Pasárgada

…Cheguei no momento da criação do mundo e resolvi não existir. Cheguei ao zero-espaço, ao nada-tempo, ao eu coincidente com vós-tudo, e conclui: No meio do nevoeiro é preciso conduzir o barco devagar.


Serei o que fui, logo que deixe de ser o que sou; porque quando fui forçado a ser o que sou, foi porque era o que fui.

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terça-feira, 20 de março de 2012



O QUE NÓS SONHAMOS
(Continuação)
6 – A Análise dos Sonhos

Acima acentuámos a diferença entre um sinal e um símbolo. O sinal é sempre menos do que o conceito que ele representa, enquanto o símbolo significa sempre mais do que o seu significado imediato e óbvio. Os símbolos, no entanto, são produtos naturais e espontâneos. Génio algum já se sentou com uma caneta ou um pincel na mão, dizendo: “Agora vou inventar um símbolo.” Ninguém pode tomar um pensamento mais ou menos racional, a que chegou por conclusão lógica ou por intenção deliberada, e dar-lhe forma simbólica. Não importa de que adornos extravagantes se ornamenta uma tal ideia – ela vai manter-se apenas um sinal associado ao pensamento consciente que significa, e nunca um símbolo a sugerir coisas ainda desconhecidas. Nos sonhos, os símbolos ocorrem espontaneamente, pois os sonhos acontecem, não são inventados; eles constituem, assim, a fonte principal de todo o nosso conhecimento a respeito do simbolismo.
Devo fazer notar, no entanto, que os símbolos não ocorrem apenas nos sonhos; aparecem em todos os tipos de manifestações psíquicas. Existem pensamentos e sentimentos simbólicos, situações e actos simbólicos. Parece mesmo que, muitas vezes, objetos inanimados cooperam com o inconsciente, criando formas simbólicas. Há numerosas histórias autênticas de relógios que param no momento em que o seu dono morre, como aconteceu com o relógio de pêndulo do palácio de Frederico, o Grande, em Sans Souci, que parou na hora da morte do rei. Outro exemplo comum é o de um espelho que se quebra ou de um quadro que cai quando alguém morre. Ou também pequenos, mas inexplicáveis, acidentes de objectos que se quebram numa casa onde alguém sofre uma crise emocional. Mesmo que os cépticos se recusem a acreditar nessas histórias, a verdade é que elas estão sempre acontecendo, e só isto basta como prova da sua importância psicológica.
Há muitos símbolos, no entanto, (e entre eles alguns de maior valor), cuja natureza e origem não é individual mas sim coletiva. Sobretudo as imagens religiosas: o fanático atribui- lhes origem divina e considera-as revelações feitas ao homem. O céptico garante que foram inventadas. Ambos estão errados. É verdade, como diz o céptico, que símbolos e conceitos religiosos foram, durante séculos, objeto de uma elaboração cuidadosa e consciente. É também certo, como julga o crente, que a sua origem está tão soterrada nos mistérios do passado que parece não ter qualquer procedência humana. Mas são, efetivamente, representações coletivas – que procedem de sonhos primitivos e de fecundas fantasias.

6.1 – O Sonho na Clínica Psicanalítica

“O tempo do sonho pode ser comparado ao da chuva. Vem por estações durante uma análise, fertiliza-a, e segue um movimento ternário mas contínuo de concentração, precipitação, disseminação. O momento do sonho e o de seu relato na sessão não são o sonho inteiro para o analista. Como a concentração de água que se evapora e forma nuvens, temas psíquicos, dotados de tensão emocional, vão-se acumulando e começam a ser sonhados silenciosamente, na vigília, através de pequenos atos de significação ambígua e da concatenação mais ou menos frouxa de séries de idéias a respeito do tema, ou de lembranças e idéias soltas que não se definem, a não ser a posteriori. Ocorrem chuviscos de quando em quando: atos falhos, devaneios, fragmentos oníricos indicativos do tema vindouro. Até que o sonho que já está sendo sonhado alcança um estado de saturação que lhe permite precipitar-se abertamente num episódio noturno recordável, feito tempestade de verão. Depois, o relato, o trabalho interpretativo e a elaboração disseminam o sonho na superfície psíquica, permitem-lhe infiltrar-se nas camadas gerativas de associações, ampliam seu sentido e fertilizam a análise. Por fim, evapora-se esse sonho, o campo do sonho parece secar, mas é só o recomeço do ciclo: já estamos noutro sonho. Há análises onde chove mais, outras onde chove menos, sem que essa variação equivalha necessariamente a produtividade ou estagnação. Surge o sonho, via de regra, numa zona congestionada do entrelaçamento dos campos, donde resulta que seu conteúdo exprima regras atinentes a distintos temas psíquicos simultaneamente; por isso não possui um só sentido latente, mas uma rede de significações emocionais, cuja análise “completa” levaria em princípio a cobrir quase toda a análise; o sonho é um momento diagnóstico por excelência, identifica o sujeito. Deve ser aproveitado. Com o sonhador, o analista sonha simpaticamente, deixando-se levar pela iluminação que o sonho propicia, sem pressa, esperando que a precipitação insemine-lhe as idéias, para poder operar no mesmo ritmo do campo onírico. Como existe uma forte tendência a se esquecer um sonho, por obra da resistência, e quase todos assim se perdem, a função do analista é aqui também comemorativa ou de recordação; ele pugna por manter o sonho à tona por um tempo mais largo do que espontaneamente se daria e por acompanhar seu movimento de disseminação e nova concentração; pôr-se em fase com o campo do sonho é nossa tarefa principal e nada fácil, pois em nós também operam resistências. Por fim, é o sonho uma defesa do sono, como Freud mostrou. A isso pode acrescentar-se que o sonho aberto, essa história visual que se vive de noite e se conta de dia, é a oportunidade para sair de um sonho, da surda corrente subterrânea dos temas de que o sonho trata, cuja lógica preside ocultamente a vigília, até que se possa manifestar num episódio constituído, ganhando estatuto de consciência: o sonho é o despertar de um sonho.

