O PENSAMENTO KANTIANO E SUA
FILOSOFIA CRÍTICA
Com este título, queremos
aqui dar uma vista de olhos à Obra de Kant, apresentando as indeias principais
que ele nos deixou, contextualizando-as na história da Filosofia Ocidental. É
extrato de um texto resultante de pesquisas e reflexões que temos feito sobre a
herança filosófica que Kant nos deixou.
Falando de filosofia crítica
kantiana estamos em sua arquitetônica filosófica – as chamadas Críticas
(Crítica da Razão Pura, Crítica dos Costumes e Crítica do Juízo).
Devemos considerar, desde
início que a Obra de Kant, geralmente, é dividida em duas grandes fases, a primeira,
chamada Pré-Crítica, que vai de 1755
a 1770, e a segunda de Criticismo, de
1781 até 1790. Na fase pré-crítica, Kant debate todo tipo de tema, indo desde a
teoria do céu - História Universal da
Natureza e Teoria do Céu, publicado anonimamente em 1755 – até os silogismos
de lógica clássica – Acerca da Falsa Sutileza das Quatro Figuras do Silogismo (1762). Aqui, não há ainda uma organização sistemática
dos conceitos e idéias trabalhados. Mas já podem ser notadas noções que serão mobilizadas
e sistematicamente agrupadas, mais tarde. A partir de sua famosa Dissertação de
70, ou Acerca da Forma e dos Princípios
do Mundo Sensível e do Mundo Inteligível, Kant lança a linha de pesquisa e os
conceitos principais que orientarão o plano arquitetônico de sua fase crítica, ao
mesmo tempo em que conseguia uma almejada colocação na Universidade de Koenigsberg.
Durante os onze anos que se seguiram,
monta então um método de análise das questões metafísicas que só terá seus alicerces
expostos por inteiro na primeira crítica, a Crítica
da Razão Pura (1781, doravante CRP).
Com CRP, fica estabelecida a divisão fundamental das faculdades do pensamento em
três partes: conhecimento, juízo e razão.
O conhecimento da natureza objetiva das coisas é tratado pela própria CRP. A razão
e suas idéias de liberdade e vontade boa são abordadas na Crítica da Razão Prática (1788). À
Crítica da Faculdade de Julgar(1790, doravante CJ), restou o tratamento
dos limites da formação de proposições técnicas e da arte, ao realizarem um fim
na natureza.
Em sua fase crítica, Kant escreveu
vários outros opúsculos – de "O
Que é Esclarecimento?", de 1783, até
Lógica (1800) - que preparavam
a passagem de uma etapa da crítica para outra; divulgava os pontos principais de
seu método; além de debater as disciplinas da história, do direito, política, educação,
religião, antropologia e lógica, sempre sob a ótica do criticismo.
Os textos de Kant diretamente
relacionados com a arte são o opúsculo pré-crítico“Observações sobre o Sentimento
do Belo e do Sublime” (1764) e a Crítica do Juízo (CJ). Porém, a CRP traz definições importantes
acerca do conceito de estética e do papel da imaginação que, se forem ignoradas,
podem gerar interpretações equivocadas em relação à sua concepção de arte. Em Observações, são relacionadas várias
noções, hipóteses e exemplos de sentimentos de gosto e moral. O texto carece de
definições mais precisas. As duas primeiras seções esboçam uma teoria do gosto e
da moral, enquanto as terceira e quarta seções traçam uma visão antropológica dos
caracteres humanos, a qual foi alvo de ataques das feministas, no século XX. Contudo,
sua leitura serve como roteiro inicial dos conceitos e idéias que serão melhor trabalhados
na CJ. São visíveis as influências dos filósofos escoceses, o que lhe valeu a alcunha
de “Hume prussiano”. Em suma, são os projetos de uma futura crítica da razão prática
e do gosto que se encontram ali.
Na "Estética" e na "Lógica
Transcendental", que subdividem a CRP, há uma definição de estética, como
forma da sensibilidade, que difere radicalmente do uso comum do termo lançado por
Baumgarten. Para Kant, os juízos relacionados à arte dizem respeito à faculdade
do juízo e formação do gosto (teoria da arte, como técnica de realização de um fim
da natureza). Por outro lado, a estética kantiana visa definir os limites da sensibilidade
na forma dos conceitos de espaço e tempo, que antecedem a toda experiência sensível.
