O QUE NÓS SONHAMOS
1 - Conceito
Os sonhos são produtos da própria
atividade mental e processam-se, predominantemente, por imagens visuais, mas
também recorrem a impressões auditivas; seu conteúdo é derivado da experiência,
mostrando conhecimentos e impressões que o indivíduo acordado muitas vezes não
percebe (FREUD, 1900).
Não pretendemos
aqui abordar qualquer coisa referente à interpretação dos sonhos, mas apenas
tentar responder a questões sobre seu processamento, veracidade, em que
consistem e sua implicância na vida e na história da pessoa. Assim como se toda
pessoa sonha e quando sonha e se os sonhos anunciam algo. E, ainda, lembrar-se
ou não dos próprios sonhos.
Há pessoas
que, para evitar uma abordagem mais profunda sobre situações pontuais, preferem
dizer que “os sonhos não significam absolutamente nada”, “dexa para lá”, “não
se aflija com isso”…
Lembremos que
os verdadeiros sonhos acontecem durante o sono. O fenômeno do sono é de
interesse tanto para a Psicologia como para a Psicanálise, no que tange à
compreensão dos mecanismos que regem o sonhar. Mais especificamente, a
Psicologia se dedica em desvendar o funcionamento do sono, deixando de lado o
sonho que, para a Psicanálise é de suma importância. Pensamos que para
retratarmos bem os mecanismos que envolvem o sonho, devemos mencionar algumas
das principais descobertas da Psicologia quanto ao fenômeno do sono.
Dormir é
sonhar e sonhar é uma necessidade neurofisiológica. Estudos do campo da Psicologia
têm determinado que a privação do sono acarreta sérias consequências mentais e
físicas. O primeiro aspecto importante que a Psicologia desvendou sobre o sono
é que existem tipos de sono: NREM (No Rapid Eye Movements) e REM (Rapid Eye
Movements). A distinção encontra-se na observação de que durante o sono REM os
olhos saltam de um lado para o outro, como se observassem uma cena. Neste,
observa-se também uma variação no Sistema Nervoso Autônomo, com a respiração e
o ritmo cardíaco tornando-se mais rápidos e irregulares, a pressão arterial
mais elevada e um aumento da secreção dos hormônios supra-renais.
Dentro das
distinções presentes no sono REM, há também a ocorrência nos indivíduos masculinos
(de todas as idades), a ereção peniana. Ocorre também nos indivíduos femininos
uma reação correspondente no tecido vaginal. Os estudos que decifraram este
movimento dos olhos no sono foram realizados em 1953 pelo Dr. Nathaniel
Kleitman. Tais pesquisas de laboratório mediram as ondas cerebrais de pessoas
durante o sono através do eletroencefalograma, as variações musculares, através
do eletromiograma, e a movimentação específica dos olhos, através do
eletrooculograma.
Sabe-se também
que há quatro estágios no sono REM, onde cada um caracteriza-se por um padrão
de onda cerebral. O primeiro estágio é o sono
leve, que marca o iniciar do sono, tem a duração de alguns minutos, quando
o indivíduo fica relaxado, com os pensamentos mais ou menos descoordenados,
podendo já neste estágio ocorrer sonhos. O segundo estágio é o sono intermediário, ocorrendo um
relaxamento maior, podendo ocorrer experiências sensoriais sem base real
(alucinações) e crispações súbitas e desordenadas do corpo, seguidas de
sensações de queda. O terceiro estágio é o do sono profundo, quando o indivíduo se torna insensível aos sons e
oferecerá resistência em ser acordado. No quarto estágio, o sono mais profundo, há uma total relaxação, com o mais completo
desligamento do mundo exterior. É nesta fase que podem ocorrer irregularidades
como o sonambulismo. Em seu livro sobre o sonho, Leon L. Altman explica que as
mudanças neurofisiológicas que têm lugar durante os períodos REM sugerem que a
ativação da área límbica do cérebro - uma área associada ao funcionamento primitivo
de impulsos e afetos – está em jogo. O autor vê essa retrogressão como uma
corroboração à teoria de Freud, de que o sonho é um fenômeno regressivo, o qual
nos devolve aos estados primitivos da infância.
É bom lembrar
de antemão a situação do recordar ou não dos nossos sonhos. Nós, durante o
sono, estamos sempre sonhando. Mas quanto mais profundo for o estágio onírico
em que nos encontramos menor possibilidade de lembrança do nosso sonho temos. Por
isso nós, em condições normais, só nos lembramos dos sonhos que temos num
momento em que estamos prestes a acordar. O que normalmente coincide com os
últimos momentos do sono intermediário e com o sono leve, tendo em conta que o
conteúdo de um sonho (mesmo mostrando um longo período de tempo) pode ser condensado
em poucos segundos do tempo real.
Evocando a faculdade potenciadora
do imaginário e da fantasia, o sonho apresenta-se como um processo
psico-fisiológico em que uma sequência de imagens e vivências, que ocorrem
durante o sono, se articulam numa estrutura de associações figurativas,
assumindo pois a forma de uma linguagem simbólica. Enquanto linguagem simbólica,
não há uma associação direta entre os elementos desta estrutura e seus
significados, ou seja, as imagens presentes e concretas remetem para imagens
ausentes e abstratas. Como tal, assemelha-se a uma alegoria em que a linguagem
imagética se faz por conteúdos simbólicos (manifestos), cujo sentido profundo
(latente) é passível de ser decodificado.
Já Freud, consciente da
significação oculta das imagens do subconsciente, havia distinguido duas
funções inerentes ao processo onírico: a identificação e displacement
(deslocação ou transferência) – que se assemelham à metáfora e à metonímia.
Freud considerou o sonho como expressão do subconsciente, i.e., uma projeção da
interioridade para a exterioridade, que manifesta desejos reprimidos os quais,
segundo Freud, têm uma função retrospetiva. Assim, rejeitou a visão profética
da Antiguidade e da Idade Média. No entanto, Carl Gustav Jung, atribuiu ao
sonho uma função prospetiva.