6.2 – Neurociência e Psicanálise

Concepções difíceis de serem amalgamadas, as defendidas pela psicanálise e as defendidas pelas neurociências, no que diz respeito aos sonhos. Em sendo caso, resta-nos confrontar as duas concepções.
Para a Psicanálise os sonhos são construtos psíquicos e é uma das pedras angulares de sua teoria, pois estão baseados na história do indivíduo, idéia esta que a Psicanálise tanto presa. Segundo a psicanálise a função principal do sonho é guardar o sono do sonhador, ao permitir a realização alucinatória dos desejos inconscientes, e desta forma, criar condições psíquicas para que o indivíduo continue dormindo. Os sonhos se expressam através de cenários pictóricos, numa linguagem arcaica, primitiva e carregada de simbolismo. Quando interpretados corretamente adquirem sentido para o sonhador. Este ponto é interessante porque no curso da história da humanidade, dependendo da cultura, o sonho tem sido interpretado de modo diferente pelas diversas culturas, muitas vezes confundindo uso com função.
Ao longo de sua história, a humanidade vem tentando entender o significado dos sonhos. Dele cuidaram filósofos, místicos e cientistas, chegando eles às mais diferentes interpretações. Diversas culturas antigas e mesmo muitas atuais interpretam os sonhos como inspirações, sinais divinos, visões proféticas, fantasias sexuais, realidade alternativa, e diversas outras crenças, dada a sua natureza intrigante e enigmática, muitas vezes perturbadora. Esta é uma questão relacionada ao uso, ou seja, dizer que os sonhos servem para predizer o futuro, ou diagnosticar doenças, como se pensava na Antigüidade, ou mesmo como defendem os psicanalistas hoje, ou como afirmava Freud, que os sonhos são uma via régia para o inconsciente e um instrumento para se compreender a personalidade dos pacientes, é também uma questão de uso, mas não de função. Agora quando se diz que os sonhos protegem o sono como defendia Freud, ou quando se fala de algumas teorias que se seguem nesse texto, levantadas por alguns neurocientistas, podemos estar falando de função.
Em 1900, em seu livro “A interpretação dos Sonhos”, Sigmund Freud defendia a idéia de que os sonhos refletiam a experiência inconsciente e era um guardião do sono. Ele teorizou que o pensamento durante o sono tende a ser primitivo ou regressivo e que os efeitos da repressão são reduzidos. Para ele, os desejos reprimidos são, particularmente, aqueles associados ao sexo e à hostilidade, os quais eram liberados nos sonhos quando a consciência era diminuída.
Entretanto, naquela época, a fisiologia do sono e sonhos era desconhecida, restando a Freud apenas a sua interpretação psicanalítica dos sonhos. Somente na década dos 50, com a descoberta de que os movimentos rápidos dos olhos (o chamado sono REM, ou Rapid Eyes Movement), eram frequentemente um indicativo de que o indivíduo estava sonhando, uma nova era de pesquisa sobre os sonhos emerge, e alguns elementos da psicanálise passaram a ser questionados, como de validade duvidosa, pelos neurocientistas. A partir dos estudos da neurobiologia do sono a neurociência vem se ocupando dos sonhos. Para ela o sonho é o resultado da ativação de certas estruturas cerebrais, como o tronco cerebral e não guarda relação com a história individual. Não expressa uma realização inconsciente de desejo, e é entendido como parte do ciclo do sono, determinado biologicamente.
“De natureza muitas vezes bizarra, irreal e confusa, os sonhos são especulados por alguns estudiosos do sono e sonhos como sendo um meio pelo qual o cérebro se livra de informações desnecessárias ou erradas durante o período em que o indivíduo está acordado – um processo de “desaprendizagem” ou aprendizagem reversa, proposta por Francis Crick e Graeme Mitchison, em 1983. Estes pesquisadores postularam que o neocórtex, uma complexa rede de associação neural, poderia se tornar carregado por grandes quantidades de informações recebidas. O neocórtex poderia desenvolver, então, pensamentos falsos ou “parasíticos”, pensamentos estes que comprometeriam o armazenamento verdadeiro e ordenado da memória” (Silvia Helena).
“Isto explicaria porque as crianças, cujo ritmo de aprendizagem é intenso, apresentam mais sono REM do que os adultos. Elas necessitariam, segundo esta idéia, esquecer as diversas associações erradas ou sem sentido que se formam durante a sua aprendizagem quando estão acordadas, favorecendo, desta forma, o armazenamento das associações ou informações que são verdadeiramente importantes” (Silvia Helena).
“Em linha semelhante de pensamento, outros estudiosos teorizaram que os sonhos consistem de associações e memórias eliciadas da parte frontal do cérebro, em resposta a sinais randômicos do tronco encefálico. Estes autores sugeriram que os sonhos são o melhor “ajuste” que o cérebro frontal poderia fornecer a este bombardeamento randômico do tronco cerebral. Nesta proposição, os neurônios da ponte, via tálamo, ativariam várias áreas do córtex cerebral eliciando imagens bem conhecidas ou mesmo emoções, e o córtex então, tentaria sintetizar as imagens disparadas. O sonho “sintetizado” pode ser completamente bizarro e mesmo sem sentido porque ele está sendo desencadeado por uma atividade semi-randômica da ponte” (Silvia Helena).
“William Dement nos chama a atenção para o fato de que cada um de nós somos “loucos”, ao sonhar, pois, manifestamos as mais bizarras situações. Outros pesquisadores predizem que falhas na habilidade em processar o sono REM, podem causar fantasias, alucinação e obsessão. Outros ainda, afirmam que a falta de sonhos (de sono REM) induz psicoses alucinatórias e outros distúrbios mentais”(Silvia Helena).

