriza, sobremaneira, o papel da privação e
das emoções no comportamento de sonhar;
- A natureza dos sonhos e a
aprendizagem do seu conteúdo é defendida com base na análise das histórias
filogenética, ontogenética e cultural;
- A interpretação dos conteúdos
de um sonho, bem como a análise entre as circunstâncias nas quais o sonho
ocorreu são, praticamente, impossíveis sem o conhecimento da história de vida
da pessoa e, mais especificamente, se não se conhecem as contingências de
reforço com as quais ela está interagindo, pois o sonho não tem um significado,
mas seu significado é tão somente resultado de interpretações, as quais dependem
da história de vida do interpretador, aí inclusa a abordagem teórica ou
filosófica adotada pelo mesmo;
- O relato dos sonhos pode ser
usado como um instrumento para que o indivíduo discrimine as relações entre o
conteúdo do sonho e as circunstâncias a que está exposto durante a vigília. Ou
seja, o relato dos sonhos pode ser utilizado para alcançar o auto-conhecimento.
7 – Instituições
Noturnas e os sonhos
(Achamos por bem transformar o conteúdo deste ítem em um outro artigo à parte que proximamente será postado neste blog).
8 – Abordagem
psicológica
Segundo o psicólogo Walter
Boechat, cada pessoa carrega um mito pessoal, um conto de fadas preferido que
acompanha toda a sua vida consciente. Essa historinha (que de "inha"
não tem nada) pode aparecer como um sonho recorrente para falar da vida que o
sonhador está levando. Walter Boechat conta que teve uma paciente, certa vez,
que sonhava muito com grandes cabelos sendo cortados, com a figura da mãe-bruxa
e com um casamento que a livrava da maldade materna. Tempos depois ele
descobriu que o conto de fadas favorito da sonhadora era o da Rapunzel, assim,
ela reproduzia o simbolismo no sonho e via o casamento como salvação, tal como
na história.
Os sonhos são cargas emocionais
armazenadas no inconsciente, que projetam imagens e sons, e, de acordo com
Freud, como sabemos que os objetos nos sonhos são derivados de cargas
emocionais, podemos, através deles, chegar à raiz ou seja às emoções que
geraram essa imagem ou som. Sendo estudados corretamente pode-se descrever, ou
melhor, conhecer o momento psicológico do indivíduo. Fazendo uma analogia,
poderíamos pensar numa espécie de "fotografia" do inconsciente
naquele momento. Por isso, o sonho sempre demonstra aspectos da vida emocional.
Nos sonhos sua linguagem são o que Freud denomina símbolos. Para entender seus
variados conteúdos, temos que reconhecer o que os símbolos representam nesse
sonho. semelhante ao que foi estudado por Stanislavski,
a simbologia dos sonhos não só está dada pelo contato que o criador do sonho
teve com o objeto mas também com o caráter,
ou seja, a forma que ele lida relaciona sentimentalmente esse objeto a coisas
de sua vida, um exemplo prático o mar pode apresentar distintas simbologias (que
são importantes para a interpretação dos sonhos se trata de descobrir a raiz)
variando de pessoa a pessoa (inclusive a época) para alguns o mar pode
significar destruição (o mar destruindo estruturas deixadas na praia) mas para
outros invasão (a água avançando e invadindo território) de acordo com Freud o
que a pessoa sente quanto a esse objeto ou essa situação é fundamental para a
interpretação de sonho[2]."Os
sonhos são a estrada real para o conhecimento da mente"[2].
Portanto as terapias psicanalíticas usam interpretação dos sonhos como um
recurso para "elaborar". Carl Gustav
Jung passou a se dedicar profundamente aos meios pelos quais se
expressa o inconsciente. Em sua teoria, enquanto o inconsciente pessoal
consiste fundamentalmente de material reprimido e de complexos, o inconsciente
coletivo é composto fundamentalmente de uma tendência para sensibilizar-se com
certas imagens, ou melhor, símbolos que constelam sentimentos profundos de
apelo universal, os arquétipos.
8.1 – Sonho e Freud
Foi em 1900, com a publicação de A Interpretação dos Sonhos, que Sigmund Freud(1856-1939) deu um caráter científico
à matéria. Naquele polêmico livro, Freud aproveita o que já havia sido publicado anteriormente e faz
investidas completamente novas, definindo o conteúdo do sonho, geralmente como a
“realização de um desejo”. Para o pai da psicanálise,
no enredo onírico há o sentido manifesto (a fachada) e o sentido latente (o significado),
este último realmente importante. A fachada seria um despiste do superego
(o censor da psique, que escolhe o que se torna consciente ou não dos conteúdos
inconscientes), enquanto o sentido latente, por meio da interpretação simbólica,
revelaria o desejo do sonhador por trás dos aparentes absurdos da narrativa.
8.2 – Sonho e Jung
O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung,
baseado na observação de seus pacientes e em experiências próprias, tornou mais
abrangente o papel dos sonhos, que não seriam apenas reveladores de desejos ocultos,
mas sim, uma ferramenta da psique que busca o equilíbrio por meio da compensação. Ou seja,
alguém masculinizado pode sonhar com figuras femininas que tentam demonstrar ao
sonhador a necessidade de uma mudança de atitude.
Na busca pelo equilíbrio, personagens
arquetípicas interagem nos sonhos em um conflito que buscam levar ao consciente
conteúdos do inconsciente. Entre essas personagens, estão a anima (força feminina na psique
dos homens), o animus
(força masculina na psique das mulheres) e a sombra (força que se alimenta dos aspectos
não aceitos de nossa personalidade). Esta última, nos sonhos, são os vilões. Um
aspecto muito importante em se atentar nos sonhos, segundo a linha junguiana, é
saber como o sonhador, o protagonista no sonho (que representa o ego) lida com as
forças malignas (a sombra), para se averiguar como, na vida desperta, a pessoa lida
com as adversidades, a autoridade e a oposição de ideias. Jung aponta os sonhos
como forças naturais que auxiliam o ser humano no processo de individualização.
Ao contrário de Freud, as situações
absurdas dos sonhos para Jung não seriam uma fachada, mas a forma própria do inconsciente
de se expressar. Para o mestre suíço,
há os sonhos comuns e os arquetípicos, revestidos de
grande poder revelador para quem sonha. A interpretação de sonhos é uma ferramenta
crucial para a psicologia analítica, desenvolvida por Jung.
8.3 – Sonho e sono REM
Existem outras correntes, que vêem
o sonho de modo diverso. Os neurocientistas,
de modo geral, afirmam que o sonho é apenas uma espécie de tráfego de informação
sem sentido que tem por função manter o cérebro
em ordem. Essa teoria só não explica como esses enredos supostamente desconexos
são responsáveis por grandes insights, como em Thomas Edison,
por exemplo. Existem muitos outros casos de sonhos reveladores em várias áreas da
ciência e da arte, que todavia não impedem que os sonhos sirvam também para recuperar
a saúde do organismo
e do cérebro.