Além disso, a CRP faz a classificação das faculdades mentais; da imaginação, razão,
entendimento e sensibilidade, bem como as definições conceituais que servem de base
a todo sistema kantiano, incluindo a CJ.
Na CJ, essas classificações reaparecem
ao mesmo tempo em que se busca apontar a finalidade da natureza humana, antecipando
a resposta à pergunta “o que é o homem?”, que só aparecerá publicada na Lógica.
Tal como nas Observações, é um passo para sua antropologia filosófica, mas agora
sistemático e consistente. Aqui, se encontram as limitações de universalização dos
juízos de gosto, em seu lugar sendo postulada, entretanto uma generalização argumentada.
É o famoso conflito entre objetividade e subjetividade que atravessa toda arte moderna.
A solução recairá sobre a tentativa de consenso. Um achado que influenciará Hannah
Arendt (1906-1975) e Juergen
Habermas dois séculos depois. Também é discutido o papel dos interesses
e definidos o belo e o sublime. Por fim, há uma caracterização do gênio artístico
que incendiará as mentes de Hegel e Schopenhauer, forjando todo movimento romântico
do século XIX.
Observações e Primeira Crítica
Embora as Observações sejam consideradas obra da juventude de Kant,
o fato é que seu autor já completava 40 anos na época de sua publicação. A razão
pela qual não se permite incluir os artigos deste período entre os textos maduros
decorre do método rigoroso estabelecido pelo próprio Kant para expor seu pensamento,
após a Dissertação de 70. Por conta
disso, os títulos anteriores a 1770 são geralmente caracterizados como assistemáticos
e carentes de definições mais precisas em vários campos.
Contudo, autores, como Hannah
Arendt, chamam atenção para a importância desses pequenos ensaios iniciais quando
se trata de interpretar os últimos textos da fase crítica ou os temas que só foram
abordados em pormenor no final da vida de Kant, afetada aqui e ali pela senilidade.
As questões ligadas à arte estão entre aquelas atingidas por essas circunstâncias.
Depois das Observações, Kant só
veio trabalhar diretamente o assunto em 1790, com a publicação de CJ, sua terceira
e última grande obra crítica.
As Observações são ainda marcadas pela influência do conceito
de benevolência de David
Hume (1711-1776), bem como todas as teorias sobre o sentimento moral
debatidas desde o lorde e filósofo inglês Anthony Ashley Cooper (terceiro conde
de Shaftesbury, 1671-1713), autor de Investigações sobre a Virtude (1699), até o filósofo e economista escocês
Adam Smith (1723-1790) - Teoria dos
Sentimentos Morais (1759). Kant ainda
se percebia próximo às origens escocesas de sua família, a ponto de ser chamado
de “Hume prussiano” pelo teólogo alemão Johann Georg Hamann (1730-1788), um conterrâneo
seu. Não obstante, na passagem para o criticismo, toda essa presença dos sentimentos
morais será minimizada em função dos ditames da razão. É só no final da Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785) que haverá uma ligeira retomada dos sentimentos
como motivação relevante para moralidade [1], mas que logo se desfaz com o lançamento da Crítica da Razão Prática (1788), onde perdem lugar em definitivo para
o faktum da razão.
Nas Observações, as concepções de arte estão
misturadas com moral, antropologia e mesmo com política – caso se aceite a tentativa
de Arendt resgatar aspectos sociológicos em Kant, desde a fase pré-crítica [2]. Para quem pretende investigar a teoria da arte kantiana, entretanto,
faz-se necessário procurar refinar suas primeiras concepções sobre o tema, a fim
de evitar distorções na leitura posterior dos mesmos conceitos na CJ. Além do mais,
tratam-se de meras observações ou descrições e não de argumentação ou justificação
filosófica.
Ao longo das três críticas, as
faculdades mentais humanas foram sendo criteriosamente classificadas. A CRP procurou
delimitar o alcance da razão, enquanto buscava um fundamento seguro para a produção
do conhecimento racional. A Crítica
da Razão Prática expôs a faculdade
da razão prática e sua capacidade de formular leis que orientassem a ação humana.