6.3 – As teorias mais atuais apresentadas pelos neurocientistas sobre sonhos são:

Teoria restaurativa: o sono ajuda nosso corpo a salvar e restaurar energia por diminuir nosso metabolismo, o que leva a uma conservação de energia. Ele também ajuda a recompor nossos depósitos de neurotransmissores, uma vez que a maioria dos neurônios diminui sua atividade durante o sono. As ondas lentas do sono têm efeitos restaurativos. Elas fornecem um período de repouso para o cérebro. Sem o repouso, nosso cérebro não funciona apropriadamente.
Teoria da aprendizagem: durante o sono, nós podemos armazenar e reorganizar informações. Os neurônios que estão envolvidos na aprendizagem e memória repousam durante o sono, principalmente durante o sono REM (Rapid Eye Moviment ou Movimento Rápido dos Olhos, estágio em que estamos sonhando). Talvez esta seja a razão pela qual nos sentimos mentalmente ativos e descansados quando temos uma boa noite de sono, comparado ao que sentimos após ficar longas horas da noite acordados. Muitos estudos sustentam que o sono REM exibe um papel importante na retenção e consolidação da memória. Um deles mostra que um grupo de pessoas que foi privado do sono REM durante a noite apresentou maior dificuldade de retenção de material de estudo, comparado a outro grupo que teve um sono sem interrupções.
Além disso, outras teorias da aprendizagem dizem que o sono, particularmente o sono REM é designado para remover informações inúteis da memória. Esta teoria sugere que é de igual importância remover informações não desejadas e manter armazenados dados importantes. Nossa memória tem que trabalhar de duas formas, uma para armazenar informações importantes e outra para remover informações desnecessárias. Um importante neurocientista de sono e sonhos, já afirmou que: “nós sonhamos para esquecer”. É sugerido que os sonhos podem refletir um mecanismo de processamento da memória herdado de espécies inferiores, no qual a informação importante para a sobrevivência é necessariamente sensorial, e seria reprocessada durante o sono REM. De acordo com nossos ancestrais mamíferos, os sonhos em humanos são sensoriais, principalmente visuais.
Teoria do desenvolvimento: esta teoria diz que o sono exibe um papel no desenvolvimento do cérebro. O sono REM é um importante componente do sono para fetos ainda no útero e para as crianças. Acredita-se que o sono REM ativa áreas visuais, motoras e sensoriais no cérebro e isto aumenta a habilidade dos neurônios de funcionar apropriadamente e fazer as conexões corretas. “Com base em tais achados e teorias, podemos pensar que sonhos são mecanismos de defesa e adaptação, e a “loucura” manifesta durante este estado silencioso e inconsciente, parece ser necessária para que nos mantenhamos “são” durante o nosso agitado estado de consciência” (Silvia Helena).
A questão central para a psicanálise é como os sonhos, apesar desses vários questionamentos dos neurocientistas, podem ainda ser mantidos como um paradigma para a sessão de análise, ou ainda, serem utilizados como modelo para a compreensão das doenças mentais, na atualidade, como afirmou Freud (1915-1916). O sentido dos sonhos como forma de preparação para o estudo das neuroses se justifica, uma vez que o estudo dos sonhos não apenas é a melhor preparação para o estudo das neuroses, como também porque os sonhos, por si mesmos, são um sintoma neurótico que nos oferece, ademais, a inestimável vantagem de ocorrer em todas as pessoas sadias. Na verdade, supondo-se que todos os seres humanos fossem normais contanto que sonhassem, nós, partindo dos seus sonhos, poderíamos chegar a quase todas as descobertas a que nos levou a investigação das neuroses”. Freud afirma ainda: “o sonho é uma loucura de curta duração, enquanto a loucura é um sonho de longa duração” (Freud, 1938-1940). “uma psicose controlada”. “Um produto patológico, o primeiro membro da classe que inclui os sintomas histéricos, as obsessões e os delírios, sendo, contudo diferenciado dos outros por sua transitoriedade e por sua ocorrência sob condições que fazem parte da vida normal” (Freud, 1940 1938, 1932-1936).
Sabe-se que os sonhos possuem uma espécie de moldura que é o conteúdo manifesto, resultado da elaboração onírica que transforma os pensamentos oníricos no sonho manifesto, ou seja, nessa moldura. A elaboração onírica ao realizar essa transformação faz uso de figuras de linguagem, de simbolismo e de mecanismos como o de condensação e de deslocamento, num cenário pictográfico (imagens predominantemente visuais), não somente porque seja um tipo de linguagem arcaica, primitiva, apropriada aos sonhos e oriunda do processo primário, sede latente da vida psíquica primitiva, pulsional e emotiva, mas também porque os conteúdos latentes dos sonhos, ou seja, os seus pensamentos oníricos carregados de motivações inconscientes e de desejos somente podem se expressar na consciência se disfarçando, isto é, driblando a censura que o ego, mesmo em estado de sono a mantém ativa, evidentemente, em menor proporção do que a que existe na vigília.
A psicanálise vem se defrontando com certos impasses em suas teorias e também vem recebendo, na atualidade, ataques dos mais diversos setores, particularmente de psiquiatras e neurocientistas identificados com o modelo de pesquisa neurobiológica. Há alguns artigos recentes, de psicanalistas, enfocando a questão dos sonhos e as neurociências. Dois deles (Soussumi, 2001) e (Doin, 2001) foram apresentados no Congresso Brasileiro de Psicanálise, realizado, em são Paulo, em 2001. Eles trazem o debate que está atualmente sendo travado, entre neurocientistas de linha cognitivista e neuropsicanalistas identificados com o modelo psicanalítico, no que diz respeito a sonhos. Para os cognitivistas, principalmente para J. Allan Hobson, na sua proposta radical o sonho não tem significado psíquico como defende os psicanalistas, sendo, apenas, um epifenômeno do sono REM, e decorria da ativação de certas estruturas cerebrais, como por exemplo: o tronco cerebral que ativado por determinados neurotransmissores, tipo a acetilcolina geraria o sonho cujo substrato neurobiológico é o sono REM. Ele ressalta ainda nessa hipótese (Soussumi apud Hobson) “o papel do sistema límbico na seleção e na elaboração das tramas dos sonhos e que os psicanalistas não aceitam essas hipóteses neurobiológicas a respeito de sonhos porque isso significaria ter que reformular toda a psicanálise, já que a teoria dos sonhos é tão fundamental para a mesma” (o que é verdadeiro).
Noutro artigo, Mancia (2001) pelo lado dos neuropsicanalistas contesta as posições radicais defendidas por Hobson e argumenta, juntamente, com Mark Solm que, novas pesquisas sobre a neurobiologia dos sonhos mostram que os mesmos ocorrem também (em torno de 5 a 30 por cento) durante o sono não-REM e que, provavelmente, há muitos outros mecanismos envolvidos nos sonhos, além do sono REM.
Apesar de parecerem existir diferenças fundamentais entre um tipo de sonho e outro (o que ocorre no sono REM e no NREM) e que a neurofisiologia do sono REM seja o suporte principal à psicologia do sonho, “há atividade mental do tipo sonho em todas as fases do sono, do início ao despertar” (Mancia, 2001). “No entanto, há diferenças qualitativas entre a atividade mental das várias fases do sono. Por exemplo, a estruturação espacial dos sonhos, o nível de participação pessoal do sonhador, o número de palavras utilizadas para contar o sonho, e certas características do sonho em si, tais como o aspecto fantástico, são determinadas como sendo maiores na fase REM do que na não-REM. Além do mais, o sono REM parece propiciar as melhores condições de ativação cortical para a recuperação da memória, suficiente para permitir relatos de certa extensão” (Mancia apud Antrobus, 1983).
Segundo ainda Mancia (2001) “a diferença fundamental entre a visão psicanalítica e a neurocientífica dos sonhos é que a psicanálise vê o sonho como expressão de uma teologia da mente (Mancia, 1988), no sentido de que ela refere-se às figuras ou representações que assumiram uma dimensão sagrada dentro de nós, os sonhadores, porque estão relacionadas com nossos objetos internos. A diferença, portanto, encontra-se na história afetiva do sujeito, que a psicanálise, diversamente das neurociências, considera central para o significado do sonho”.