8.4 – Sonhos e revelações
A oniromancia, previsão do futuro
pela interpretação dos sonhos, tem grande credibilidade nas religiões judaico-cristãs:
consta na torá e na bíblia que Jacó, José e Daniel receberam de Deus a habilidade de interpretar
os sonhos. No Novo Testamento, São José
é avisado em sonho pelo anjo Gabriel de que sua esposa traz no ventre uma criança
divina, e depois da visita dos Reis Magos um anjo em sonho o avisa para fugir para
o Egito e quando seria seguro retornar à Israel.
Na história de São Patrício,
na Irlanda, também figura o sonho. Quando escravizado, Patrício em sonho é avisado
de que um barco o espera para que retorne à sua terra natal.
No Islamismo, os sonhos bons são inspirados
por Alah e podem trazer mensagens divinatórias, enquanto os pesadelos são considerados
armadilhas de Satã.
Filósofos ocidentais eram céticos
quanto ao tema religião e sonhos, por alegarem que não haveria controle consciente
durante os sonhos, mas estudos recentes analisando movimentos dos olhos (REM) durante
o sono mostram resultados cientificamente comprovados com sonhos lúcidos,
que se contrapõem às teorias anteriores.
Pensadores e matemáticos como René Descartes
e Friedrich August Kekulé von Stradonitz
também tiveram em sonhos visões reveladoras. Descartes, em viagem à Alemanha, teve
uma visão em sonho de um novo sistema matemático e científico. Kekulé propôs a fórmula
hexagonal dobenzeno
após sonhar com uma cobra que mordia sua própria cauda.
Kaquinda
Referências
ALTMAN, Leon L. O Sonho em Psicanálise. trad. Alvaro Cabral.
Rio de Janeiro: Zahar, 1971, 231 p.
BRENNER, Charles. Noções Básicas de Psicanálise. 3a. ed.
trad. Ana M. Spira. Rio de Janeiro: Imago. 1975, 262 p.
da SILVA, Gastão Pereira. Enciclopédia de Psicologia e
Psicanálise. 2a. ed. vol. II, Belo Horizonte: Itatiaia, 1970, 235 p.
FREUD, Sigmund. Obras Completas de Sigmund Freud. volumes II
e III. trad. Odilon Gallotti. Rio de Janeiro: Delta, s/d.
segunda-feira, 19 de março de 2012
O QUE NÓS SONHAMOS
1 - Conceito
Os sonhos são produtos da própria
atividade mental e processam-se, predominantemente, por imagens visuais, mas
também recorrem a impressões auditivas; seu conteúdo é derivado da experiência,
mostrando conhecimentos e impressões que o indivíduo acordado muitas vezes não
percebe (FREUD, 1900).
Não pretendemos
aqui abordar qualquer coisa referente à interpretação dos sonhos, mas apenas
tentar responder a questões sobre seu processamento, veracidade, em que
consistem e sua implicância na vida e na história da pessoa. Assim como se toda
pessoa sonha e quando sonha e se os sonhos anunciam algo. E, ainda, lembrar-se
ou não dos próprios sonhos.
Há pessoas
que, para evitar uma abordagem mais profunda sobre situações pontuais, preferem
dizer que “os sonhos não significam absolutamente nada”, “dexa para lá”, “não
se aflija com isso”…
Lembremos que
os verdadeiros sonhos acontecem durante o sono. O fenômeno do sono é de
interesse tanto para a Psicologia como para a Psicanálise, no que tange à
compreensão dos mecanismos que regem o sonhar. Mais especificamente, a
Psicologia se dedica em desvendar o funcionamento do sono, deixando de lado o
sonho que, para a Psicanálise é de suma importância. Pensamos que para
retratarmos bem os mecanismos que envolvem o sonho, devemos mencionar algumas
das principais descobertas da Psicologia quanto ao fenômeno do sono.
Dormir é
sonhar e sonhar é uma necessidade neurofisiológica. Estudos do campo da Psicologia
têm determinado que a privação do sono acarreta sérias consequências mentais e
físicas. O primeiro aspecto importante que a Psicologia desvendou sobre o sono
é que existem tipos de sono: NREM (No Rapid Eye Movements) e REM (Rapid Eye
Movements). A distinção encontra-se na observação de que durante o sono REM os
olhos saltam de um lado para o outro, como se observassem uma cena. Neste,
observa-se também uma variação no Sistema Nervoso Autônomo, com a respiração e
o ritmo cardíaco tornando-se mais rápidos e irregulares, a pressão arterial
mais elevada e um aumento da secreção dos hormônios supra-renais.
Dentro das
distinções presentes no sono REM, há também a ocorrência nos indivíduos masculinos
(de todas as idades), a ereção peniana. Ocorre também nos indivíduos femininos
uma reação correspondente no tecido vaginal. Os estudos que decifraram este
movimento dos olhos no sono foram realizados em 1953 pelo Dr. Nathaniel
Kleitman. Tais pesquisas de laboratório mediram as ondas cerebrais de pessoas
durante o sono através do eletroencefalograma, as variações musculares, através
do eletromiograma, e a movimentação específica dos olhos, através do
eletrooculograma.
Sabe-se também
que há quatro estágios no sono REM, onde cada um caracteriza-se por um padrão
de onda cerebral. O primeiro estágio é o sono
leve, que marca o iniciar do sono, tem a duração de alguns minutos, quando
o indivíduo fica relaxado, com os pensamentos mais ou menos descoordenados,
podendo já neste estágio ocorrer sonhos. O segundo estágio é o sono intermediário, ocorrendo um
relaxamento maior, podendo ocorrer experiências sensoriais sem base real
(alucinações) e crispações súbitas e desordenadas do corpo, seguidas de
sensações de queda. O terceiro estágio é o do sono profundo, quando o indivíduo se torna insensível aos sons e
oferecerá resistência em ser acordado. No quarto estágio, o sono mais profundo, há uma total relaxação, com o mais completo
desligamento do mundo exterior. É nesta fase que podem ocorrer irregularidades
como o sonambulismo. Em seu livro sobre o sonho, Leon L. Altman explica que as
mudanças neurofisiológicas que têm lugar durante os períodos REM sugerem que a
ativação da área límbica do cérebro - uma área associada ao funcionamento primitivo
de impulsos e afetos – está em jogo. O autor vê essa retrogressão como uma
corroboração à teoria de Freud, de que o sonho é um fenômeno regressivo, o qual
nos devolve aos estados primitivos da infância.
É bom lembrar
de antemão a situação do recordar ou não dos nossos sonhos. Nós, durante o
sono, estamos sempre sonhando. Mas quanto mais profundo for o estágio onírico
em que nos encontramos menor possibilidade de lembrança do nosso sonho temos. Por
isso nós, em condições normais, só nos lembramos dos sonhos que temos num
momento em que estamos prestes a acordar. O que normalmente coincide com os
últimos momentos do sono intermediário e com o sono leve, tendo em conta que o
conteúdo de um sonho (mesmo mostrando um longo período de tempo) pode ser condensado
em poucos segundos do tempo real.