Embora as perspectivas
psicológicas e filosóficas nem sempre tenham sido consensuais e tenham sofrido
alterações e adaptações perante as ideologias e o pensamento vigente em cada
período da história, assistiu-se sempre a uma tentativa de compreender e
interpretar o processo onírico, estabelecendo a sua importância e a sua
especificidade.
2 - Percorrendo pela
história
Sendo o sonho universal no tempo
e no espaço, encontramos já especulações filosóficas e referências às
experiências oníricas em vários textos antigos: Atharaveda, documento com
origem na Índia datado do século V A.C., Chester Beatty Papyrus da XII Dinastia
Egípcia (1991 – 1786 A.C.); De somno et vigilia e De somnis e De divinatione
per somnum de Aristóteles, Odisseia de Homero, entre outros. A própria Bíblia
contém frequentes registros soniais como a interpretação do sonho do Faraó que
sonha com sete vacas gordas e sete vacas magras. José explica este sonho como
sendo uma previsão de sete anos de fartura seguidos de sete anos de fome (Gen
41,1-13).
Na Antiguidade, o sonho era
considerado um espaço de contato com o sobrenatural e com os deuses que
aconselhavam e orientavam o homem, revelando acontecimentos futuros. As
profecias envoltas em ambiguidade e aparentemente desprovidas de sentido eram
decifradas por onirocritas e oniromantes que interpretavam os sonhos de faraós,
chefes de estado ou de heróis.
Influenciada pela tradição antiga
e pelos textos bíblicos, surgiu na Idade Média uma literatura visionária em que
o sonho geralmente assumia a forma de uma alegoria (alegoria de sonho), porque
envolvia conflitos morais e espirituais. Alguns exemplos conhecidos de alegoria
do sonho incluem: Le Roman de la Rose (c.1227), Divina Comédia de Dante, Piers
Plowman atribuído a Langland, The Book of the Duchess de Chaucer. Embora a
alegoria de sonho tenha sido popular sobretudo na época medieval, é possível
encontrarmos ainda alguns exemplos em épocas posteriores: The Piligrim’s
Progress de John Bunyan (1678), The Fall of the Hyperion (1819) de John Keats,
Alice’s Adventures in Wonderland (1865) de Lewis Caroll e Finnegans Wake (1939)
de James Joyce.
Rejeitando as experiências
oníricas ligadas a entidades demoníacas e ao mundo dos mortos, os textos
medievais deram continuidade à interpretação dos sonhos e das visões como uma
manifestação divina, um diálogo com Deus em que a Verdade e a Sabedoria são
reveladas. Assim, a elite de sonhadores da Antiguidade foi substituída por
santos, mártires e ermitas ¾ apenas estes eram considerados sonhadores
verdadeiros que, devido às suas virtudes e condutas, se aproximam da esfera
divina. Paralelamente ao sonho surgiu a experiência visionária que segundo
Alberto Magno (1200-1280) é o grau mais elevado da classificação dos sonhos. A
experiência visionária, que ocorre em estado de vigília ou de êxtase, implica
um processo de purificação que geralmente se realiza através de viagens
extraordinárias a lugares transcendentes, onde se acede ao conhecimento e ao
contato divino. O sujeito liberta-se do seu corpo e dos seus sentidos,
elevando-se em espírito às esferas do sagrado – ao Paraíso. Destas viagens
poderá resultar a divinização do sujeito, como se comprova em A Vida e Milagre
da Bem aventurada Virgem Sancta Catherina de Sena, da Ordem dos Pregadores,
tirada da sua principal estorea. O carácter profético das visões predomina nas
viagens em que primeiro se assiste à descida ao inferno por onde começará a
viagem iniciática e só depois a elevação ao mundo celestial. Só assim sendo
possível a redenção do sujeito que terá a missão de transmitir aos outros tudo
aquilo que lhe foi revelado. Este tipo de experiência visionária pode ser
incluída na literatura apocalíptica, da qual faz parte A Visão de Túndalo.
Durante a Idade Média
privilegiou-se as perspectivas de teólogos e filósofos em concordância com as
teorias neoplatónicas em que o sonho é classificado tendo em conta etapas
intermédias entre o mundano e o revelador . O último grau mais elevado e
verdadeiro do sonho teria sempre um carácter divino. Contudo, a teoria
aristotélica, não reconheceu o carácter divino e profético dos sonhos; pois,
segundo Aristóteles, os sonhos tinham origem em processos somáticos e
psicológicos, podendo ser influenciados pelas nossas ações e pensamentos –
parecia antever já aquilo que seria confirmado mais tarde. A negação do sagrado
era sentido como um desafio à ideologia teocêntrica vigente neste período. Como
tal, o pensamento de Aristóteles, não deixando de influenciar a interpretação
da experiência onírica durante os séculos XIII e XIV, foi adaptado à ideologia
cristã da época. Boosco Deleitoso deixa transparecer a perspetiva da
somatização do sonho.
No Renascimento o fenómeno
onírico continuou a revelar um carácter profético, como o sonho de D. Manuel n’Os
Lusíadas (IV, 67-75). Contudo, alterações se fazem sentir: o sonho passou a
revelar os desejos e ambições dos homens. A viagem de Vasco da Gama n’Os
Lusíadas não é mais que o próprio sonho dos homens em encontrar o Paraíso
Terrestre. De resto, tal como na tragédia clássica, o sonho apresentou-se como
uma prolepse, servindo para adensar e precipitar os acontecimentos inerentes à
fatalidade. Veja-se o sonho de Inês de Castro na tragédia Castro de António
Ferreira (III,950-971) e o sonho de Brutus, bem como as aparições
fantasmagóricas em Julius Caesar de Shakespeare. Paralelamente ao sonho surgem
alucinações que pretendem acentuar ainda mais o clima de fatalidade presente
nas tragédias clássicas. Outro exemplo ainda deste tipo de visão onírica em
obras literárias que seguem os preceitos da tragédia clássica, embora
posterior, é o sonho de Madalena em Frei Luís de Sousa (1843) de Almeida
Garrett.