6.4 – Análise Behaveorista dos sonhos

Na análise behaviorista radical, considera-se que os sonhos são apenas comportamentos, mais especificamente, comportamentos privados. Enquanto comportamentos privados, os sonhos fazem parte da subjetividade do homem. Os eventos privados referem-se tanto a estímulos como a comportamentos que ocorrem encobertamente. Usa-se o termo encoberto para enfatizar que não são acessíveis à observação direta. Em relação aos comportamentos encobertos, Skinner (1974/1993) não os considera como de natureza especial, estar-se-ia apenas “descrevendo comportamento em miniatura” (p. 27), pois, os comportamentos privados nada mais são do que ações do organismo que foram adquiridas de forma pública, passando a se manifestar privadamente após a sua aquisição. (…)
Em relação aos estímulos privados, Skinner (1974/1993) afirma: “o que é sentido ou introspectivamente observado não é nenhum mundo imaterial da consciência, da mente ou da vida mental, mas o próprio corpo do observador…” (p.19). (…)
Enquanto condições corporais, os estímulos privados seriam objeto de estudo da fisiologia; para a Análise do Comportamento, no entanto, tais estímulos passam a fazer parte de um fenômeno psicológico e precisam ser analisados quando entram no controle de certos comportamentos. Ressalta-se, contudo, que para o behaviorista radical, a explicação dos comportamentos deve ser sempre encontrada no ambiente externo ao indivíduo: “agredimos e sentimos raiva, ambos pela mesma razão, e esta razão está no ambiente (…) (…)
(…) Enquanto comportamentos privados, os sonhos são entendidos pelos behavioristas como o comportamento de ver, porém, na ausência da coisa vista, ou seja, os sonhos são analisados como um comportamento perceptual encoberto (Skinner, 1974/1993, 1968/1972). (…)

6.4.1 - Percepção e o Comportamento de Ver

Segundo Skinner (1974/1993), a própria etimologia da palavra perceber refere-se a capturar, tomar e possuir o mundo. Como não seria possível a posse do mundo real nesses termos, de acordo com o que Skinner denomina de teoria da cópia, a pessoa poderia fazer “cópias mentais” do mundo, armazenando-as na memória e, assim, poderia recuperá-las quando necessário. (…)
O comportamento perceptual seria controlado tanto por estímulos discriminativos quanto por estímulos reforçadores que estão presentes no ambiente em que a pessoa está inserida. Assim sendo, nota-se que a percepção tem relação direta com o controle de estímulos. Por exemplo, suponha que eu seja um filatelista e, na casa de um amigo, vejo um selo raro, que seria jogado fora. Eu, então, peço o selo a ele, que me é oferecido sem qualquer hesitação, apesar de seu valor. Por que meu amigo não percebeu o quanto o selo era valioso? Presumivelmente, Skinner diria que isso ocorreu porque meu amigo não compartilhou as mesmas contingências com as quais eu interagi durante minha história de vida, como: um tio que colecionava selos; minha afeição por ele e o prazer que sentia em sua companhia; as ocasiões em que meu tio contava a história de cada selo, cada qual relacionado com diferentes períodos e assim por diante até que meu interesse por selos crescesse e eu próprio começasse a estudá-los e colecioná-los. (…)
(…) Assim sendo, ver é um comportamento e deve ser analisado a partir da história ambiental do indivíduo, a qual é responsável pelos estímulos que controlam o ver, seja público ou privado. Para Skinner (1969/1980) se uma pessoa não vê o mesmo que você, isso significa que ambos foram expostos a diferentes histórias de condicionamento. (…) Ou seja, o comportamento de ver é considerado pelos behavioristas radicais, como um comportamento privado. O que faz com que o ver na ausência da coisa vista seja mais complexo é que apenas a pessoa que se comporta pode ver o estímulo. De qualquer forma, o ver é um comportamento que diz respeito ao controle de estímulos; inicialmente, a comunidade condiciona o indivíduo a discriminar a presença de determinado objeto através de um estímulo aparente, posteriormente, o indivíduo pode ver mesmo na ausência deste estímulo.