Por fim, a CJ visou apresentar o método de subsunção dos conceitos aos fenômenos
e a consequente formação de juízos de avaliação, incluindo o gosto artístico.
Observações de um Filósofo
Logo no primeiro parágrafo do
ensaio de 1764, as sensações de prazer são consideradas atributos próprios dos seres
humanos, um sentimento que lhes seria interno, e nunca o efeito de uma característica
qualquer das coisas externas. Com isso, Kant descartava de imediato toda teoria
das formas platônicas que colocasse a beleza em um mundo harmônico ideal, completamente
independente do sujeito. Porém, ao propor critérios de avaliação de modo subjetivo,
um velho problema ressurge toda vez que se postula valores artísticos objetivos
perante outro sujeito. Só depois de descartadas as soluções sentimentalistas dos
escoceses, um quarto de século mais tarde, é que tentou Kant resolver a questão
da objetividade apelando a uma solução de compromisso pela plausibilidade, através
de um consenso discursivo, na CJ.
Enquanto essa resposta comunicativa
não vinha, a universalização dos valores, em arte, seguiu a sugestão de Francis
Hutcheson (1694-1746), Hume e outros que defendiam sentimentos naturais partilhados
pela maioria da humanidade, sem mais se argumentar em favor de critérios tão subjetivos.
Subjetividade, aliás, que seria uma constante em toda arquitetônica kantiana. Assim,
nas duas primeiras críticas, o fato da racionalidade passará a ser suficiente para
garantir a objetividade do conhecimento e deveres morais impostos pela faculdade
da razão. Já na terceira crítica, por se tratar do gosto, o apelo a uma faculdade
de julgar não será o bastante para apontar um objeto ou juízo valorativo capaz de
ascender a universalização, sem a observância de uma finalidade na natureza (teleologia),
ou pelo menos um consenso argumentado.
Antes de chegar a essa conclusão, nas Observações, Kant expõe apenas o ponto
de vista de um observador comum que se abstém de argumentar como filósofo ao descrever
o sentimento do belo e do sublime. À primeira vista, percebe-se, no entanto, que
os candidatos ao gosto refinado precisam atender a certos requisitos, como, por
exemplo, estar o mais distante possível das inclinações [3]. Os sentimentos do belo e do sublime teriam por função proporcionar
sensações para coisas agradáveis e leves; bem como para objetos imponentes e intensos,
respectivamente. Ou seja, para fruição da beleza e contemplação do sublime. Esses
sentimentos, por sua vez, estariam relacionados a três temperamentos típicos: o
melancólico, o sanguíneo e o colérico, sendo os fleumáticos considerados completamente
destituídos de sentimentos morais.
A partir da segunda seção, o entendimento
é posto ao lado das coisas sublimes, enquanto as habilidades práticas são vinculadas
ao belo. Estas e outras tantas classificações arbitrárias implicariam também na
possibilidade de se considerar belos e sublimes aspectos contraditórios, viciosos
e a fraqueza moral, ressalvadas as deliberações da razão em contrário. Nesses casos,
fica flagrante alguma dose de relativismo nas definições do gosto que Kant não tenta
refutar àquela altura, nem explicar [4]. Mas fica também evidente que uma atribuição superficial do
belo e do sublime pode ser feita sempre que esta for calcada em aparências ou condição
social, nas deliberações sobre o assunto.
Para haver um equilíbrio nas ponderações,
é preciso que se recorra a uma harmonia nas proporções que seja própria à natureza
humana [5]. Nesse sentido, sempre que se seguisse princípios adequados
poder-se-ia chegar ao sublime. Porém, as virtudes que conduzissem ao cumprimento
do dever e à inclusão universal da humanidade seriam pertinentes ao sublime. Surge
aqui, então, a necessidade básica de se encontrar regras restritivas das ações e
das influências das inclinações, no intuito de permitir o florescimento da verdadeira
virtude (amor universal pela humanidade - [6]).