Para os românticos o sonho deixou
de ser um artifício para passar a ser considerado como um tema literário
autónomo, propício aos devaneios da imaginação e à sensibilidade poética,
revelando os sentimentos e pensamentos mais íntimos do homem. De acordo com
Samuel Coleridge a Verdade encontrava-se na poesia e a poesia, por sua vez, era
a expressão do poder criativo da imaginação, decorrente da evasão do espírito e
de experiências oníricas – o que se concretiza no poema “Kubla Klan: or, A
Vision in a Dream”, em que o autor, adormecido, é acometido por um sonho onde
as imagens que se lhe apresentam são depois traduzidas em duzentos a trezentos
versos que viriam a ser escritos ao despertar.
As referências e as especulações
sobre o sonho continuaram a aparecer em outros autores e épocas posteriores.
Veja-se o caso de Antero de Quental, no seu poema “No Turbilhão” (Sonetos Completos,
1886), “Pedra Filosofal” de António Gedeão, Fernando Pessoa, as short-stories
de D.H. Lawrence, para quem o sonho, expressão dos nossos receios e desejos, é
a libertação do idealismo e da restrição.
3 - Processamento e
significado dos sonhos
O sonho é uma experiência que
possui significados distintos se for ampliado um debate que envolva religião,
ciência
e cultura.
Para a ciência, é uma experiência de imaginação do inconsciente
durante nosso período de sono. Recentemente, descobriu-se que até os bebês
no útero
têm sono REM
(movimentos rápidos dos olhos) e sonham, mas
não se sabe com o quê. Em diversas tradições culturais e religiosas, o sonho aparece
revestido de poderes premonitórios ou até mesmo de uma expansão da consciência.
Além do estado desperto normal, o
sono, é naturalmente, o outro estado de consciência cujo reconhecimento é mais
comum. As pessoas passam boa parte da vida dormindo, como a maioria dos
mamíferos. O desenvolvimento do eletroencefalógrafo (EEG) foi decisivo para o
progresso das pesquisas sobre o sono e o sonho. Berger, um psiquiatra alemão,
em 1924, foi a primeira pessoa a registrar o EEG de um homem. Berger só
publicou os seus primeiros registros em 1929. Suas descobertas abriram caminho
a uma intensa atividade de pesquisa. Muitas pesquisas foram realizadas
posteriormente para ampliar e aprofundar as descobertas de Berger, colocando ao
alcance de todos uma considerável soma de informações sobre a atividade
elétrica do cérebro humano (KIMBLE, 1975).
Segundo MAGNIN (1992), os
movimentos lentos dos olhos que apareciam logo antes do sono, também ocorriam
durante a noite e estavam diretamente relacionados à profundidade do sono. Seu
principal foco de pesquisa era por que motivo, quando uma pessoa deveria estar
relaxada, seus globos oculares se comportavam como se ela estivesse acordada
assistindo a um filme. E a partir daí veio a confirmação de que o sono não é um
estado tranquilo.
Um colaborador muito importante
em tais descobertas foi o Dr. William Dement, que em 1952 era aluno do segundo
ano da Faculdade de Medicina na Universidade de Chicago e hoje em dia é o atual
chefe do Centro de Pesquisa do Sono na Universidade de Stanford também em
Chicago. Ele deu a este estranho estágio do sono o nome de REM (rapid eye
movementes, ou seja, movimento ocular rápido) e a seu oposto o nome de NÃO-REM.
O experimento consistia em acordar as pessoas tanto no estágio REM como no
NÃO-REM para verificar se havia alguma diferença. Então em 1957, o Dr. Kleitman
que foi de fato quem estava interessado em estudar estes estágios do sono,
publicou os primeiros resultados de um estudo no qual as pessoas foram
despertadas cento e noventa e uma vezes durante o sono REM. Em 80% dessas
ocasiões os pacientes podiam lembrar-se com nitidez de estar sonhando na hora
em que foram despertados (MAGNIN 1992).
Inversamente, em cento e sessenta
vezes em que foram despertados pacientes cujas ondas cerebrais e globos
oculares imóveis mostravam que estavam no sono NÃO-REM, houve apenas onze casos
(6,9%) em que os pacientes puderam lembrar de estar sonhando. Os pesquisadores
ficaram eufóricos e o jovem William Dement não podia esperar para demonstrar a
ligação entre o sono REM e os sonhos. Assim, aprendeu a afixar eletrodos em seu
próprio couro cabeludo e conseguiu que outro estudante de medicina monitorasse
as leituras, com instruções para acordá-lo cada vez que estivesse no sono REM.
Ao chegar a hora, o aluno acordou Dement ele não se lembrou de nenhum vestígio
de sonho, apenas uma vaga curiosidade para saber que horas eram. Desde então,
muito se aprendeu sobre os dois tipos de sono. Os pesquisadores concordaram que
existem dois tipos de sono, que se entra e sai de maneira cíclica ( o ciclo
médio tem a duração de noventa minutos), que todos sonham mesmo que, pelo fato
de poder acordar durante um período NÃO-REM não lembre-se de tê-lo feito
(USHER, 1991).
REIMÃO, 1999 (apud SNYDER,1983)
relata que em estudos feitos em humanos e, de um modo mais ou menos paralelo,
em todos os mamíferos que têm sido estudados, existem uma alternação rítmica de
dois estados fisiológicos distintos. Um estado, a que se deu o nome de período
de movimento ocular rápido (REM), por causa de seu atributo mais
impressionante, é caracterizado pelo alto grau de atividade do sistema nervoso
central (SNC), uma supressão da atividade motora periférica e uma associação
temporal com as experiências vividas e alucinatórias denominada sonhos. As
provas favoráveis a esta última associação, compõem-se de uma elevada
porcentagem de recordações oníricas, quando se faz o sujeito despertar durante
o período de sono REM; de uma correlação entre a duração subjetiva da
experiência onírica e a duração do período REM associado; e de uma estreita
correspondência entre os padrões espaço-temporais dos REM’s e os eventos
específicos do sonho.