Evocando a faculdade potenciadora
do imaginário e da fantasia, o sonho apresenta-se como um processo
psico-fisiológico em que uma sequência de imagens e vivências, que ocorrem
durante o sono, se articulam numa estrutura de associações figurativas,
assumindo pois a forma de uma linguagem simbólica. Enquanto linguagem simbólica,
não há uma associação direta entre os elementos desta estrutura e seus
significados, ou seja, as imagens presentes e concretas remetem para imagens
ausentes e abstratas. Como tal, assemelha-se a uma alegoria em que a linguagem
imagética se faz por conteúdos simbólicos (manifestos), cujo sentido profundo
(latente) é passível de ser decodificado.
Já Freud, consciente da
significação oculta das imagens do subconsciente, havia distinguido duas
funções inerentes ao processo onírico: a identificação e displacement
(deslocação ou transferência) – que se assemelham à metáfora e à metonímia.
Freud considerou o sonho como expressão do subconsciente, i.e., uma projeção da
interioridade para a exterioridade, que manifesta desejos reprimidos os quais,
segundo Freud, têm uma função retrospetiva. Assim, rejeitou a visão profética
da Antiguidade e da Idade Média. No entanto, Carl Gustav Jung, atribuiu ao
sonho uma função prospetiva.
Embora as perspectivas
psicológicas e filosóficas nem sempre tenham sido consensuais e tenham sofrido
alterações e adaptações perante as ideologias e o pensamento vigente em cada
período da história, assistiu-se sempre a uma tentativa de compreender e
interpretar o processo onírico, estabelecendo a sua importância e a sua
especificidade.
2 - Percorrendo pela
história
Sendo o sonho universal no tempo
e no espaço, encontramos já especulações filosóficas e referências às
experiências oníricas em vários textos antigos: Atharaveda, documento com
origem na Índia datado do século V A.C., Chester Beatty Papyrus da XII Dinastia
Egípcia (1991 – 1786 A.C.); De somno et vigilia e De somnis e De divinatione
per somnum de Aristóteles, Odisseia de Homero, entre outros. A própria Bíblia
contém frequentes registros soniais como a interpretação do sonho do Faraó que
sonha com sete vacas gordas e sete vacas magras. José explica este sonho como
sendo uma previsão de sete anos de fartura seguidos de sete anos de fome (Gen
41,1-13).
Na Antiguidade, o sonho era
considerado um espaço de contato com o sobrenatural e com os deuses que
aconselhavam e orientavam o homem, revelando acontecimentos futuros. As
profecias envoltas em ambiguidade e aparentemente desprovidas de sentido eram
decifradas por onirocritas e oniromantes que interpretavam os sonhos de faraós,
chefes de estado ou de heróis.
Influenciada pela tradição antiga
e pelos textos bíblicos, surgiu na Idade Média uma literatura visionária em que
o sonho geralmente assumia a forma de uma alegoria (alegoria de sonho), porque
envolvia conflitos morais e espirituais. Alguns exemplos conhecidos de alegoria
do sonho incluem: Le Roman de la Rose (c.1227), Divina Comédia de Dante, Piers
Plowman atribuído a Langland, The Book of the Duchess de Chaucer. Embora a
alegoria de sonho tenha sido popular sobretudo na época medieval, é possível
encontrarmos ainda alguns exemplos em épocas posteriores: The Piligrim’s
Progress de John Bunyan (1678), The Fall of the Hyperion (1819) de John Keats,
Alice’s Adventures in Wonderland (1865) de Lewis Caroll e Finnegans Wake (1939)
de James Joyce.
Rejeitando as experiências
oníricas ligadas a entidades demoníacas e ao mundo dos mortos, os textos
medievais deram continuidade à interpretação dos sonhos e das visões como uma
manifestação divina, um diálogo com Deus em que a Verdade e a Sabedoria são
reveladas. Assim, a elite de sonhadores da Antiguidade foi substituída por
santos, mártires e ermitas ¾ apenas estes eram considerados sonhadores
verdadeiros que, devido às suas virtudes e condutas, se aproximam da esfera
divina. Paralelamente ao sonho surgiu a experiência visionária que segundo
Alberto Magno (1200-1280) é o grau mais elevado da classificação dos sonhos. A
experiência visionária, que ocorre em estado de vigília ou de êxtase, implica
um processo de purificação que geralmente se realiza através de viagens
extraordinárias a lugares transcendentes, onde se acede ao conhecimento e ao
contato divino. O sujeito liberta-se do seu corpo e dos seus sentidos,
elevando-se em espírito às esferas do sagrado – ao Paraíso. Destas viagens
poderá resultar a divinização do sujeito, como se comprova em A Vida e Milagre
da Bem aventurada Virgem Sancta Catherina de Sena, da Ordem dos Pregadores,
tirada da sua principal estorea. O carácter profético das visões predomina nas
viagens em que primeiro se assiste à descida ao inferno por onde começará a
viagem iniciática e só depois a elevação ao mundo celestial. Só assim sendo
possível a redenção do sujeito que terá a missão de transmitir aos outros tudo
aquilo que lhe foi revelado. Este tipo de experiência visionária pode ser
incluída na literatura apocalíptica, da qual faz parte A Visão de Túndalo.
Durante a Idade Média
privilegiou-se as perspectivas de teólogos e filósofos em concordância com as
teorias neoplatónicas em que o sonho é classificado tendo em conta etapas
intermédias entre o mundano e o revelador . O último grau mais elevado e
verdadeiro do sonho teria sempre um carácter divino. Contudo, a teoria
aristotélica, não reconheceu o carácter divino e profético dos sonhos; pois,
segundo Aristóteles, os sonhos tinham origem em processos somáticos e
psicológicos, podendo ser influenciados pelas nossas ações e pensamentos –
parecia antever já aquilo que seria confirmado mais tarde. A negação do sagrado
era sentido como um desafio à ideologia teocêntrica vigente neste período. Como
tal, o pensamento de Aristóteles, não deixando de influenciar a interpretação
da experiência onírica durante os séculos XIII e XIV, foi adaptado à ideologia
cristã da época. Boosco Deleitoso deixa transparecer a perspetiva da
somatização do sonho.
No Renascimento o fenómeno
onírico continuou a revelar um carácter profético, como o sonho de D. Manuel n’Os
Lusíadas (IV, 67-75). Contudo, alterações se fazem sentir: o sonho passou a
revelar os desejos e ambições dos homens. A viagem de Vasco da Gama n’Os
Lusíadas não é mais que o próprio sonho dos homens em encontrar o Paraíso
Terrestre. De resto, tal como na tragédia clássica, o sonho apresentou-se como
uma prolepse, servindo para adensar e precipitar os acontecimentos inerentes à
fatalidade. Veja-se o sonho de Inês de Castro na tragédia Castro de António
Ferreira (III,950-971) e o sonho de Brutus, bem como as aparições
fantasmagóricas em Julius Caesar de Shakespeare. Paralelamente ao sonho surgem
alucinações que pretendem acentuar ainda mais o clima de fatalidade presente
nas tragédias clássicas. Outro exemplo ainda deste tipo de visão onírica em
obras literárias que seguem os preceitos da tragédia clássica, embora
posterior, é o sonho de Madalena em Frei Luís de Sousa (1843) de Almeida
Garrett.