Moral e arte misturam-se em função
da dignidade humana, orientando as escolhas que considerem os interesses de todos.
Tais sentimentos sublimes seriam encontrados em pessoas com caráter melancólico.
Ao passo que, os sanguíneos e os coléricos tenderiam ao belo. Já os fleumáticos
seriam desprovidos de sentimentos refinados.
Em suma, as duas primeiras seções
das Observações mostram, em geral, que, para se alcançar o sublime,
alguns elementos críticos sugeridos são necessários, tais como conexões entre as
sensações e o entendimento, vinculação a princípios, universalização dos interesses,
restrições às inclinações e um projeto da natureza para os seres humanos.
O Conceito de Estética
A sistematização de todas essas
concepções começa a partir da CRP. O plano arquitetônico esboçado por Kant obrigou,
entretanto, que se rejeitasse as iniciativas pioneiras de Alexander G. Baumgarten,
sobretudo no que dissesse respeito ao conceito de estética. Em sua obra monumental Aesthetica (1750/58), Baumgarten havia proposto uma definição
para o termo “estética” como a ciência das coisas sensíveis, incluindo aí a faculdade
de julgar e a possibilidade de se chegar ao aperfeiçoamento do conhecimento sensitivo
[7].
Kant opôs-se a esse projeto e,
na CRP, restringiu o uso do termo “estética” apenas à consideração das formas da
sensibilidade, única parte da crítica do gosto digna de ser considerada científica,
isto é, capaz de contribuir para formação das leis a priori do conhecimento, em geral. Quanto à faculdade
de julgar, ou o Juízo, caberia ainda um lugar de destaque na Crítica, mas a análise
completa dedicada apenas ao gosto só apareceria na publicação da CJ, nove anos mais
tarde.
O objetivo de Kant na primeira
crítica era encontrar uma base sólida para a metafísica, ou do conhecimento filosófico
puro. Kant pensava que a física, a matemática e a geometria de seu tempo já haviam
encontrado formas de conhecimento que satisfizessem seu estatuto científico, enquanto
a metafísica não era capaz de fornecer, sequer, um juízo sintético a priori. Com isso, Kant queria dizer que
para uma atividade ser considerada científica era preciso que esta apresentasse
proposições, ou enunciados, que fornecessem informações adicionais sobre o sujeito
estudado e, além disso, que transcendessem a qualquer experiência, isto é, que fossem
entendidas sem o recurso das relações aparentes das coisas materiais, mas passíveis
de universalização. Tal juízo deveria estar livre do contato com a experiência,
para ser um instrumento preciso da razão humana. A posse de um conhecimento puro
seria importante para qualquer ciência, uma vez que tal conhecimento garantiria
a sua necessidade e fundamentação para suas hipóteses.
Todas as ciências teóricas - a
matemática, geometria e a física -, imaginava Kant, teriam juízos sintéticos a priori como seus princípios fundamentais, caberia agora
à metafísica encontrar seus princípios sintéticos uma vez que ela teria como fonte
apenas o conhecimento puro a priori.
O passo seguinte para solucionar esse problema seria descrever a estrutura da razão
que produz tais juízos. Na "Doutrina
Transcendental dos Elementos", primeira divisão da CRP, Kant apresentou
em primeiro lugar uma "Estética
Transcendental", onde mostrava os princípios da sensibilidade a priori. A sensibilidade, nesse sentido, seria a
capacidade de receber representações dos objetos percebidos. Através da sensibilidade
os objetos são dados e a intuição empírica é fornecida, de acordo com as sensações provocadas
pelos objetos. Os objetos da intuição empírica são chamados fenômenos. Os conceitos relativos aos
fenômenos são gerados pelo entendimento,
tendo por base apenas as intuições da sensibilidade. Além das intuições empíricas,
a sensibilidade forneceria as intuições
puras como formas próprias, não dependentes
de um objeto real dos sentidos, mas a condição para que estes sejam percebidos em
sua figura e duração. Tais intuições puras a
priori seriam o sentido externo do espaço, onde os objetos são representados
como sendo do lado de fora do sujeito, e o sentido interno do tempo que representa dentro do sujeito a sensação
de passagem ou permanência de um objeto. Tempo e espaço não seriam conceitos empíricos,
mas a condição da sensibilidade para que a experiência se tornasse possível, portanto,
antecedendo a esta.