Ao outro estado deu-se o nome de
sono não REM e é o estado durante o qual os padrões de onda cerebral mostram
sincronização com a presença de ondas lentas e/ou fusos de sono. Não há REM’s,
o SNC parece estar em relativo repouso e não há provas de uma supressão ativa.
As provas parecem sugerir que uma atividade psíquica de baixo grau pode ocorrer
neste período, mas não justifica a suposição de que os sonhos estejam, em
qualquer momento, associados ao sono NÃO-REM (REIMÃO,1999 apud SNYDER,1983).
Para o autor, uma consideração
interessante é que pessoas com hipoplasia ou anormalidades no corpo caloso
cerebral, cessaram seus sonhos ou perderam a capacidade de sonhar por imagens
mas sonhavam com palavras.
A medicina psicossomática,
considera importante em relação ao sonho, aspectos ambientais tais como,
estímulos sonoros e luminosos que são muito constantes e perturbam o sono das
pessoas. A psicossomática também cita um exemplo trazido por Jung de que uma
paciente sua, no decorrer de seu processo psicoterápico, traz o sonho com uma
amiga que havia morrido de câncer. Jung, recomendou naquele caso, que ela
fizesse em exame completo, que detectou um processo canceroso. Neste
pensamento, a psicossomática acredita que o inconsciente manda mensagens por
meio de sonhos (REIMÃO, 1999).
A Fisiologia e a Biologia sabem
situar o sonho no tempo e descrever os fenômenos nervosos e funcionais que o
acompanham. Mas não dizem o que é. O sonho parece depender da existência de um
córtex cerebral no indivíduo, mesmo se sua indução e realização resulte da
organização biológica do sono, nos limites da fisiologia (MAGNIN, 1992).
Dentro do contexto Psicanalítico,
o terapeuta ajuda o paciente a interpretar os sonhos para facilitar a
recuperação do material do inconsciente. FREUD (1900), também fez algumas
generalizações sobre alguns tipos especiais de sonhos como por exemplo sonhos
em que se cai, se voa, se nada e sonhos sobre fogo, mas ele também deixa claro
que para cada caso em particular as regras podem deixar de ter valia e que as
associações de uma pessoa em seu próprio sonho são mais importantes do que
qualquer conjunto de regras de interpretação para os mesmos.
Mais importante que o valor
biológico dos sonhos são os efeitos psicológicos da elaboração onírica. Esta é
o conjunto das operações que transformam os materiais do sonho num produto: o
sonho manifesto (LAPLANCHE e PONTALIS, 1990).
Quase todo sonho pode ser
compreendido como a realização de um desejo. O sonho é um caminho alternativo
para satisfazer os desejos do id. Quando em estado de vigília, o ego esforça-se
para proporcionar prazer e reduzir o desprazer. Durante o sono, as necessidades
não satisfeitas são escolhidas, combinadas e arranjadas de modo que as sequências
do sonho permitam uma satisfação adicional ou redução de tensão. Para o id, não
é importante o fato da satisfação ocorrer na realidade fisico-sensorial ou na
imaginada realidade interna do sonho. Em ambos os casos, energias acumuladas
são descarregadas (FREUD, 1900).
FREUD (1900), relata que muitos
sonhos parecem não ser satisfatórios; alguns são deprimentes, alguns
perturbadores, assustadores ou simplesmente obscuros. Outros sonhos parecem
reviver o passado enquanto outros se mostram proféticos. Ao analisar os sonhos,
e fatos da vida do sonhador, o autor conseguiu mostrar que a elaboração onírica
é um processo de seleção, distorção, transformação, inversão, deslocamento e
outras modificações em um desejo original. Relata a seus pacientes quanto a
permissividade dos sonhos, em que são toleradas ações que estão claramente além
das restrições morais da vida de vigília. O sonho é uma forma de satisfazer
desejos que não foram ou não podem ser realizados durante o dia. O sonho
realiza, em pelo menos dois níveis, incidentes comuns que não foram resolvidos
ou que fazem parte de padrões mais amplos e antigos que nunca foram
solucionados. Mostra que o sonho é uma forma de satisfazer desejos que não
foram ou não podem ser realizados durante o dia. Os resíduos diurnos que formam
os conteúdos manifestos do sonho servem como estrutura do conteúdo latente ou
dos desejos disfarçados. Os sonhos repetidos podem ocorrer quando um
acontecimento diurno provoca o mesmo tipo de ansiedade que levou ao sonho
original.
Tomemos um exemplo para podermos
compreender melhor o que acima ficou dito. O caso singular de Eça de Queirós em
O Crime do Padre Amaro. A iniciação sexual de Amaro é feita de forma
alienatória, produzindo, através de uma fuga ultrajante à realidade, a
dessacralização da Virgem. A primeira mulher que Amaro torna objecto da sua
libido é a primeira Mulher: a Virgem. Nenhum ser humano pode aspirar a
experiência sexual mais sublimada e mais sonial. Hegel terá dito que os sonhos
são desprovidos de qualquer coerência razoável e objetiva. Freud, recordando-o
em A Interpretação dos Sonhos, conclui que os sonhos são uma massa desconexa
por definição, aceitando as mais violentas contradições. Por isso não
estranhamos que só alguém a quem o sentimento libidinoso está proibido por lei,
só alguém assexuado por dever espiritual, podia trazer para a experiência
sonial o desejo mais impenetrável. Amaro diz isso mesmo no momento em que se
conforta a si mesmo por ter sido triunfalmente escolhido pela “moça mais bonita
da cidade”: “E escolhera-o a ele, a ele padre, o eterno excluído dos sonhos
femininos, o ser melancólico e neutro que ronda como um ser suspeito à beira do
sentimento!” (O Crime do Padre Amaro, Obras Completas de Eça de Queiroz, vol.4,
Círculo de Leitores, Lisboa, 1980, p.130). O sonho mais importante de Amaro
surge num momento em que o pároco procura desviar do caminho do seu desejo o
adversário João Eduardo. Amaro prepara uma intriga para tirar de cena o pobre
rapaz e assim ficar com a iniquitas via (assim metaforiza Eça em relação à
mulher – p.30) livre para a satisfação do mais libidinoso dos desejos. O sonho
sugeriu a Eça uma longa e magnífica descrição, da qual damos aqui o essencial:
… toda a noite sonhou com Amélia.
