Santa Sé: garantir vacinas a
todos é uma questão de justiça
30/12/2020
Documento
conjunto da Comissão Vaticana Covid-19 e da Pontifícia Academia para a Vida: é
uma responsabilidade moral aceitar a vacina não só para a saúde individual, mas
também para a saúde pública.
As vacinas
foram desenvolvidas como um bem público e devem ser fornecidas a todos de
maneira justa e equitativa, dando prioridade àqueles que mais necessitam. É o
que recordam a Comissão Vaticana Covid-19 e a Pontifícia Academia para a Vida
num documento conjunto, divulgado nesta terça-feira (29/12), destacando o papel
essencial das vacinas para vencer a pandemia. Lembrando a recente mensagem
de Natal do Papa, o texto exorta os líderes mundiais a resistirem à tentação de
aderir a um “nacionalismo das vacinas” e os Estados e empresas a colaborar e
não competir uns com os outros. As vacinas, para que “possam iluminar e trazer
esperança ao mundo inteiro, devem estar à disposição de todos”, disse o
Pontífice no dia 25 deste mês.
Princípios
Justiça,
solidariedade e inclusão são os principais critérios a serem seguidos a fim de
enfrentar os desafios colocados por esta emergência planetária. “As empresas
que podem ser avaliadas de maneira positiva”, disse o Santo Padre na audiência
geral de 19 de agosto passado, “são aquelas que contribuem para a inclusão dos
excluídos, a promoção dos menos favorecidos, ao bem comum e ao cuidado da
criação”. A bússola imprescindível é o horizonte amplo ligado aos princípios da
Doutrina Social da Igreja, “como a dignidade humana e a opção preferencial
pelos pobres, a solidariedade e a subsidiariedade, o bem comum e a salvaguarda
da casa comum, a justiça e o destino universal dos bens”.
Pesquisa, produção e materiais biológicos
Não é apenas
o momento final da administração da vacina que precisa ser considerado. Todo
seu “ciclo de vida” deve ser considerado. As primeiras etapas deste percurso
dizem respeito à pesquisa e à produção. Uma questão, que é frequentemente
levantada, diz respeito aos materiais biológicos utilizados no desenvolvimento
de vacinas. “Das informações disponíveis”, lê-se no documento, “parece que
apenas algumas das vacinas agora próximas à aprovação empregam em várias etapas
do processo linhas celulares de fetos abortados voluntariamente há algumas
décadas, enquanto outras fazem um uso limitado apenas a fases pontuais de
testes de laboratório”. A Pontifícia Academia para a Vida voltou ao tema em
duas notas, em 2005 e 2017, respectivamente. Na segunda, se excluiu que
“há uma cooperação moralmente relevante entre aqueles que hoje usam essas
vacinas e a prática do aborto voluntário”. Portanto, lê-se no documento,
considera-se que podem ser aplicadas “todas as vacinas clinicamente
recomendadas com a consciência segura de que o uso dessas vacinas não significa
uma cooperação ao aborto voluntário”. Não obstante o compromisso comum de
garantir que cada vacina não tenha referência para sua preparação a nenhum
material de origem abortivo, se reitera a responsabilidade moral da vacinação a
fim de não causar graves riscos à saúde das crianças e da população em geral”.
Patentes
A questão da
produção também está ligada à questão do patenteamento da vacina, não um
recurso natural, mas “uma invenção produzida pelo engenho humano”. Dada sua
função, sublinha o documento, é oportuno interpretar a vacina “como um bem ao
qual todos têm acesso, sem discriminação, segundo o princípio do destino
universal dos bens, também mencionado pelo Papa Francisco”. Como disse o
Pontífice em sua mensagem de Natal, “não podemos deixar que o vírus do
individualismo radical nos vença e nos torne indiferentes ao sofrimento de
outros irmãos e irmãs, colocando as leis do mercado e das patentes de invenção
acima das leis do amor e da saúde da humanidade”. “O único objetivo da
exploração comercial”, lembra o documento da Comissão Vaticana Covid-19 e da
Pontifícia Academia para a Vida, “não é eticamente aceitável no campo da
medicina e da saúde. Os investimentos no campo médico devem encontrar seu
significado mais profundo na solidariedade humana”. É necessário identificar
“sistemas apropriados que favoreçam a transparência e a colaboração, e não o
antagonismo e a competição”. É preciso superar toda forma de “nacionalismo
vacinal” relacionada à tentativa dos diferentes Estados “de ter sua própria
vacina em tempos mais rápidos”. A produção industrial da vacina poderia
tornar-se “uma operação de colaboração entre Estados, empresas farmacêuticas e
outras organizações”.
