Pasárgada

…Cheguei no momento da criação do mundo e resolvi não existir. Cheguei ao zero-espaço, ao nada-tempo, ao eu coincidente com vós-tudo, e conclui: No meio do nevoeiro é preciso conduzir o barco devagar.


Serei o que fui, logo que deixe de ser o que sou; porque quando fui forçado a ser o que sou, foi porque era o que fui.

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segunda-feira, 23 de maio de 2022

Projecto divino

 

Jesus, as crianças e o Reino de Deus

1 - Acolher o reino de Deus como uma criança

Um dia, alguém levou crianças até Jesus para que ele as abençoasse. Os discípulos opuseram-se. Jesus indignou-se e disse-lhes para deixarem as crianças chegar até ele. Depois disse-lhes: «Quem não receber o Reino de Deus como um pequenino, não entrará nele» (Marcos 10,13-16).

É útil lembrar que, anteriormente, foi a estes mesmos discípulos que Jesus dissera: «A vós é dado conhecer o mistério do Reino de Deus» (Marcos 4,11). Por causa do Reino de Deus, eles deixaram tudo para seguir Jesus. Procuram a presença de Deus, querem fazer parte do seu Reino. Mas eis que Jesus os adverte que, ao repelirem as crianças, estão justamente a fechar a única porta de entrada nesse Reino de Deus tão desejado!

Mas o que significa «acolher o reino de Deus como uma criança»? Normalmente interpreta-se como: «acolher o Reino de Deus como uma criança o faz». Isso corresponde a uma palavra de Jesus em Mateus: «Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu» (Mateus 18,3). Uma criança confia sem reflectir. Não pode viver sem confiar nos que estão à sua volta. A sua confiança não é uma virtude, é uma realidade vital. Para encontrar Deus, o melhor de que dispomos é o nosso coração de criança, que está aberto espontaneamente, ousa pedir com simplicidade, quer ser amado.

Outra interpretação possível é: «acolher o Reino de Deus como se acolhe uma criança». Pois o verbo «acolher» em geral tem o sentido concreto de «acolher alguém» (Marcos 9,37). Nesse caso, é ao acolhimento dado a uma criança que Jesus compara o acolhimento da presença de Deus. Há uma secreta conivência entre o reino de Deus e uma criança.

Acolher uma criança é acolher uma promessa. Uma criança cresce e desenvolve-se. É assim que o reino de Deus nunca é na terra uma realidade acabada, mas sim uma promessa, uma dinâmica e um crescimento inacabado. E as crianças são imprevisíveis. Neste relato do Evangelho, chegam quando chegam, e obviamente não chegam no momento certo, de acordo com os discípulos. Mas Jesus insiste que é necessário acolhê-las visto que estão lá. É assim que é necessário acolher a presença de Deus quando ela se apresenta, quer seja numa boa quer seja numa má altura. É necessário entrar no jogo. Acolher o Reino de Deus como se acolhe uma criança é manter-se atento e rezar para o acolher quando ele chega, sempre inesperadamente, a horas ou fora de horas.

2 - Atenção de Jesus às crianças

Um dia, os doze apóstolos discutiam para saberem quem era o maior (Marcos 9,33-37). Jesus, que adivinhou os seus pensamentos, disse-lhes uma palavra desconcertante que confunde e abala as suas categorias: «Se alguém quiser ser o primeiro, há-de ser o último de todos e o servo de todos».

A esta palavra, juntou o gesto. Foi buscar uma criança. Terá sido uma criança que encontrou abandonada na esquina de uma rua de Cafarnaúm? Trouxe-a, «colocou-a no meio» dessa reunião de futuros responsáveis pela Igreja e disse-lhes: «Quem receber um destes meninos em meu nome é a mim que recebe». Jesus identifica-se com o menino que acaba de receber nos braços. Afirma que é «um destes meninos» que melhor o representa, de tal forma que receber um menino desses é o mesmo que acolhê-lo a ele próprio, Cristo.

Pouco antes, Jesus tinha dito estas palavras enigmáticas: «O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens» (Marcos 9,31). «O Filho do Homem» é ele próprio e são simultaneamente todos os filhos dos homens, quer dizer todos os seres humanos. A palavra de Jesus pode compreender-se: «os seres humanos estão entregues ao poder dos seus semelhantes». É sobretudo quando Jesus é preso e mal tratado que se verificará, mais uma vez, que os homens fazem o que quer que seja feito aos seus semelhantes que estejam indefesos. Que Jesus se reconheça na criança que foi buscar já não é assim de espantar, pois, tantas vezes, também as crianças são entregues sem defesa àqueles que têm poder sobre elas.