6.4.2 – A Análise Skinneriana dos Sonhos

Já que se considera os sonhos como o comportamento de ver, pode-se dizer que aquilo com que sonhamos é uma relação entre estímulos condicionados, discriminativos e reforçadores que estão presentes na história ambiental da pessoa.
Skinner (1974/1993) valoriza, sobremaneira, o papel da privação e das emoções no comportamento de sonhar: “a estimulação visual exerce controle mínimo, e a história da pessoa e os dados resultantes da privação e emoção têm sua oportunidade” (p.74). Com relação à privação, o sonhador pode se empenhar fortemente no comportamento de ver o objeto do qual está privado, já que a frequência de uma resposta que resulta em reforço é diretamente proporcional ao grau de privação (Skinner, 1974/1993). (…) Por exemplo, se alguém se encontra privado da pessoa que ama, ele poderá se empenhar em comportamentos como ir a lugares onde esteve com a pessoa, ver fotografias, falar com amigos em comum, telefonar para a pessoa e, assim por diante, podendo chegar a visualizar essa pessoa com os olhos fechados. Todos esses comportamentos podem servir de estímulos que participam dos sonhos da pessoa.
Em relação à emoção, o que se sente são condições corporais, as quais são indiferenciadas até que a comunidade verbal estabeleça contingências que nos permitam falar sobre nossos eventos privados. Assim, pode-se concluir que, quando dizemos Estou deprimida hoje ou Estou me sentindo ansiosa, estamos descrevendo condições corporais que têm sido relacionadas com verbalizações da comunidade verbal diante de nossos comportamento públicos.
(…). Dessa forma, se em sonhos pode-se ver, então, é verdadeiro que, em sonhos, também se pode sentir os estímulos privados. Por exemplo, durante o dia, eu fui atacada por um cachorro na rua e, à noite, quando estou dormindo, ouço um barulho, talvez o choro de uma criança. Na minha história, sei que a filha do vizinho chora muito; não obstante, quando em sonho, este choro lembrou-me o latido do cachorro e, assim, aumentou a probabilidade de que eu não só ouvisse e visse o cachorro que me atacou, mas também fez com que eu reagisse aos meus estímulos privados como uma resposta emocional de medo.
(…). Por outro lado, assim como o ver privado, as emoções também podem ser reforçadoras quando envolvem algum tipo de prazer, como já explicado anteriormente com relação aos efeitos do reforçamento. Logo, o comportamento perceptual encoberto relacionado com esse tipo de emoção no sonho pode se tornar mais provável de acontecer.

6.4.3 – Sobre a Dificuldade de se aceitar a Análise Skinneriana

Talvez o maior problema para a aceitação de uma análise dos sonhos fundamentada na análise de contingências, principalmente com relação ao papel de estímulos discriminativos, condicionados e reforçadores, como o modelo apresentado por Skinner acerca da percepção e do comportamento de ver, se refira ao fato de que a sua análise, em geral, foi feita com relação aos comportamentos (públicos e privados) que ocorrem no estado de vigília, enquanto os sonhos ocorrem quando se está dormindo.
Afirma-se, então, que mesmo em sonhos, quando o organismo como um todo está relaxado e os órgãos dos sentidos se tornam cada vez menos receptivos aos estímulos externos, ainda assim o organismo se comporta. Skinner (1974/1993) falava que os comportamentos privados são comportamentos executados em escalas muito pequenas, são comportamentos em miniatura. Kantor (1975), por sua vez, afirmou que “os sonhos são as evidências de que as pessoas nunca estão inativas, mesmo quando adormecidas” (p.11). A própria neurofisiologia indica que as pessoas se comportam mesmo quando estão dormindo. Cardoso (1997) declara: “No estado de vigília, o córtex analisa com precisão os impulsos que chegam dos vários órgãos receptores do sistema sensorial (…) e gerando uma resposta integrada como, por exemplo, o movimento do braço (ação do órgão efetor) pegando uma faca (…) Sabe-se ainda que o sono REM, “o sono dos sonhos”, é a fase do sono em que os olhos se movimentam com maior rapidez, sugerindo que o corpo em repouso não está totalmente inativo. (…)
Cegos de nascença relatam que seus sonhos envolvem o comportamento perceptual auditivo com grande frequência, uma vez que nunca tiveram a oportunidade de ver algum objeto. Até mesmo aquelas pessoas que se tornaram cegas, gradualmente vão perdendo a habilidade de sonhar com estímulos visuais (Cardoso, 1997, p. 3). Uma pesquisa acerca dos relatos dos sonhos de sujeitos cegos congênitos, realizada por Kerr, Foulkes e Schmit (1982), sugere que pessoas com esse tipo de problema, embora realmente não relatem sonhos com percepção visual, seus sonhos envolvem, muitas vezes, relações espaciais, o que levou os pesquisadores a afirmar que aqueles indivíduos que possuíam algum resquício mínimo de visão poderiam ver em sonhos apenas na extensão do que eles podiam ver durante a vigília, como sombras ou vultos por exemplo.(… )

6.4.4 – O Modelo de Seleção pelas Consequências e os Sonhos

A partir da explanação feita anteriormente, alguém poderia perguntar: então, nós aprendemos a sonhar? Bem, já que o sonho é considerado comportamento, a única conclusão plausível é que sim, nós aprendemos a sonhar. Ressalta-se, contudo, que ao falar sobre aprendizagem dos sonhos, refere-se, especificamente, ao seu conteúdo. O comportamento de sonhar é, presumivelmente, um comportamento selecionado com o processo evolucionário das espécies.