Tinha fugido com ela: e ia-se levando por uma estrada que conduzia ao Céu! O
Diabo perseguia-o; ele via-o, com as feições de João Eduardo, soprando e
rasgando com os cornos os delicados seios das nuvens. E ele escondia Amélia no
seu capote de padre, devorando-a por baixo de beijos! (…) Caminhando, vieram a
encontrar uma figura branca, que tinha na mão uma palma verde. «Onde está Deus,
nosso pai?», perguntou-lhe Amaro, com Amélia conchegada ao peito. A figura
disse: «Eu fui um confessor, e sou um santo (…). Oh! Pudesse eu caminhar a
passos largos nas torpezas diferentes da Terra – ou bracejar, sob as variedades
da dor, nas chamas do Purgatório!»
Amaro murmurou: «Bem fazemos nós
em pecar!» – Mas Amélia desfalecia fatigada. «Durmamos, meu amor!» (…) Amaro
pousou a sua mão sobre o peito de Amélia: um enleio muito doce enervava-os:
enlaçaram-se, os seus lábios pegavam-se húmidos e quentes (…). – Mas de repente
as nuvens afastaram-se como os cortinados de um leito; e Amaro viu diante o
Diabo que os alcançara, e que, com as garras na cinta, esgaçava a boca numa
risada muda. Com ele estava outra personagem: era velho como a substância (…)
«Aqui estão os dois sujeitos», dizia-lhe o Diabo retorcendo a cauda. – E por
trás Amaro via aglomerarem-se legiões de santos e de santas. (…) «Então a
personagem esfregando as mãos, donde se esfarelavam universos, disse grave:
«Fico inteirado, meu caro amigo, fico inteirado! Com que, senhor pároco, vai-se
à Rua da Misericórdia, arruina-se a felicidade do Sr.João Eduardo (um
cavalheiro), arranca-se a Ameliazinha à mamã, e vem-se saciar concupiscências
reprimidas a um cantinho da Eternidade? (…)» E voltando-se para dois anjos
armados de espadas e lanças, a personagem bradou: «Chumbem uma grilheta aos pés
do padre, e levem-no ao abismo número sete!» E o Diabo gania: «Aí estão as
consequências, senhor padre Amaro!» Ele sentiu-se arrebatado de sobre o seio de
Amélia por mãos de brasa; ia lutar, bradar contra o juiz que o julgava – quando
um sol prodigioso que vinha nascendo do Oriente bateu no rosto da personagem, e
Amaro, com um grito, reconheceu o Padre Eterno! (pp.184-186)
Se o tema do romance é o crime,
espera-se que o criminoso tenha que ser julgado. O julgamento do réu Amaro é
feito pelo seu próprio inconsciente. Quer dizer, a auto-análise de Amaro é
suficientemente legítima para concluir a sentença do seu processo. E que
sentença mais incisiva pode o homem proferir do que aquela que é ditada pelo
seu próprio inconsciente? Lá se invoca a presença do mal e do bem, do Diabo e
de Deus ou Padre Eterno. A metáfora do velho Padre serve na perfeição para
condensar todos os anseios de Amaro num só: a jouissance de Deus censura afinal
a jouissance da Mulher. Freud já nos havia demonstrado que o sonho sofre a
intervenção deformadora da censura. O Padre Eterno funciona como Autoridade
censória: é o superego de Amaro que funciona como guarda, a fim de impedir que
o material recalcado surja na consciência. Estabelece-se um jogo decisivo: a
pulsão da morte contra a pulsão da vida, por outras palavras, a possibilidade
de aniquilamento do desejo contra a possibilidade de o satisfazer. Era
fundamental que o mecanismo de censura fosse accionado no inconsciente de
Amaro, pois a consciência sabe que o desejo libidinoso vai de encontro às
regras sociais e morais que trazem castrado o falo dos clérigos. A censura do
Padre Eterno envia para o inconsciente a tendência inconfessada da jouissance
da Mulher. Amaro vai acordar “banhado em suor”, quando “um raio de sol entrava
pela janela”, deixando cumprida a missão da formação do sonho que consiste em
primeiro lugar em ultrapassar a inibição da censura. Repare-se na retórica do
sonho de Amaro e veja-se como o essencial do trabalho do sonho conduzido por Eça
se esclarece nas leis da linguística: o inconsciente de Amaro está estruturado
segundo a linguagem do desejo. É através da linguagem que se deve sempre
explorar o inconsciente e não tratá-lo como se fosse um “lugar”. Não interessa
onde ou o que é que seja em si mesmo, mas como se manifesta. E sabemos que ele
é o discurso do Outro. Repete-se a história: o ubíquo Outro que já conhecemos
regressa ao inconsciente de Amaro. Ele nos ajudará a desconstruir a significante
deste sonho. A chave significante do sonho de Amaro é a expressão “era velho
como uma substância”. O significado que se liberta desta frase é o de Deus
identificado com “velho” e com “substância” (termo aristotélico para Deus,
considerado como o que existe por si mesmo, sem supor outro ser de que seja
atributo). Ora, até sermos “informados” (o sonho é precisamente o momento em
que o desejo se forma ou in-forma, o instante em que, mais do que satisfazer o
desejo de alguma coisa, se trabalha na realização do desejo como tal) da
verdadeira identidade desse “velho”, o que acontece no final quando Amaro
reconhece o Padre Eterno, nenhuma parte da frase ou do que nos é descrito até
aí nos autoriza a deduzir tal significado. Este liberta-se pelo arranjo dos
termos, pela sua contextualização. É, pois, na cadeia do significante que o
significado existe e este é o processo estilístico em que se forma o sonho de
Amaro. Palavra a palavra não descortinaríamos qualquer interpretação ou
signifiance. Se aceitarmos o princípio lacaniano de que o significante actua separadamente
da significação e na ignorância do sujeito, podemos dizer que esse “velho” já
habitava o homem Amaro e impôs-se-lhe tanto no sentido linguístico como no
sentido psicanalítico. A verdade da relação amorosa proibida já está escrita no
inconsciente do padre Amaro mesmo antes de ele estar verdadeiramente consciente
do seu pecado. Deus é a sua máxima censura; a Mulher, o máximo significante em
torno do qual se ordenam as leis do desejo.