Para os românticos o sonho deixou
de ser um artifício para passar a ser considerado como um tema literário
autónomo, propício aos devaneios da imaginação e à sensibilidade poética,
revelando os sentimentos e pensamentos mais íntimos do homem. De acordo com
Samuel Coleridge a Verdade encontrava-se na poesia e a poesia, por sua vez, era
a expressão do poder criativo da imaginação, decorrente da evasão do espírito e
de experiências oníricas – o que se concretiza no poema “Kubla Klan: or, A
Vision in a Dream”, em que o autor, adormecido, é acometido por um sonho onde
as imagens que se lhe apresentam são depois traduzidas em duzentos a trezentos
versos que viriam a ser escritos ao despertar.
As referências e as especulações
sobre o sonho continuaram a aparecer em outros autores e épocas posteriores.
Veja-se o caso de Antero de Quental, no seu poema “No Turbilhão” (Sonetos Completos,
1886), “Pedra Filosofal” de António Gedeão, Fernando Pessoa, as short-stories
de D.H. Lawrence, para quem o sonho, expressão dos nossos receios e desejos, é
a libertação do idealismo e da restrição.
3 - Processamento e
significado dos sonhos
O sonho é uma experiência que
possui significados distintos se for ampliado um debate que envolva religião,
ciência
e cultura.
Para a ciência, é uma experiência de imaginação do inconsciente
durante nosso período de sono. Recentemente, descobriu-se que até os bebês
no útero
têm sono REM
(movimentos rápidos dos olhos) e sonham, mas
não se sabe com o quê. Em diversas tradições culturais e religiosas, o sonho aparece
revestido de poderes premonitórios ou até mesmo de uma expansão da consciência.
Além do estado desperto normal, o
sono, é naturalmente, o outro estado de consciência cujo reconhecimento é mais
comum. As pessoas passam boa parte da vida dormindo, como a maioria dos
mamíferos. O desenvolvimento do eletroencefalógrafo (EEG) foi decisivo para o
progresso das pesquisas sobre o sono e o sonho. Berger, um psiquiatra alemão,
em 1924, foi a primeira pessoa a registrar o EEG de um homem. Berger só
publicou os seus primeiros registros em 1929. Suas descobertas abriram caminho
a uma intensa atividade de pesquisa. Muitas pesquisas foram realizadas
posteriormente para ampliar e aprofundar as descobertas de Berger, colocando ao
alcance de todos uma considerável soma de informações sobre a atividade
elétrica do cérebro humano (KIMBLE, 1975).
Segundo MAGNIN (1992), os
movimentos lentos dos olhos que apareciam logo antes do sono, também ocorriam
durante a noite e estavam diretamente relacionados à profundidade do sono. Seu
principal foco de pesquisa era por que motivo, quando uma pessoa deveria estar
relaxada, seus globos oculares se comportavam como se ela estivesse acordada
assistindo a um filme. E a partir daí veio a confirmação de que o sono não é um
estado tranquilo.
Um colaborador muito importante
em tais descobertas foi o Dr. William Dement, que em 1952 era aluno do segundo
ano da Faculdade de Medicina na Universidade de Chicago e hoje em dia é o atual
chefe do Centro de Pesquisa do Sono na Universidade de Stanford também em
Chicago. Ele deu a este estranho estágio do sono o nome de REM (rapid eye
movementes, ou seja, movimento ocular rápido) e a seu oposto o nome de NÃO-REM.
O experimento consistia em acordar as pessoas tanto no estágio REM como no
NÃO-REM para verificar se havia alguma diferença. Então em 1957, o Dr. Kleitman
que foi de fato quem estava interessado em estudar estes estágios do sono,
publicou os primeiros resultados de um estudo no qual as pessoas foram
despertadas cento e noventa e uma vezes durante o sono REM. Em 80% dessas
ocasiões os pacientes podiam lembrar-se com nitidez de estar sonhando na hora
em que foram despertados (MAGNIN 1992).
Inversamente, em cento e sessenta
vezes em que foram despertados pacientes cujas ondas cerebrais e globos
oculares imóveis mostravam que estavam no sono NÃO-REM, houve apenas onze casos
(6,9%) em que os pacientes puderam lembrar de estar sonhando. Os pesquisadores
ficaram eufóricos e o jovem William Dement não podia esperar para demonstrar a
ligação entre o sono REM e os sonhos. Assim, aprendeu a afixar eletrodos em seu
próprio couro cabeludo e conseguiu que outro estudante de medicina monitorasse
as leituras, com instruções para acordá-lo cada vez que estivesse no sono REM.
Ao chegar a hora, o aluno acordou Dement ele não se lembrou de nenhum vestígio
de sonho, apenas uma vaga curiosidade para saber que horas eram. Desde então,
muito se aprendeu sobre os dois tipos de sono. Os pesquisadores concordaram que
existem dois tipos de sono, que se entra e sai de maneira cíclica ( o ciclo
médio tem a duração de noventa minutos), que todos sonham mesmo que, pelo fato
de poder acordar durante um período NÃO-REM não lembre-se de tê-lo feito
(USHER, 1991).
REIMÃO, 1999 (apud SNYDER,1983)
relata que em estudos feitos em humanos e, de um modo mais ou menos paralelo,
em todos os mamíferos que têm sido estudados, existem uma alternação rítmica de
dois estados fisiológicos distintos. Um estado, a que se deu o nome de período
de movimento ocular rápido (REM), por causa de seu atributo mais
impressionante, é caracterizado pelo alto grau de atividade do sistema nervoso
central (SNC), uma supressão da atividade motora periférica e uma associação
temporal com as experiências vividas e alucinatórias denominada sonhos. As
provas favoráveis a esta última associação, compõem-se de uma elevada
porcentagem de recordações oníricas, quando se faz o sujeito despertar durante
o período de sono REM; de uma correlação entre a duração subjetiva da
experiência onírica e a duração do período REM associado; e de uma estreita
correspondência entre os padrões espaço-temporais dos REM’s e os eventos
específicos do sonho.
Ao outro estado deu-se o nome de
sono não REM e é o estado durante o qual os padrões de onda cerebral mostram
sincronização com a presença de ondas lentas e/ou fusos de sono. Não há REM’s,
o SNC parece estar em relativo repouso e não há provas de uma supressão ativa.
As provas parecem sugerir que uma atividade psíquica de baixo grau pode ocorrer
neste período, mas não justifica a suposição de que os sonhos estejam, em
qualquer momento, associados ao sono NÃO-REM (REIMÃO,1999 apud SNYDER,1983).
Para o autor, uma consideração
interessante é que pessoas com hipoplasia ou anormalidades no corpo caloso
cerebral, cessaram seus sonhos ou perderam a capacidade de sonhar por imagens
mas sonhavam com palavras.
A medicina psicossomática,
considera importante em relação ao sonho, aspectos ambientais tais como,
estímulos sonoros e luminosos que são muito constantes e perturbam o sono das
pessoas. A psicossomática também cita um exemplo trazido por Jung de que uma
paciente sua, no decorrer de seu processo psicoterápico, traz o sonho com uma
amiga que havia morrido de câncer. Jung, recomendou naquele caso, que ela
fizesse em exame completo, que detectou um processo canceroso. Neste
pensamento, a psicossomática acredita que o inconsciente manda mensagens por
meio de sonhos (REIMÃO, 1999).