6.4.5 – Filogênese

(…) A maior parte da pesquisa com relação à necessidade dos sonhos tem sido realizada no âmbito das neurociências, com o estudo do sono REM. Embora sono REM e sonho não sejam sinônimos, até o momento, o primeiro é a única evidência que se tem para se dizer que uma pessoa está sonhando (…). Dessa forma, as alterações orgânicas verificadas durante o sono REM têm sido estendidas para os sonhos. (…) Como tem sido verificado que durante o sono REM a atividade muscular é praticamente zero, Foulkes e Cartwright (1999) sugerem que o sono REM evoluiu devido à necessidade de que os homens, enquanto caçadores, ficassem imóveis durante a noite, evitando assim o ataque de predadores. (…).
Pode ser também que os sonhos estejam ligados a algum tipo de necessidade bioquímica de ativação cerebral periódica, haja vista que, durante a vigília, o cérebro está em constante atividade, enquanto que no torpor do sono tal atividade cerebral é muito escassa. Não obstante, durante o sono REM o cérebro apresenta ondas que indicam uma atividade muito parecida com a da vigília (…) Outra indicação da necessidade de sono REM tem advindo de pesquisas realizadas sobre a privação de sono REM, onde se verificou que, após longos períodos de privação de sono, os humanos tendem a apresentar uma quantidade muito maior de sono REM do que o normal. (…) Adicionalmente às pesquisas sobre privação de sono, encontra-se frequentemente que, na ausência de sono REM, a pessoa tem falta de concentração, ataxia, problemas de memória e linguagem, chegando até a experienciar alucinações (Schulze, 1997; Foulkes & Cartwright, 1999; Lindzey e cols., 1977). Por isso, Schulze (1997) afirmou que “o sono REM parece mais psicologicamente e menos fisicamente importante…” (p.1). Logo, parece haver indicações para se considerar que o argumento de que os sonhos seriam comportamentos filogeneticamente selecionados é legítimo.

6.4.6 – Ontogênese

(…) Pode-se afirmar que as pessoas só sonham com aquilo que lhes é conhecido, ou melhor, só sonham com aquelas partes do mundo às quais reagem discriminativamente. Logo, aprende-se a sonhar no sentido de que só vemos o que vemos de acordo com as contingências de reforçamento que fazem parte da nossa história ontogenética. Por exemplo, sabe-se que os esquimós podem diferenciar entre dezenas de tipo de neve e, embora possamos sonhar com a neve, dificilmente poderíamos identificar com que tipo de neve estamos sonhando, pois não tivemos um treino discriminativo com relação a esse estímulo ou, melhor, às suas propriedades. (…)

6.4.6 – Cultura

(…) Existem na literatura alguns exemplos que sugerem como o conteúdo dos sonhos pode ser também um produto social. Entre os índios norte-americanos, os sonhos eram considerados elementos integradores da religião (eram mensagens espirituais) e do sistema social, haja vista que os interpretadores de sonhos faziam parte da elite social. Como era exigido que os sonhos tivessem alguma informação importante para o grupo, esses índios parecem ter criado um “sonho padrão de cultura”, pois os sonhos, em geral, pareciam sempre envolver mensagens espirituais, premonições, e assim por diante; aquele indivíduo que sonhasse com mensagens que se provassem realmente positivas para o grupo eram recompensados (Pimentel-Souza e col., 2000). (…)
(…) Assim, pode-se afirmar que aquela prática considerada importante dentro de uma cultura e, mais estreitamente, dentro de certos grupos sociais, exerce forte controle sobre o comportamento dos membros que fazem parte dessa cultura. Os indivíduos, então, modificam e mantêm seus comportamentos de acordo com as contingências de reforçamento do grupo. Nossa cultura não tem o que se chamou (Pimentel-Souza e col., 2000) de um “sonho padrão de cultura”, no entanto, a prática de um grupo social pequeno pode também participar no controle do conteúdo dos sonhos. Por exemplo, uma pessoa que foi submetida a uma rígida educação religiosa, mas não tem honrado seus compromissos com a igreja pode sonhar com Deus a mandá-la ir à igreja. Ao relatar o sonho para a mãe, por exemplo, esta pode encaminhá-la para uma confissão. Fazendo isso, o sonhador pode ter seu comportamento reforçado pela mãe e a própria pessoa pode se “sentir aliviada” por tê-lo feito. Isto dificilmente ocorreria com alguém que não acreditasse em Deus, ou que, pelo menos, não tivesse sido exposto a contingências tão aversivas com relação à religião.