Jesus deu particular atenção às crianças porque queria que os seus dessem uma atenção prioritária aos desprotegidos. Até ao fim dos tempos, serão os seus representantes na terra. O que lhes fizerem é a ele, Cristo, que o farão (Mateus 25,40). Os «mais pequenos dos seus irmãos», os que pouco contam e que são tratados de qualquer maneira, porque não têm poder nem prestígio, são o caminho, a passagem obrigatória, para viver em comunhão com Ele.

Se Jesus pôs um menino no meio dos seus discípulos reunidos, foi também para que eles próprios aceitassem ser pequeninos. Explicou-lhes isso no seguinte ensinamento: «Seja quem for que vos der a beber um copo de água por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa» (Marcos 9,41). Indo pelos caminhos para anunciar o Reino de Deus, os apóstolos também serão «entregues nas mãos dos homens»: Nunca saberão de antemão como irão ser acolhidos. Mas até para aqueles que os acolherem apenas com um simples copo de água fresca, mesmo sem os levarem a sério, os discípulos terão sido portadores de uma presença de Deus.

3 - “Deixai vir a mim as crianças, porque delas é o Reino dos Céus”

Em Junho celebramos o mês das crianças por isso é bom reflectirmos sobre a passagem que o Evangelista Marcos nos mostra como era o relacionamento de Jesus com as crianças:

 Depois disso, alguns levaram crianças para que Jesus tocasse nelas. Mas os discípulos os repreendiam. Vendo isso, Jesus ficou zangado e disse: “Deixem as crianças virem a mim. Não lhes proíbam, porque o Reino de Deus pertence a elas. Eu garanto a vocês: quem não receber como criança o Reino de Deus, nunca entrará nele. Então, Jesus abraçou as crianças e abençoou-as, pondo a mão sobre elas”. Mc 10,13-16

É muito importante entendermos como era a situação das crianças no tempo de Jesus: excepto os filhos homens, primogénitos, as demais crianças eram desvalorizadas pelos adultos, sendo inclusive marginalizadas. Diante disso elas não possuíam dignidade. Jesus então aproveita a oportunidade para chamar a atenção da sociedade para aquela situação discriminatória e nos mostra a importância das crianças em nossos ministérios. Para ele todos somos importantes independentemente da condição e da idade.

Jesus afirma que o Reino de Deus é das crianças e daqueles que se assemelham a elas. Quais são as qualidades que Ele vê de especial nas crianças?

Para respondermos essa pergunta basta olharmos para a essência das crianças. Ao fazermos isso logo pensamos na humildade, elas não se acham melhores que os outros, não discriminam sendo elas ricas ou pobres, pretas ou brancas, gordas ou magras. Em uma sala de aula, por exemplo, elas entram conversam, brincam com todos sem fazer qualquer distinção. Estão sempre abertas para o novo, sempre querendo aprender e para novas descobertas, isso sem entrar em crise, com naturalidade e sem medo. Para elas o importante é o agora, por causa da sua idade, pouco tem a dizer sobre o seu passado e muito menos sobre o futuro, por isso não se importam com o amanhã, e esse é vivido com intensidade, com vigor e entusiasmos.

Ser como criança, para Jesus, é receber a graça do reino de forma gratuita, como se fosse um presente, ou seja, não achando que merecemos por nossas boas obras. Ele nos mostra que o reino não é para os arrogantes, para os que se acham merecedores do reino. Só entrará no Reino aqueles que tiverem um coração sensível e acolhedor da justiça e do amor. Precisamos viver exercitando a caridade, a gratuidade e o amor. É de essencial importância nos despirmos da malícia e dos defeitos próprios dos adultos, para então reformarmos nosso carácter e reprimirmos as más tendências.

“Na criança, há algo que nunca poderá faltar em quem deseja entrar no Reino dos Céus. Ao Céu, estão destinados aqueles que são simples como as crianças, quantos são cheios de confiante abandono, ricos de bondade e puros como elas. Só esses podem encontrar em Deus um Pai, e tornarem-se, por sua vez e graças a Jesus, igualmente filhos de Deus”. (João Paulo II)

“Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos”. (Mt 11, 25)

Crianças, nossa missão – Notas práticas para o cristão

Temos uma tarefa na igreja em relação às crianças, segundo o ensino de Jesus Cristo.

1. Precisamos, como igreja, receber as crianças (Mateus 19.13). Nunca rechaçá-las, sob qualquer pretexto. Elas são diferentes de nós, no interesse, na retenção, nos movimentos. Elas estão em formação: por isto, Jesus é tão duro contra quem lhes servir de tropeço, ao lembrar que uma marca (feita numa criança) vai ficar para sempre.