Aprovação e administração
Após as
fases experimentais, outra etapa crucial diz respeito à aprovação, sob
condições de emergência, da vacina pelas Autoridades responsáveis “que permitem
que ela seja colocada no mercado e utilizada em diferentes países”. “É
necessário coordenar os procedimentos necessários para alcançar tal objetivo e
promover a colaboração entre as autoridades reguladoras”. Com relação à
administração, a Comissão Vaticana Covid-19 e a Pontifícia Academia para a Vida
apoiam posições convergentes sobre as prioridades “a serem reservadas a
categorias profissionais engajadas em serviços de interesse comum, em
particular os profissionais de saúde, mas também em outras atividades que requerem
contato com o público para serviços essenciais (como escolas, segurança
pública), a grupos de indivíduos mais vulneráveis (como idosos e doentes com
patologias particulares). Este critério, aponta o documento, não resolve todas
as situações. “Resta, por exemplo, a área cinza de possíveis prioridades a
serem estabelecidas dentro do mesmo grupo em risco”. A distribuição de vacinas
também requer um série de instrumentos que permitam a “acessibilidade
universal”. Um programa de distribuição precisa ser desenvolvido “que leve em
conta a colaboração necessária para enfrentar os obstáculos
logístico-organizacionais em áreas pouco acessíveis (cadeia de frio,
transporte, agentes de saúde, uso de novas tecnologias, etc.)”. A Organização
Mundial da Saúde continua sendo “um importante ponto de referência a ser
fortalecido e melhorado para aqueles aspectos que estão se mostrando
insuficientes e problemáticos”.
Vacinação e questões éticas
Sobre a
responsabilidade moral de se submeter à vacinação, a Comissão Vaticana Covid-19
e a Pontifícia Academia para a Vida reiteram que esta questão envolve “uma
relação entre saúde pessoal e saúde pública, mostrando sua estreita
interdependência”. A recusa da vacina também pode representar um risco para
outros. “Isto vale mesmo que, na ausência de alternativa, a motivação fosse
evitar extrair benefícios dos êxitos de um aborto voluntário”. Lembra-se, entre
outras coisas, que “ficar doente leva a um aumento de hospitalizações,
resultando em uma sobrecarga para os sistemas de saúde, até um possível
colapso, como está acontecendo em vários países durante esta pandemia,
dificultando o acesso aos cuidados de saúde, mais uma vez às custas daqueles
com menos recursos”.
Plano de ação
Uma vacina
segura, eficaz e disponível para todos, especialmente para os mais vulneráveis,
e a um preço que permita uma distribuição equitativa. Estas são as prioridades
para assegurar uma cura global que também “leve em conta e valorize” as
situações locais: “Pretende-se desenvolver”, lê-se no documento, “recursos para
auxiliar as Igrejas locais na preparação desta iniciativa e protocolos de
tratamento para determinadas comunidades”. A Igreja se coloca a serviço da
“cura do mundo”, usando suas vozes, espalhadas por todo o planeta, “para falar,
exortar e ajudar a contribuir para garantir que vacinas e cuidados de qualidade
sejam disponíveis para a nossa família global, especialmente para as pessoas
vulneráveis”.
Construir um mundo pós-Covid
O prefeito
do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, cardeal Peter
Turkson, expressa sua gratidão “à Comunidade científica por desenvolver a
vacina em tempo recorde”. “Agora cabe a nós”, acrescenta ele, “garantir que
esteja disponível para todos, especialmente os mais vulneráveis. É uma questão
de justiça”. “Devemos mostrar, de uma vez por todas, que somos uma única
família humana”. O arcebispo Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia
para a Vida, enfatiza que a pandemia evidenciou a condição de “interconexão que
une a humanidade”. “Junto com a Comissão, estamos trabalhando com muitos
parceiros para revelar as lições que a família humana pode aprender e
desenvolver uma ética de risco e solidariedade para proteger os mais
vulneráveis da sociedade”. “O que acaba de começar é uma fase crucial”, explica
dom Bruno Marie Duffé, secretário do Dicastério para o Serviço de
Desenvolvimento Humano Integral. “Estamos em um momento decisivo na pandemia da
Covid-19 e temos a oportunidade de começar a definir o mundo que queremos ver
depois da pandemia”. “A forma como as vacinas são distribuídas”, sublinha por
fim o pe. Augusto Zampini, secretário adjunto do mesmo Dicastério, “é o
primeiro passo que os líderes globais devem dar em seu compromisso com a
equidade e a justiça como princípios para a construção de um mundo melhor
pós-Covid”.
Fonte:
vaticannews.va
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