6.4.7 – Considerações Finais

A partir das análises aqui descritas, então, pode-se afirmar que a interpretação de um sonho é, praticamente, impossível sem o conhecimento da história de vida da pessoa e, mais especificamente, se não se conhecem as contingências de reforço com as quais ela está interagindo.
Disso, segue-se que os famosos dicionários de sonhos não podem responder pela singularidade de cada pessoa, pois um símbolo significaria a mesma coisa para todos os sonhos, a despeito do sonhador. É notório que a interpretação de sonhos baseada em símbolos é muito popular, porém, acredita-se que esses símbolos não levam em consideração, nem as diferenças individuais, nem as diferenças culturais entre as pessoas. Diferentemente de teorias baseadas em símbolos, como a de Freud e Jung (Lindzey e cols., 1977), acredita-se que os sonhos não têm um significado, mas sim que o significado é resultado de interpretações que diferem de acordo com a abordagem teórica ou filosófica do interpretador, enquanto um psicanalista vai interpretar os sonhos como, por exemplo, constituído de natureza sexual, um behaviorista vai interpretar os sonhos a partir das contingências de reforçamento responsáveis por eles.
O sonho é único para a pessoa que sonha até que ela torne público o seu sonho. E é exatamente com esse objeto, o relato de sonho, que o analista do comportamento trabalha. No entanto, assim como o sonho, a autodescrição também é produto de contingências de reforço da comunidade verbal. Logo, a capacidade de descrever os sonhos está relacionada com a habilidade da pessoa em discriminar seus eventos privados enquanto uma resposta verbal condicionada pela ação do grupo social no qual está inserida, como descrito anteriormente.
(…) Nesse sentido, embora o próprio indivíduo seja a pessoa, digamos, mais capaz de conhecer sua história e, assim, analisar as condições que os levaram a se comportar de determinada maneira, pela análise aqui exposta, considera-se que um analista do comportamento esteja melhor preparado para interpretar o relato dos comportamentos (públicos ou privados e, neste caso, os sonhos), uma vez que poderá determinar qual o contexto em que o comportamento aconteceu através da análise das relações funcionais observadas a partir das descrições da pessoa e pelo conhecimento prévio da história de reforçamento da mesma. É nesse contexto que os sonhos podem se relacionar com o auto-conhecimento, ou seja, o relato dos sonhos pode servir como instrumento para que o analista do comportamento leve a pessoa a discriminar as contingências das quais o comportamento é função. Neste caso, o analista do comportamento “está presumivelmente salientando relações causais que este [indivíduo] ainda não havia tomado consciência” (Skinner, 1974/1993, p. 30)

Ao final de toda esta análise dos sonhos, podemos resumir a posição behaviorista radical da seguinte forma:
- Para Skinner (1974/1993, 1968/1972), os sonhos são comportamentos encobertos (ver na ausência da coisa vista), sendo estudados, então, no âmbito da subjetividade;
- Dizer que os sonhos são comportamentos equivale dizer que os mesmos são produtos das histórias de condicionamento respondente e operante que se desenvolveram a partir de três níveis diferenciados de seleção e variação que respondem pela determinação do comportamento: filogênese, ontogênese e cultura;
- Para entender os sonhos, pode-se verificar as análises skinnerianas sobre o comportamento perceptual, mais especificamente, o ver;
- O comportamento de ver está relacionado com o controle de estímulos. As histórias de condicionamento respondente e operante respondem pelo comportamento de ver tanto na presença quanto na ausência dos estímulos;
- Pode-se dizer que aquilo com que sonhamos é produto de estímulos condicionados, discriminativos e reforçadores que estão presentes na história ambiental da pessoa. Além disso, Skinner (1968/1972, 1974/1993) valoriza, sobremaneira, o papel da privação e das emoções no comportamento de sonhar;
- A natureza dos sonhos e a aprendizagem do seu conteúdo é defendida com base na análise das histórias filogenética, ontogenética e cultural;
- A interpretação dos conteúdos de um sonho, bem como a análise entre as circunstâncias nas quais o sonho ocorreu são, praticamente, impossíveis sem o conhecimento da história de vida da pessoa e, mais especificamente, se não se conhecem as contingências de reforço com as quais ela está interagindo, pois o sonho não tem um significado, mas seu significado é tão somente resultado de interpretações, as quais dependem da história de vida do interpretador, aí inclusa a abordagem teórica ou filosófica adotada pelo mesmo;
- O relato dos sonhos pode ser usado como um instrumento para que o indivíduo discrimine as relações entre o conteúdo do sonho e as circunstâncias a que está exposto durante a vigília. Ou seja, o relato dos sonhos pode ser utilizado para alcançar o auto-conhecimento.

7 – Instituições Noturnas e os sonhos 
(Achamos por bem transformar o conteúdo deste ítem em um outro artigo à parte que proximamente será postado neste blog).


8 – Abordagem psicológica

Segundo o psicólogo Walter Boechat, cada pessoa carrega um mito pessoal, um conto de fadas preferido que acompanha toda a sua vida consciente. Essa historinha (que de "inha" não tem nada) pode aparecer como um sonho recorrente para falar da vida que o sonhador está levando. Walter Boechat conta que teve uma paciente, certa vez, que sonhava muito com grandes cabelos sendo cortados, com a figura da mãe-bruxa e com um casamento que a livrava da maldade materna. Tempos depois ele descobriu que o conto de fadas favorito da sonhadora era o da Rapunzel, assim, ela reproduzia o simbolismo no sonho e via o casamento como salvação, tal como na história.
Os sonhos são cargas emocionais armazenadas no inconsciente, que projetam imagens e sons, e, de acordo com Freud, como sabemos que os objetos nos sonhos são derivados de cargas emocionais, podemos, através deles, chegar à raiz ou seja às emoções que geraram essa imagem ou som. Sendo estudados corretamente pode-se descrever, ou melhor, conhecer o momento psicológico do indivíduo. Fazendo uma analogia, poderíamos pensar numa espécie de "fotografia" do inconsciente naquele momento. Por isso, o sonho sempre demonstra aspectos da vida emocional. Nos sonhos sua linguagem são o que Freud denomina símbolos. Para entender seus variados conteúdos, temos que reconhecer o que os símbolos representam nesse sonho. semelhante ao que foi estudado por Stanislavski, a simbologia dos sonhos não só está dada pelo contato que o criador do sonho teve com o objeto mas também com o caráter, ou seja, a forma que ele lida relaciona sentimentalmente esse objeto a coisas de sua vida, um exemplo prático o mar pode apresentar distintas simbologias (que são importantes para a interpretação dos sonhos se trata de descobrir a raiz) variando de pessoa a pessoa (inclusive a época) para alguns o mar pode significar destruição (o mar destruindo estruturas deixadas na praia) mas para outros invasão (a água avançando e invadindo território) de acordo com Freud o que a pessoa sente quanto a esse objeto ou essa situação é fundamental para a interpretação de sonho[2]."Os sonhos são a estrada real para o conhecimento da mente"[2]. Portanto as terapias psicanalíticas usam interpretação dos sonhos como um recurso para "elaborar". Carl Gustav Jung passou a se dedicar profundamente aos meios pelos quais se expressa o inconsciente. Em sua teoria, enquanto o inconsciente pessoal consiste fundamentalmente de material reprimido e de complexos, o inconsciente coletivo é composto fundamentalmente de uma tendência para sensibilizar-se com certas imagens, ou melhor, símbolos que constelam sentimentos profundos de apelo universal, os arquétipos.