2. Precisamos, como igreja, colocá-las no colo (Marcos 9.36), cuidando delas.

3. Precisamos, como igreja, abençoar as crianças (Mateus 19.15 -- Jesus lhes impôs as mãos, como se tendo as mesmas necessidades espirituais do que as adultas). Como elas não dão retorno (na política, não votam; na igreja, "só dão trabalho e despesa"), Jesus nos pede para cuidarmos delas como se estivéssemos cuidando dEle (a quem amamos, servimos e adoramos) .

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Crianças, com quem aprendemos

Aprendemos muito com as crianças. Para entrarmos no Reino de Deus (isto é, sermos salvos), precisamos nos tornar crianças.

1. Precisamos nascer de novo como crianças recém-nascidas (a exemplo do que Jesus ensinou a Nicodemos -- João 3). Jesus toma o nascimento biológico como uma metáfora para indicar que, para entrarmos no Seu Reino, precisamos ser gerados outra vez. Nascer, na verdade, não é um verbo que nós conjugamos; na verdade, somos nascidos. É o Espírito Santo que nos nasce. precisamos desejar nascer. Quando nascemos de novo temos um novo corpo moral e espiritual; ficamos com a cara do Pai. Nascemos de novo quando recebemos a Jesus como Senhor e Salvador. Onde Jesus estava, ali estavam as crianças, sem medo de serem consideradas como seus discípulos.

2. Precisamos ser humildes como crianças inocentes (Mateus 18.4 -- "Portanto, quem se faz humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos céus").

Jesus usou a a humildade das crianças para demonstrar a humildade necessária para se entrar no Reino dos céus. Alguém dirá que as crianças também se gabam. Sim, elas se gabam porque também são pecadoras; elas se gabam imitando seus pais ou pessoas próximas.

No entanto -- e é isto que Jesus quis que reconhecemos -- a humildade das crianças não advém de uma declaração que façam, mas de sua própria condição de fragilidade. As crianças são naturalmente fracas. Reconheçam-no ou não: elas são frágeis. Não são capazes de sair, por si mesmas, de situações difíceis. Não são capazes de produzir seu próprio pão. A condição humana está perto da criança; não aprendeu ainda a pôr a mascara da perfeição. (Quando aprende, deixa de ser criança; perde a inocência).

Como são naturalmente fracas, as crianças se deixam alimentar. Por isto, pedem e esperam.

Como são naturalmente fracas, as crianças se  deixam ensinar. É por isto que perguntam tanto... Adultos querem ensinar; crianças se deixam ensinar. Crianças são naturalmente alunas. Elas não sabem ainda o que é a vida; por isto, se deixam ensinar. Como as crianças, deixemo-nos ensinar por Jesus Cristo (por meio da igreja). O processo é claro: quem nasceu de novo precisa aprender. E precisamos continuar aprendendo com Jesus. muitos mestres a nos ensinar; ouçamos a todos, mas comparemos estes ensinos com os de Jesus. São os dEles que nos fazem felizes.

3. Precisamos louvar, como as crianças (Mateus 21.16-- "Sim, vocês nunca leram: `Dos lábios das crianças e dos recém-nascidos suscitaste louvor’"?). Jesus cita o Salmo 8, que diz

"Dos lábios das crianças e dos recém-nascidos firmaste o teu nome como fortaleza".

Com as crianças aprendemos:

O louvor não é uma técnica; antes, é a linguagem do Espírito Santo que flui através de nós. Este é o perfeito louvor, que não exclui o treino, mas o treino é secundário (primária é a atitude, própria de quem deixa o Espírito Santo fluir na sua vida.). O louvor é o poema de Deus se expressando por nosso intermédio; apenas declamamos o poema que o Espírito Santo compõe.

O louvor nasce da dependência de Deus. As crianças (especialmente as de peito) relaxam quando são alimentadas. Devemos cantar como elas cantam, como os pássaros, que cantam quando são alimentados. Quando relaxam as crianças (ou cantam os pássaros), estão se alegrando na dependência de Deus.

O louvor, por isto mesmo, é sempre uma ação de graças. Não louvamos para ensinar a Deus ou ao crente, louvamos para agradecer a Deus. Não louvamos para pedir algo a Deus; louvamos para dar graças a Deus. Não louvamos para ser abençoados; louvamos porque somos abençoados e, abençoados, reconhecemos que foi Deus quem fez e, reconhecendo, cantamos.

 

 

Gabela, Maio de 2022

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