A Fisiologia e a Biologia sabem
situar o sonho no tempo e descrever os fenômenos nervosos e funcionais que o
acompanham. Mas não dizem o que é. O sonho parece depender da existência de um
córtex cerebral no indivíduo, mesmo se sua indução e realização resulte da
organização biológica do sono, nos limites da fisiologia (MAGNIN, 1992).
Dentro do contexto Psicanalítico,
o terapeuta ajuda o paciente a interpretar os sonhos para facilitar a
recuperação do material do inconsciente. FREUD (1900), também fez algumas
generalizações sobre alguns tipos especiais de sonhos como por exemplo sonhos
em que se cai, se voa, se nada e sonhos sobre fogo, mas ele também deixa claro
que para cada caso em particular as regras podem deixar de ter valia e que as
associações de uma pessoa em seu próprio sonho são mais importantes do que
qualquer conjunto de regras de interpretação para os mesmos.
Mais importante que o valor
biológico dos sonhos são os efeitos psicológicos da elaboração onírica. Esta é
o conjunto das operações que transformam os materiais do sonho num produto: o
sonho manifesto (LAPLANCHE e PONTALIS, 1990).
Quase todo sonho pode ser
compreendido como a realização de um desejo. O sonho é um caminho alternativo
para satisfazer os desejos do id. Quando em estado de vigília, o ego esforça-se
para proporcionar prazer e reduzir o desprazer. Durante o sono, as necessidades
não satisfeitas são escolhidas, combinadas e arranjadas de modo que as sequências
do sonho permitam uma satisfação adicional ou redução de tensão. Para o id, não
é importante o fato da satisfação ocorrer na realidade fisico-sensorial ou na
imaginada realidade interna do sonho. Em ambos os casos, energias acumuladas
são descarregadas (FREUD, 1900).
FREUD (1900), relata que muitos
sonhos parecem não ser satisfatórios; alguns são deprimentes, alguns
perturbadores, assustadores ou simplesmente obscuros. Outros sonhos parecem
reviver o passado enquanto outros se mostram proféticos. Ao analisar os sonhos,
e fatos da vida do sonhador, o autor conseguiu mostrar que a elaboração onírica
é um processo de seleção, distorção, transformação, inversão, deslocamento e
outras modificações em um desejo original. Relata a seus pacientes quanto a
permissividade dos sonhos, em que são toleradas ações que estão claramente além
das restrições morais da vida de vigília. O sonho é uma forma de satisfazer
desejos que não foram ou não podem ser realizados durante o dia. O sonho
realiza, em pelo menos dois níveis, incidentes comuns que não foram resolvidos
ou que fazem parte de padrões mais amplos e antigos que nunca foram
solucionados. Mostra que o sonho é uma forma de satisfazer desejos que não
foram ou não podem ser realizados durante o dia. Os resíduos diurnos que formam
os conteúdos manifestos do sonho servem como estrutura do conteúdo latente ou
dos desejos disfarçados. Os sonhos repetidos podem ocorrer quando um
acontecimento diurno provoca o mesmo tipo de ansiedade que levou ao sonho
original.
Tomemos um exemplo para podermos
compreender melhor o que acima ficou dito. O caso singular de Eça de Queirós em
O Crime do Padre Amaro. A iniciação sexual de Amaro é feita de forma
alienatória, produzindo, através de uma fuga ultrajante à realidade, a
dessacralização da Virgem. A primeira mulher que Amaro torna objecto da sua
libido é a primeira Mulher: a Virgem. Nenhum ser humano pode aspirar a
experiência sexual mais sublimada e mais sonial. Hegel terá dito que os sonhos
são desprovidos de qualquer coerência razoável e objetiva. Freud, recordando-o
em A Interpretação dos Sonhos, conclui que os sonhos são uma massa desconexa
por definição, aceitando as mais violentas contradições. Por isso não
estranhamos que só alguém a quem o sentimento libidinoso está proibido por lei,
só alguém assexuado por dever espiritual, podia trazer para a experiência
sonial o desejo mais impenetrável. Amaro diz isso mesmo no momento em que se
conforta a si mesmo por ter sido triunfalmente escolhido pela “moça mais bonita
da cidade”: “E escolhera-o a ele, a ele padre, o eterno excluído dos sonhos
femininos, o ser melancólico e neutro que ronda como um ser suspeito à beira do
sentimento!” (O Crime do Padre Amaro, Obras Completas de Eça de Queiroz, vol.4,
Círculo de Leitores, Lisboa, 1980, p.130). O sonho mais importante de Amaro
surge num momento em que o pároco procura desviar do caminho do seu desejo o
adversário João Eduardo. Amaro prepara uma intriga para tirar de cena o pobre
rapaz e assim ficar com a iniquitas via (assim metaforiza Eça em relação à
mulher – p.30) livre para a satisfação do mais libidinoso dos desejos. O sonho
sugeriu a Eça uma longa e magnífica descrição, da qual damos aqui o essencial:
… toda a noite sonhou com Amélia.
Tinha fugido com ela: e ia-se levando por uma estrada que conduzia ao Céu! O
Diabo perseguia-o; ele via-o, com as feições de João Eduardo, soprando e
rasgando com os cornos os delicados seios das nuvens. E ele escondia Amélia no
seu capote de padre, devorando-a por baixo de beijos! (…) Caminhando, vieram a
encontrar uma figura branca, que tinha na mão uma palma verde. «Onde está Deus,
nosso pai?», perguntou-lhe Amaro, com Amélia conchegada ao peito. A figura
disse: «Eu fui um confessor, e sou um santo (…). Oh! Pudesse eu caminhar a
passos largos nas torpezas diferentes da Terra – ou bracejar, sob as variedades
da dor, nas chamas do Purgatório!»