8.1 – Sonho e Freud

Foi em 1900, com a publicação de A Interpretação dos Sonhos, que Sigmund Freud(1856-1939) deu um caráter científico à matéria. Naquele polêmico livro, Freud aproveita o que já havia sido publicado anteriormente e faz investidas completamente novas, definindo o conteúdo do sonho, geralmente como a “realização de um desejo”. Para o pai da psicanálise, no enredo onírico há o sentido manifesto (a fachada) e o sentido latente (o significado), este último realmente importante. A fachada seria um despiste do superego (o censor da psique, que escolhe o que se torna consciente ou não dos conteúdos inconscientes), enquanto o sentido latente, por meio da interpretação simbólica, revelaria o desejo do sonhador por trás dos aparentes absurdos da narrativa.

8.2 – Sonho e Jung

O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, baseado na observação de seus pacientes e em experiências próprias, tornou mais abrangente o papel dos sonhos, que não seriam apenas reveladores de desejos ocultos, mas sim, uma ferramenta da psique que busca o equilíbrio por meio da compensação. Ou seja, alguém masculinizado pode sonhar com figuras femininas que tentam demonstrar ao sonhador a necessidade de uma mudança de atitude.
Na busca pelo equilíbrio, personagens arquetípicas interagem nos sonhos em um conflito que buscam levar ao consciente conteúdos do inconsciente. Entre essas personagens, estão a anima (força feminina na psique dos homens), o animus (força masculina na psique das mulheres) e a sombra (força que se alimenta dos aspectos não aceitos de nossa personalidade). Esta última, nos sonhos, são os vilões. Um aspecto muito importante em se atentar nos sonhos, segundo a linha junguiana, é saber como o sonhador, o protagonista no sonho (que representa o ego) lida com as forças malignas (a sombra), para se averiguar como, na vida desperta, a pessoa lida com as adversidades, a autoridade e a oposição de ideias. Jung aponta os sonhos como forças naturais que auxiliam o ser humano no processo de individualização.
Ao contrário de Freud, as situações absurdas dos sonhos para Jung não seriam uma fachada, mas a forma própria do inconsciente de se expressar. Para o mestre suíço, há os sonhos comuns e os arquetípicos, revestidos de grande poder revelador para quem sonha. A interpretação de sonhos é uma ferramenta crucial para a psicologia analítica, desenvolvida por Jung.

8.3 – Sonho e sono REM

Existem outras correntes, que vêem o sonho de modo diverso. Os neurocientistas, de modo geral, afirmam que o sonho é apenas uma espécie de tráfego de informação sem sentido que tem por função manter o cérebro em ordem. Essa teoria só não explica como esses enredos supostamente desconexos são responsáveis por grandes insights, como em Thomas Edison, por exemplo. Existem muitos outros casos de sonhos reveladores em várias áreas da ciência e da arte, que todavia não impedem que os sonhos sirvam também para recuperar a saúde do organismo e do cérebro.

8.4 – Sonhos e revelações

A oniromancia, previsão do futuro pela interpretação dos sonhos, tem grande credibilidade nas religiões judaico-cristãs: consta na torá e na bíblia que Jacó, José e Daniel receberam de Deus a habilidade de interpretar os sonhos. No Novo Testamento, São José é avisado em sonho pelo anjo Gabriel de que sua esposa traz no ventre uma criança divina, e depois da visita dos Reis Magos um anjo em sonho o avisa para fugir para o Egito e quando seria seguro retornar à Israel.
Na história de São Patrício, na Irlanda, também figura o sonho. Quando escravizado, Patrício em sonho é avisado de que um barco o espera para que retorne à sua terra natal.
No Islamismo, os sonhos bons são inspirados por Alah e podem trazer mensagens divinatórias, enquanto os pesadelos são considerados armadilhas de Satã.
Filósofos ocidentais eram céticos quanto ao tema religião e sonhos, por alegarem que não haveria controle consciente durante os sonhos, mas estudos recentes analisando movimentos dos olhos (REM) durante o sono mostram resultados cientificamente comprovados com sonhos lúcidos, que se contrapõem às teorias anteriores.
Pensadores e matemáticos como René Descartes e Friedrich August Kekulé von Stradonitz também tiveram em sonhos visões reveladoras. Descartes, em viagem à Alemanha, teve uma visão em sonho de um novo sistema matemático e científico. Kekulé propôs a fórmula hexagonal dobenzeno após sonhar com uma cobra que mordia sua própria cauda.
Kaquinda

Referências
ALTMAN, Leon L. O Sonho em Psicanálise. trad. Alvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1971, 231 p.
BRENNER, Charles. Noções Básicas de Psicanálise. 3a. ed. trad. Ana M. Spira. Rio de Janeiro: Imago. 1975, 262 p.
da SILVA, Gastão Pereira. Enciclopédia de Psicologia e Psicanálise. 2a. ed. vol. II, Belo Horizonte: Itatiaia, 1970, 235 p.
FREUD, Sigmund. Obras Completas de Sigmund Freud. volumes II e III. trad. Odilon Gallotti. Rio de Janeiro: Delta, s/d.