(USHER) 1991, relata que Freud
foi muito criticado por basear toda a interpretação dos sonhos no sexo, mas
considera injusto toda essa crítica. Para o autor, Freud argumentou que os
sonhos de ansiedade costumam ter um trampolim sexual, mas para defender-se,
Freud apenas negou que algum dia tivesse afirmado que todos os conteúdos dos
sonhos tivessem como base, conteúdos sexuais.
No livro Interpretação dos
Sonhos, Freud descreve os modos de trabalho, no que chama o trabalho do sonho:
condensação, deslocamento, figuração. O sonho utiliza como material as
lembranças da véspera. É a ocasião de realização de uma intenção inconsciente.
O sonho constitui, assim, uma das formas de retorno do recalcado e, segundo a
expressão de Freud, é a vida real de acesso ao conhecimento do Inconsciente. O
recalcamento é conservador para o aparelho psíquico (FREUD, 1900).
DEJOURS (1988) menciona que
especialistas em psicossomática mostram que certos sujeitos só sonham
excepcionalmente, enquanto outros são grandes sonhadores. Os que sonham pouco
seriam os caracteropatas, os grandes sonhadores seriam os neuróticos. Na
verdade, essa distinção é esquemática e não diz nada a respeito dos psicóticos
entre os quais alguns sonham e outros não. Eles consideram as seguintes
possibilidades:
• Sujeitos que sonham e se lembram dos sonhos;
• Sujeitos que
sonham, mas não se lembram de ter sonhado.
A segunda categoria é a mais
problemática. Para um psicanalista, todo material tem potencialmente um
sentido, e é difícil admitir que se lembrar ou não se lembrar de ter sonhado
possa ser isento de significado. Segundo alguns biólogos, para se lembrar dos
sonhos é preciso memorizá-lo. Se um sonho é esquecido é porque não houve
transferência da memória a curto prazo para a memória a longo prazo, e eles
definem as condições favoráveis para essa transferência, especialmente o
respeito deste estado de tranqüilidade intermediário entre os dois regimes de
ativação cortical .
De acordo com PERLS (1976), em
Gestalt-terapia os sonhos não são interpretados. O que se faz dentro da
Gestalt-terapia, é trazer o sonho de volta à vida e isto só é possível se o
sonho for revivido como se estivesse ocorrendo agora. O sonho é encenado no
presente de forma que se torne uma parte do sonhador e não é apenas narrado
como uma história passada. O sonho, segundo o autor, é uma excelente
oportunidade de se descobrir os furos de personalidade. Encontra – se tudo o
que é necessário em um sonho: a dificuldade existencial e mesmo a parte da
personalidade que está faltando.
O mesmo autor sugere que os
sonhos são mensagens existenciais que podem ajudar a compreender quais as
situações inacabadas (gestalts) que as pessoas carregam consigo, o que falta em
suas vidas. Ele diz que se as pessoas compreenderam o que se pode fazer com os
sonhos, poderão inclusive fazer muitas coisas sozinhas apenas analisando e
dando significado a cada fragmento do sonho que ainda está acessível e contém
uma situação inacabada, não assimilada.
O trabalho sugerido para que se
faça com os sonhos, começa com o ato de escrever tudo aquilo que se lembra do
sonho. Todos os detalhes, objetos, personagens e sensações. Após esta etapa, a
pessoa deve colocar – se como sendo cada um dos itens citados, ou seja, o sonho
não deve ser relatado como algo passado mas sim encenado, e a pessoa deverá
tornar – se naquele momento cada parte de seu próprio sonho experimentando cada
sensação. Cada pedaço é visto como uma peça de um quebra cabeça que juntas
formarão um todo, uma personalidade mais completamente real. Após ter
experimentado todas estas sensações, a pessoa deverá criar um diálogo entre
estas coisas fazendo com que elas se encontrem. Todas as diferentes partes do
sonho, são o próprio indivíduo, uma projeção dele mesmo. A partir daí a pessoa
verá seus próprios lados opostos e conflitantes e à medida que este encontro se
desenvolve, há um aprendizado mútuo até chegar – se a uma compreensão
apreciação das diferenças (PERLS, 1976).
Para USHER (1991), o enfoque de
JUNG à interpretação dos sonhos, depois que rompeu com Freud, era mais místico,
menos estereotipado, cheio de sombras e mitos. Ele escreveu, aos oitenta e três
anos de idade que o que o homem parece ser só pode ser expressado por meio do
mito. O mito é mais individual e expressa a vida com mais precisão que a
ciência. Esta trabalha com conceitos de médias que são gerais demais para fazer
justiça à variedade subjetiva de uma vida individual.
Conforme JUNG (1987), os sonhos
desempenham, na psique, um importante papel compensatório. Ajudam a equilibrar
as influências dispersadoras e variadas a que as pessoas estão expostas em sua
vida consciente; tais influências tendem a moldar o pensamento de diversas
maneiras que são freqüentemente inadequadas à personalidade e individualidade
de cada um. Os sonhos são realidades vivas que precisam ser experimentadas e
observadas com cuidado para serem compreendidas. Ele tentou descobrir o
significado dos símbolos oníricos prestando muita atenção à forma e ao conteúdo
do sonho e, com relação a análise dos sonhos, Jung comenta a respeito da livre
associação defendida por FREUD. “A livre associação vai trazer à tona todos os
meus complexos, mas dificilmente o significado de um sonho” (p.149).