Amaro murmurou: «Bem fazemos nós
em pecar!» – Mas Amélia desfalecia fatigada. «Durmamos, meu amor!» (…) Amaro
pousou a sua mão sobre o peito de Amélia: um enleio muito doce enervava-os:
enlaçaram-se, os seus lábios pegavam-se húmidos e quentes (…). – Mas de repente
as nuvens afastaram-se como os cortinados de um leito; e Amaro viu diante o
Diabo que os alcançara, e que, com as garras na cinta, esgaçava a boca numa
risada muda. Com ele estava outra personagem: era velho como a substância (…)
«Aqui estão os dois sujeitos», dizia-lhe o Diabo retorcendo a cauda. – E por
trás Amaro via aglomerarem-se legiões de santos e de santas. (…) «Então a
personagem esfregando as mãos, donde se esfarelavam universos, disse grave:
«Fico inteirado, meu caro amigo, fico inteirado! Com que, senhor pároco, vai-se
à Rua da Misericórdia, arruina-se a felicidade do Sr.João Eduardo (um
cavalheiro), arranca-se a Ameliazinha à mamã, e vem-se saciar concupiscências
reprimidas a um cantinho da Eternidade? (…)» E voltando-se para dois anjos
armados de espadas e lanças, a personagem bradou: «Chumbem uma grilheta aos pés
do padre, e levem-no ao abismo número sete!» E o Diabo gania: «Aí estão as
consequências, senhor padre Amaro!» Ele sentiu-se arrebatado de sobre o seio de
Amélia por mãos de brasa; ia lutar, bradar contra o juiz que o julgava – quando
um sol prodigioso que vinha nascendo do Oriente bateu no rosto da personagem, e
Amaro, com um grito, reconheceu o Padre Eterno! (pp.184-186)
Se o tema do romance é o crime,
espera-se que o criminoso tenha que ser julgado. O julgamento do réu Amaro é
feito pelo seu próprio inconsciente. Quer dizer, a auto-análise de Amaro é
suficientemente legítima para concluir a sentença do seu processo. E que
sentença mais incisiva pode o homem proferir do que aquela que é ditada pelo
seu próprio inconsciente? Lá se invoca a presença do mal e do bem, do Diabo e
de Deus ou Padre Eterno. A metáfora do velho Padre serve na perfeição para
condensar todos os anseios de Amaro num só: a jouissance de Deus censura afinal
a jouissance da Mulher. Freud já nos havia demonstrado que o sonho sofre a
intervenção deformadora da censura. O Padre Eterno funciona como Autoridade
censória: é o superego de Amaro que funciona como guarda, a fim de impedir que
o material recalcado surja na consciência. Estabelece-se um jogo decisivo: a
pulsão da morte contra a pulsão da vida, por outras palavras, a possibilidade
de aniquilamento do desejo contra a possibilidade de o satisfazer. Era
fundamental que o mecanismo de censura fosse accionado no inconsciente de
Amaro, pois a consciência sabe que o desejo libidinoso vai de encontro às
regras sociais e morais que trazem castrado o falo dos clérigos. A censura do
Padre Eterno envia para o inconsciente a tendência inconfessada da jouissance
da Mulher. Amaro vai acordar “banhado em suor”, quando “um raio de sol entrava
pela janela”, deixando cumprida a missão da formação do sonho que consiste em
primeiro lugar em ultrapassar a inibição da censura. Repare-se na retórica do
sonho de Amaro e veja-se como o essencial do trabalho do sonho conduzido por Eça
se esclarece nas leis da linguística: o inconsciente de Amaro está estruturado
segundo a linguagem do desejo. É através da linguagem que se deve sempre
explorar o inconsciente e não tratá-lo como se fosse um “lugar”. Não interessa
onde ou o que é que seja em si mesmo, mas como se manifesta. E sabemos que ele
é o discurso do Outro. Repete-se a história: o ubíquo Outro que já conhecemos
regressa ao inconsciente de Amaro. Ele nos ajudará a desconstruir a significante
deste sonho. A chave significante do sonho de Amaro é a expressão “era velho
como uma substância”. O significado que se liberta desta frase é o de Deus
identificado com “velho” e com “substância” (termo aristotélico para Deus,
considerado como o que existe por si mesmo, sem supor outro ser de que seja
atributo). Ora, até sermos “informados” (o sonho é precisamente o momento em
que o desejo se forma ou in-forma, o instante em que, mais do que satisfazer o
desejo de alguma coisa, se trabalha na realização do desejo como tal) da
verdadeira identidade desse “velho”, o que acontece no final quando Amaro
reconhece o Padre Eterno, nenhuma parte da frase ou do que nos é descrito até
aí nos autoriza a deduzir tal significado. Este liberta-se pelo arranjo dos
termos, pela sua contextualização. É, pois, na cadeia do significante que o
significado existe e este é o processo estilístico em que se forma o sonho de
Amaro. Palavra a palavra não descortinaríamos qualquer interpretação ou
signifiance. Se aceitarmos o princípio lacaniano de que o significante actua separadamente
da significação e na ignorância do sujeito, podemos dizer que esse “velho” já
habitava o homem Amaro e impôs-se-lhe tanto no sentido linguístico como no
sentido psicanalítico. A verdade da relação amorosa proibida já está escrita no
inconsciente do padre Amaro mesmo antes de ele estar verdadeiramente consciente
do seu pecado. Deus é a sua máxima censura; a Mulher, o máximo significante em
torno do qual se ordenam as leis do desejo.
(USHER) 1991, relata que Freud
foi muito criticado por basear toda a interpretação dos sonhos no sexo, mas
considera injusto toda essa crítica. Para o autor, Freud argumentou que os
sonhos de ansiedade costumam ter um trampolim sexual, mas para defender-se,
Freud apenas negou que algum dia tivesse afirmado que todos os conteúdos dos
sonhos tivessem como base, conteúdos sexuais.
No livro Interpretação dos
Sonhos, Freud descreve os modos de trabalho, no que chama o trabalho do sonho:
condensação, deslocamento, figuração. O sonho utiliza como material as
lembranças da véspera. É a ocasião de realização de uma intenção inconsciente.
O sonho constitui, assim, uma das formas de retorno do recalcado e, segundo a
expressão de Freud, é a vida real de acesso ao conhecimento do Inconsciente. O
recalcamento é conservador para o aparelho psíquico (FREUD, 1900).
DEJOURS (1988) menciona que
especialistas em psicossomática mostram que certos sujeitos só sonham
excepcionalmente, enquanto outros são grandes sonhadores. Os que sonham pouco
seriam os caracteropatas, os grandes sonhadores seriam os neuróticos. Na
verdade, essa distinção é esquemática e não diz nada a respeito dos psicóticos
entre os quais alguns sonham e outros não. Eles consideram as seguintes
possibilidades:
• Sujeitos que sonham e se lembram dos sonhos;
• Sujeitos que
sonham, mas não se lembram de ter sonhado.
A segunda categoria é a mais
problemática. Para um psicanalista, todo material tem potencialmente um
sentido, e é difícil admitir que se lembrar ou não se lembrar de ter sonhado
possa ser isento de significado. Segundo alguns biólogos, para se lembrar dos
sonhos é preciso memorizá-lo. Se um sonho é esquecido é porque não houve
transferência da memória a curto prazo para a memória a longo prazo, e eles
definem as condições favoráveis para essa transferência, especialmente o
respeito deste estado de tranqüilidade intermediário entre os dois regimes de
ativação cortical .
De acordo com PERLS (1976), em
Gestalt-terapia os sonhos não são interpretados. O que se faz dentro da
Gestalt-terapia, é trazer o sonho de volta à vida e isto só é possível se o
sonho for revivido como se estivesse ocorrendo agora. O sonho é encenado no
presente de forma que se torne uma parte do sonhador e não é apenas narrado
como uma história passada. O sonho, segundo o autor, é uma excelente
oportunidade de se descobrir os furos de personalidade. Encontra – se tudo o
que é necessário em um sonho: a dificuldade existencial e mesmo a parte da
personalidade que está faltando.
O mesmo autor sugere que os
sonhos são mensagens existenciais que podem ajudar a compreender quais as
situações inacabadas (gestalts) que as pessoas carregam consigo, o que falta em
suas vidas. Ele diz que se as pessoas compreenderam o que se pode fazer com os
sonhos, poderão inclusive fazer muitas coisas sozinhas apenas analisando e
dando significado a cada fragmento do sonho que ainda está acessível e contém
uma situação inacabada, não assimilada.
O trabalho sugerido para que se
faça com os sonhos, começa com o ato de escrever tudo aquilo que se lembra do
sonho. Todos os detalhes, objetos, personagens e sensações. Após esta etapa, a
pessoa deve colocar – se como sendo cada um dos itens citados, ou seja, o sonho
não deve ser relatado como algo passado mas sim encenado, e a pessoa deverá
tornar – se naquele momento cada parte de seu próprio sonho experimentando cada
sensação. Cada pedaço é visto como uma peça de um quebra cabeça que juntas
formarão um todo, uma personalidade mais completamente real. Após ter
experimentado todas estas sensações, a pessoa deverá criar um diálogo entre
estas coisas fazendo com que elas se encontrem. Todas as diferentes partes do
sonho, são o próprio indivíduo, uma projeção dele mesmo. A partir daí a pessoa
verá seus próprios lados opostos e conflitantes e à medida que este encontro se
desenvolve, há um aprendizado mútuo até chegar – se a uma compreensão
apreciação das diferenças (PERLS, 1976).
Para USHER (1991), o enfoque de
JUNG à interpretação dos sonhos, depois que rompeu com Freud, era mais místico,
menos estereotipado, cheio de sombras e mitos. Ele escreveu, aos oitenta e três
anos de idade que o que o homem parece ser só pode ser expressado por meio do
mito. O mito é mais individual e expressa a vida com mais precisão que a
ciência. Esta trabalha com conceitos de médias que são gerais demais para fazer
justiça à variedade subjetiva de uma vida individual.
Conforme JUNG (1987), os sonhos
desempenham, na psique, um importante papel compensatório. Ajudam a equilibrar
as influências dispersadoras e variadas a que as pessoas estão expostas em sua
vida consciente; tais influências tendem a moldar o pensamento de diversas
maneiras que são freqüentemente inadequadas à personalidade e individualidade
de cada um. Os sonhos são realidades vivas que precisam ser experimentadas e
observadas com cuidado para serem compreendidas. Ele tentou descobrir o
significado dos símbolos oníricos prestando muita atenção à forma e ao conteúdo
do sonho e, com relação a análise dos sonhos, Jung comenta a respeito da livre
associação defendida por FREUD. “A livre associação vai trazer à tona todos os
meus complexos, mas dificilmente o significado de um sonho” (p.149).
JUNG, 1967 (apud HALL,1995)
acrescenta que pelo fato do sonho tratar-se de símbolos que possui mais de um
significado, não pode haver um sistema simples ou mecânico para sua
interpretação. Qualquer análise de um sonho precisa levar em conta as atitudes,
a experiência e a formação do sonhador. Também leva-se em conta as condições
históricas do homem, formulando assim o conceito de inconsciente coletivo.
Portanto o sonho para Jung, é uma expressão espontânea, normal e criativa do
inconsciente, que ocorre sob a forma de símbolos e imagens. A interpretação do
sonho é o esforço de decifrar esses símbolos e imagens, ligando-os e
ampliando-os com o material contíguo. Cada sonho deve ser encarado como uma
expressão direta do inconsciente do sonhador. A consciência capta uma parte da
realidade objetiva, enquanto o inconsciente tem acesso a uma realidade mais
ampla e desse modo os sonhos apresentam a função compensatória, ou seja, eles
mostram que a psique funciona como um sistema auto-regulador em três aspectos:
a) o sonho pode compensar distorções temporárias da estrutura da consciência,
dirigindo o indivíduo a um entendimento mais abrangente das atitudes e ações;
b) o sonho pode ser visto como auto-representação da psique à medida que pode
colocar a estrutura do ego em funcionamento face a face com a necessidade mais
rigorosa ao processo de individuação; c) o sonho pode ser visto como uma
tentativa para alterar diretamente a estrutura de complexos sobre os quais o
ego arquetípico se apoia, para a identidade em níveis mais conscientes.
Ainda sobre a Psicologia
Junguiana, FRANZ (1988), cita a técnica para descobrir o significado do sonho:
compara–se o sonho a um drama e se examina–o sobre três aspectos culturais. O
primeiro, a introdução ou exposição – o cenário do sonho e a colocação do
problema; segundo, a peripécia – o desenrolar da história; e finalmente, a
lysis – a solução final. A primeira sentença de um sonho em geral descreve a
cena da ação e apresenta os protagonistas. Há também dentro da abordagem
Junguiana, os sonhos arquetípicos, que têm um significado mitológico e os quais
em geral as pessoas não associam a nada. Como por exemplo, se alguém sonha com
o planeta Júpiter e é questionado sobre o que pensa a respeito de Júpiter,
certamente responderá que se trata de um planeta. Não se sabe o que associar e
nada de pessoal vem à mente. Nesse caso, o que acontece é que recorrem–se às
associações da humanidade. Que fantasias a humanidade tem a respeito de Júpiter,
e a partir daí, coloca–se a resposta no contexto do sonho. A visão Junguiana
também fala a respeito da dificuldade em se interpretar os próprios sonhos,
porque o sonho nunca diz o que você já sabe. Ele sempre indica algo
desconhecido, um ponto cego. O próprio Jung, não tinha quem interpretasse seus
sonhos mas relatava–os a um homem que nada entendia do assunto o que o ajudava
a encontrar suas próprias respostas.
4 - Importância dos
sonhos
Aquilo a que chamamos símbolo é
um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida diária,
embora possua conotações especiais para além do seu significado evidente e
convencional. Implica algo de vago, desconhecido ou oculto para nós. Assim, uma
palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa além do seu
significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem tem um aspeto
mais amplo, que nunca é definido de uma única forma ou explicado totalmente,
nem podemos ter esperanças de a definir ou explicar. Quando a mente explora um
símbolo, é conduzida em direção a ideias que estão fora do alcance da nossa
razão.
Por existirem inúmeras coisas
fora do alcance da compreensão humana é que utilizamos frequentemente termos
simbólicos como representação de conceitos que não podemos definir ou
compreender integralmente. Esta é uma das razões por que todas as religiões
empregam uma linguagem simbólica e se exprimem através de imagens. Mas este uso
consciente que fazemos dos símbolos é apenas um aspeto de um fato psicológico
de grande importância: o homem também produz símbolos, inconsciente e espontaneamente,
em forma de sonhos. Há ainda certos acontecimentos de que não tomamos
consciência. Permanecem, por assim dizer, abaixo do limiar da consciência.
Aconteceram, mas foram absorvidos subliminarmente, sem o nosso conhecimento
consciente. Só podemos percebê-los em algum momento de intuição ou por um
processo de intensa reflexão que nos levem à subsequente compreensão de que
devem ter acontecido. E, apesar de termos ignorado originalmente a sua
importância emocional e vital, mais tarde brotam do inconsciente como uma
espécie de segundo pensamento.