JUNG, 1967 (apud HALL,1995)
acrescenta que pelo fato do sonho tratar-se de símbolos que possui mais de um
significado, não pode haver um sistema simples ou mecânico para sua
interpretação. Qualquer análise de um sonho precisa levar em conta as atitudes,
a experiência e a formação do sonhador. Também leva-se em conta as condições
históricas do homem, formulando assim o conceito de inconsciente coletivo.
Portanto o sonho para Jung, é uma expressão espontânea, normal e criativa do
inconsciente, que ocorre sob a forma de símbolos e imagens. A interpretação do
sonho é o esforço de decifrar esses símbolos e imagens, ligando-os e
ampliando-os com o material contíguo. Cada sonho deve ser encarado como uma
expressão direta do inconsciente do sonhador. A consciência capta uma parte da
realidade objetiva, enquanto o inconsciente tem acesso a uma realidade mais
ampla e desse modo os sonhos apresentam a função compensatória, ou seja, eles
mostram que a psique funciona como um sistema auto-regulador em três aspectos:
a) o sonho pode compensar distorções temporárias da estrutura da consciência,
dirigindo o indivíduo a um entendimento mais abrangente das atitudes e ações;
b) o sonho pode ser visto como auto-representação da psique à medida que pode
colocar a estrutura do ego em funcionamento face a face com a necessidade mais
rigorosa ao processo de individuação; c) o sonho pode ser visto como uma
tentativa para alterar diretamente a estrutura de complexos sobre os quais o
ego arquetípico se apoia, para a identidade em níveis mais conscientes.
Ainda sobre a Psicologia
Junguiana, FRANZ (1988), cita a técnica para descobrir o significado do sonho:
compara–se o sonho a um drama e se examina–o sobre três aspectos culturais. O
primeiro, a introdução ou exposição – o cenário do sonho e a colocação do
problema; segundo, a peripécia – o desenrolar da história; e finalmente, a
lysis – a solução final. A primeira sentença de um sonho em geral descreve a
cena da ação e apresenta os protagonistas. Há também dentro da abordagem
Junguiana, os sonhos arquetípicos, que têm um significado mitológico e os quais
em geral as pessoas não associam a nada. Como por exemplo, se alguém sonha com
o planeta Júpiter e é questionado sobre o que pensa a respeito de Júpiter,
certamente responderá que se trata de um planeta. Não se sabe o que associar e
nada de pessoal vem à mente. Nesse caso, o que acontece é que recorrem–se às
associações da humanidade. Que fantasias a humanidade tem a respeito de Júpiter,
e a partir daí, coloca–se a resposta no contexto do sonho. A visão Junguiana
também fala a respeito da dificuldade em se interpretar os próprios sonhos,
porque o sonho nunca diz o que você já sabe. Ele sempre indica algo
desconhecido, um ponto cego. O próprio Jung, não tinha quem interpretasse seus
sonhos mas relatava–os a um homem que nada entendia do assunto o que o ajudava
a encontrar suas próprias respostas.
4 - Importância dos
sonhos
Aquilo a que chamamos símbolo é
um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida diária,
embora possua conotações especiais para além do seu significado evidente e
convencional. Implica algo de vago, desconhecido ou oculto para nós. Assim, uma
palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa além do seu
significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem tem um aspeto
mais amplo, que nunca é definido de uma única forma ou explicado totalmente,
nem podemos ter esperanças de a definir ou explicar. Quando a mente explora um
símbolo, é conduzida em direção a ideias que estão fora do alcance da nossa
razão.
Por existirem inúmeras coisas
fora do alcance da compreensão humana é que utilizamos frequentemente termos
simbólicos como representação de conceitos que não podemos definir ou
compreender integralmente. Esta é uma das razões por que todas as religiões
empregam uma linguagem simbólica e se exprimem através de imagens. Mas este uso
consciente que fazemos dos símbolos é apenas um aspeto de um fato psicológico
de grande importância: o homem também produz símbolos, inconsciente e espontaneamente,
em forma de sonhos. Há ainda certos acontecimentos de que não tomamos
consciência. Permanecem, por assim dizer, abaixo do limiar da consciência.
Aconteceram, mas foram absorvidos subliminarmente, sem o nosso conhecimento
consciente. Só podemos percebê-los em algum momento de intuição ou por um
processo de intensa reflexão que nos levem à subsequente compreensão de que
devem ter acontecido. E, apesar de termos ignorado originalmente a sua
importância emocional e vital, mais tarde brotam do inconsciente como uma
espécie de segundo pensamento.
Este segundo pensamento pode
aparecer, por exemplo, sob a forma de um sonho. O aspeto inconsciente de um
acontecimento é-nos revelado, geralmente, através de sonhos, onde se manifesta,
não como um pensamento racional, mas como uma imagem simbólica. Do ponto de
vista histórico, foi o estudo dos sonhos que permitiu, inicialmente, aos psicólogos,
a investigação do aspeto inconsciente de ocorrências psíquicas conscientes.
Fundamentados nestas observações é que os psicólogos admitem a existência de
uma psique inconsciente, apesar de muitos cientistas e filósofos lhe negarem
existência. Argumentam ingenuamente que uma tal pressuposição implica a
existência de dois “sujeitos” ou, em linguagem comum, de duas personalidades
dentro do mesmo indivíduo. E estão inteiramente certos: é exatamente isto o que
ela implica. Esta divisão de personalidades é, com efeito, uma das maldições do
homem moderno. Não é, de forma alguma, um sintoma patológico: é um fato normal,
que pode ser observado em qualquer época e em quaisquer lugares. O neurótico
cuja mão direita não sabe o que faz a sua mão esquerda não é caso único. Esta
situação é um sintoma de inconsciência geral, que é, inegavelmente, herança
comum de toda a humanidade.
Aquele que nega a existência do
inconsciente está, de fato, admitindo que, hoje em dia, temos um conhecimento
total da psique. É uma suposição evidentemente tão falsa quanto a pretensão de
que sabemos tudo a respeito do universo físico. A nossa psique faz parte da
natureza e o seu enigma é, igualmente, sem limites. Assim, não podemos definir
a psique nem a natureza. Podemos, simplesmente, constatar o que acreditamos que
elas sejam e descrever, da melhor maneira possível, como funcionam. No entanto,
fora das observações acumuladas em pesquisas médicas, temos argumentos lógicos
de bastante peso para rejeitarmos afirmações como “não existe inconsciente”,
etc. Aqueles que fazem este tipo de declaração estão a expressar um velho
misoneísmo – o medo do que é novo e desconhecido.
Sigmund Freud foi o pioneiro, o
primeiro cientista a tentar explorar empiricamente o segundo plano inconsciente
da consciência. Trabalhou baseado na hipótese de que os sonhos não são produto
do acaso, mas que estão associados a pensamentos e problemas conscientes. Esta
hipótese nada apresentava de arbitrário.
5 - A Função dos Sonhos
Na nossa vida do dia a dia,
despojamos tanto as ideias da sua energia emocional que já não reagimos a elas.
Usamos estas ideias nos nossos discursos, reagimos convencionalmente quando
outros também as utilizam, mas elas não nos causam uma impressão profunda. É
necessário haver alguma coisa mais eficaz para que mudemos de atitude ou de
comportamento. E é isto que a linguagem do sonho faz: o seu simbolismo tem
tanta energia psíquica que somos obrigados a prestar-lhe atenção.
As mensagens do inconsciente têm
uma importância bem maior do que se pensa. Na nossa vida consciente, estamos
expostos a todos os tipos de influência. As pessoas estimulam-nos ou
deprimem-nos, ocorrências da nossa vida profissional ou social desviam a nossa
atenção. Todas estas influências podem levar-nos para caminhos opostos à nossa
individualidade; e quer percebamos quer não o seu efeito, a nossa consciência é
perturbada e exposta, quase sem defesas, a estes incidentes. Isto ocorre em
especial com pessoas de atitude mental extrovertida, que dão muita importância
a objectos exteriores, ou com as que abrigam sentimentos de inferioridade e de
dúvida, envolvendo o mais íntimo da sua personalidade.
Quanto mais a consciência foi
influenciada por estes preconceitos, erros, fantasias e anseios infantis, mais
se dilata a fenda já existente, até se chegar a uma dissociação neurótica e a uma
vida mais ou menos artificial, em tudo distanciada dos instintos normais, da
natureza e da verdade. A função geral dos sonhos é tentar restabelecer a nossa
balança psicológica, produzindo um material onírico que reconstitui, de maneira
subtil, o equilíbrio psíquico total.
É aquilo a que chamo função
complementar (ou compensatória) dos sonhos na nossa constituição psíquica.
Explica por que motivo pessoas com ideias pouco realistas, ou que têm um alto
conceito de si mesmas, ou ainda que constroem planos grandiosos em desacordo
com a sua verdadeira capacidade, sonham que voam ou caem. O sonho compensa as
deficiências das suas personalidades e, ao mesmo tempo, previne-as dos perigos
dos seus rumos atuais. Para bem do equilíbrio mental e mesmo da saúde fisiológica,
o consciente e o inconsciente devem estar completamente interligados, a fim de
que possam mover-se em linhas paralelas. Se se separam um do outro ou se
dissociam, ocorrem distúrbios psicológicos. Neste caso particular, os símbolos
oníricos são os mensageiros indispensáveis da parte instintiva da mente humana
para a sua parte racional, e a sua interpretação enriquece a pobreza da nossa
consciência, fazendo-a compreender, novamente, a esquecida linguagem dos
instintos.
As pessoas, é claro, tendem a pôr
em dúvida esta função, já que os seus símbolos, muitas vezes, passam
despercebidos ou são incompreendidos. Na vida normal, a compreensão dos sonhos
é até, por vezes, considerada supérflua. De um modo geral, é uma tolice
acreditar-se em guias pré-fabricados e sistematizados para a interpretação dos
sonhos, como se pudéssemos comprar um livro de consultas para nele encontrarmos
a tradução de um determinado símbolo. Nenhum símbolo onírico pode ser separado
da pessoa que o sonhou, assim como não existem interpretações definidas e
específicas para qualquer sonho. A maneira pela qual o inconsciente completa ou
compensa o consciente varia tanto de indivíduo para indivíduo que é impossível
saber até que ponto pode, na verdade, haver uma classificação dos sonhos e dos
seus símbolos. O sonho recorrente é um fenómeno digno de apreciação. Há casos
em que as pessoas sonham o mesmo sonho, desde a infância até à idade adulta.
Este tipo de sonho é em geral uma tentativa de compensação para algum defeito
particular que existe na atitude do sonhador em relação à vida; ou pode datar
de um traumatismo que tenha deixado alguma marca. Pode também ser a antecipação
de algum acontecimento importante que está para acontecer.
Kaquinda
Referências
ALTMAN, Leon L. O Sonho em Psicanálise. trad. Alvaro Cabral.
Rio de Janeiro: Zahar, 1971, 231 p.
BRENNER, Charles. Noções Básicas de Psicanálise. 3a. ed.
trad. Ana M. Spira. Rio de Janeiro: Imago. 1975, 262 p.
da SILVA, Gastão Pereira. Enciclopédia de Psicologia e
Psicanálise. 2a. ed. vol. II, Belo Horizonte: Itatiaia, 1970, 235 p.
FREUD, Sigmund. Obras Completas de Sigmund Freud. volumes II
e III. trad. Odilon Gallotti. Rio de Janeiro: Delta, s/d.