Este segundo pensamento pode
aparecer, por exemplo, sob a forma de um sonho. O aspeto inconsciente de um
acontecimento é-nos revelado, geralmente, através de sonhos, onde se manifesta,
não como um pensamento racional, mas como uma imagem simbólica. Do ponto de
vista histórico, foi o estudo dos sonhos que permitiu, inicialmente, aos psicólogos,
a investigação do aspeto inconsciente de ocorrências psíquicas conscientes.
Fundamentados nestas observações é que os psicólogos admitem a existência de
uma psique inconsciente, apesar de muitos cientistas e filósofos lhe negarem
existência. Argumentam ingenuamente que uma tal pressuposição implica a
existência de dois “sujeitos” ou, em linguagem comum, de duas personalidades
dentro do mesmo indivíduo. E estão inteiramente certos: é exatamente isto o que
ela implica. Esta divisão de personalidades é, com efeito, uma das maldições do
homem moderno. Não é, de forma alguma, um sintoma patológico: é um fato normal,
que pode ser observado em qualquer época e em quaisquer lugares. O neurótico
cuja mão direita não sabe o que faz a sua mão esquerda não é caso único. Esta
situação é um sintoma de inconsciência geral, que é, inegavelmente, herança
comum de toda a humanidade.
Aquele que nega a existência do
inconsciente está, de fato, admitindo que, hoje em dia, temos um conhecimento
total da psique. É uma suposição evidentemente tão falsa quanto a pretensão de
que sabemos tudo a respeito do universo físico. A nossa psique faz parte da
natureza e o seu enigma é, igualmente, sem limites. Assim, não podemos definir
a psique nem a natureza. Podemos, simplesmente, constatar o que acreditamos que
elas sejam e descrever, da melhor maneira possível, como funcionam. No entanto,
fora das observações acumuladas em pesquisas médicas, temos argumentos lógicos
de bastante peso para rejeitarmos afirmações como “não existe inconsciente”,
etc. Aqueles que fazem este tipo de declaração estão a expressar um velho
misoneísmo – o medo do que é novo e desconhecido.
Sigmund Freud foi o pioneiro, o
primeiro cientista a tentar explorar empiricamente o segundo plano inconsciente
da consciência. Trabalhou baseado na hipótese de que os sonhos não são produto
do acaso, mas que estão associados a pensamentos e problemas conscientes. Esta
hipótese nada apresentava de arbitrário.
5 - A Função dos Sonhos
Na nossa vida do dia a dia,
despojamos tanto as ideias da sua energia emocional que já não reagimos a elas.
Usamos estas ideias nos nossos discursos, reagimos convencionalmente quando
outros também as utilizam, mas elas não nos causam uma impressão profunda. É
necessário haver alguma coisa mais eficaz para que mudemos de atitude ou de
comportamento. E é isto que a linguagem do sonho faz: o seu simbolismo tem
tanta energia psíquica que somos obrigados a prestar-lhe atenção.
As mensagens do inconsciente têm
uma importância bem maior do que se pensa. Na nossa vida consciente, estamos
expostos a todos os tipos de influência. As pessoas estimulam-nos ou
deprimem-nos, ocorrências da nossa vida profissional ou social desviam a nossa
atenção. Todas estas influências podem levar-nos para caminhos opostos à nossa
individualidade; e quer percebamos quer não o seu efeito, a nossa consciência é
perturbada e exposta, quase sem defesas, a estes incidentes. Isto ocorre em
especial com pessoas de atitude mental extrovertida, que dão muita importância
a objectos exteriores, ou com as que abrigam sentimentos de inferioridade e de
dúvida, envolvendo o mais íntimo da sua personalidade.
Quanto mais a consciência foi
influenciada por estes preconceitos, erros, fantasias e anseios infantis, mais
se dilata a fenda já existente, até se chegar a uma dissociação neurótica e a uma
vida mais ou menos artificial, em tudo distanciada dos instintos normais, da
natureza e da verdade. A função geral dos sonhos é tentar restabelecer a nossa
balança psicológica, produzindo um material onírico que reconstitui, de maneira
subtil, o equilíbrio psíquico total.
É aquilo a que chamo função
complementar (ou compensatória) dos sonhos na nossa constituição psíquica.
Explica por que motivo pessoas com ideias pouco realistas, ou que têm um alto
conceito de si mesmas, ou ainda que constroem planos grandiosos em desacordo
com a sua verdadeira capacidade, sonham que voam ou caem. O sonho compensa as
deficiências das suas personalidades e, ao mesmo tempo, previne-as dos perigos
dos seus rumos atuais. Para bem do equilíbrio mental e mesmo da saúde fisiológica,
o consciente e o inconsciente devem estar completamente interligados, a fim de
que possam mover-se em linhas paralelas. Se se separam um do outro ou se
dissociam, ocorrem distúrbios psicológicos. Neste caso particular, os símbolos
oníricos são os mensageiros indispensáveis da parte instintiva da mente humana
para a sua parte racional, e a sua interpretação enriquece a pobreza da nossa
consciência, fazendo-a compreender, novamente, a esquecida linguagem dos
instintos.
As pessoas, é claro, tendem a pôr
em dúvida esta função, já que os seus símbolos, muitas vezes, passam
despercebidos ou são incompreendidos. Na vida normal, a compreensão dos sonhos
é até, por vezes, considerada supérflua. De um modo geral, é uma tolice
acreditar-se em guias pré-fabricados e sistematizados para a interpretação dos
sonhos, como se pudéssemos comprar um livro de consultas para nele encontrarmos
a tradução de um determinado símbolo. Nenhum símbolo onírico pode ser separado
da pessoa que o sonhou, assim como não existem interpretações definidas e
específicas para qualquer sonho. A maneira pela qual o inconsciente completa ou
compensa o consciente varia tanto de indivíduo para indivíduo que é impossível
saber até que ponto pode, na verdade, haver uma classificação dos sonhos e dos
seus símbolos. O sonho recorrente é um fenómeno digno de apreciação. Há casos
em que as pessoas sonham o mesmo sonho, desde a infância até à idade adulta.
Este tipo de sonho é em geral uma tentativa de compensação para algum defeito
particular que existe na atitude do sonhador em relação à vida; ou pode datar
de um traumatismo que tenha deixado alguma marca. Pode também ser a antecipação
de algum acontecimento importante que está para acontecer.
Kaquinda
Referências
ALTMAN, Leon L. O Sonho em Psicanálise. trad. Alvaro Cabral.
Rio de Janeiro: Zahar, 1971, 231 p.
BRENNER, Charles. Noções Básicas de Psicanálise. 3a. ed.
trad. Ana M. Spira. Rio de Janeiro: Imago. 1975, 262 p.
da SILVA, Gastão Pereira. Enciclopédia de Psicologia e
Psicanálise. 2a. ed. vol. II, Belo Horizonte: Itatiaia, 1970, 235 p.
FREUD, Sigmund. Obras Completas de Sigmund Freud. volumes II
e III. trad. Odilon Gallotti. Rio de Janeiro: Delta, s/d.
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