Logo, na Estética Transcendental, a sensibilidade
ocupa um lugar central como a faculdade receptiva das representações em seu contato
com o mundo empírico. Destarte, produziria intuições que depois de serem sintetizadas
pelo entendimento, gerariam conceitos sensíveis ou puros. Quando puras, as intuições
corresponderiam às formas da sensibilidade que abrem passagem para as coisas externas
e internas, por meio do espaço e do tempo, respectivamente. Estes são os principais
conceitos da sensibilidade, existentes antes de qualquer experiência (a priori),
que autorizam conceber a estética transcendental como uma ciência da faculdade representativa,
tal como Kant entendia as ciências, no lugar da estética geral, ou crítica do gosto,
que ele criticava em Baumgarten.
A Faculdade de Julgar
Depois disso, restaria detalhar
como o entendimento produz as representações e o conhecimento daquilo que é percebido
pela sensibilidade. A Lógica Transcendental vem determinar a origem e o alcance desses conhecimentos.
Na estética, Kant concluiu que só é possível ter intuições sensíveis e que as supostas
intuições puras, nada mais são que as formas puras da sensibilidade - espaço e tempo
- que permitem a percepção externa e interna dos objetos. Assim, apoiado em intuições
sensíveis o entendimento deveria pensar os objetos, a fim de gerar o conhecimento,
pela união da intuição com o pensamento. Não obstante, para que fosse um conhecimento
puro conveniente à metafísica, a lógica transcendental deveria analisar também se
existe algum conceito realmente puro e independente da sensibilidade. Caso houvesse,
esse conhecimento oriundo de idéias transcendentais seria o objeto adequado da razão
pura.
A Lógica Transcendental, em resumo, estaria
voltada para o estabelecimento de regras do entendimento e a consequente formação
do conhecimento. Além disso, nesta parte seria feita a análise geral da imaginação
e da faculdade de julgar, em geral, mas que são também pertinentes à teoria da arte.
Ao tratar da imaginação [8], Kant lhe atribui um papel importante, pois, uma vez que o sujeito
atinja a unidade sintética da apercepção – a consciência de si mesmo como um Eu
capaz de garantir objetividade as suas formas de pensamento (categorias de quantidade,
qualidade, relação e modalidade) -, nela seriam formados esquemas dos objetos e
do próprio sujeito consciente que proporcionariam ao juízo relacionar os conceitos
gerados pelo entendimento aos fenômenos. A imaginação poderia fazer representar
os diversos objetos, mesmo sem estes estarem presentes na intuição sensível. O entendimento só seria capaz de fazer a síntese intelectual
do conhecimento a priori. Para fazer
a síntese figurada da diversidade dos objetos seria preciso, então, a participação
da imaginação.
Neste ínterim, a função da faculdade
de julgar estaria em ligar os esquemas da imaginação produtiva com os fenômenos,
subsumindo-os às regras fornecidas pelo entendimento.
Nesta tarefa, o Juízo dependeria tão somente do “bom senso”, uma prática que não
pode ser ensinada, por se tratar de um dom natural de cada um [9]. Graças ao Juízo, o entendimento poderia operar os esquemas
e chegar ao conhecimento fenomenal, relacionando-os, por sua vez, com as categorias
engendradas pelo sentido interno na síntese do sujeito. Por fim, os objetos passariam
a fazer sentido e o universal poderia ser vinculado à experiência, embora o conhecimento
da coisa em si, continuasse sempre inacessível aos humanos.
No restante da CRP, Kant se esforçou
em demonstrar as limitações da razão pura ao estabelecer seus raciocínios e idéias
transcendentais, enquanto tentava expor as dificuldades da mente humana em resolver
os problemas (antinomias) inerentes à existência de objetos simples ou compostos;
às idéias psicológicas, da existência da alma ou de sujeitos absolutos; cosmológicas,
sobre a origem e infinitude do universo; e teológicas, existência de um ser supremo.
Assuntos que não estão diretamente ligados à teoria da arte, mas a do conhecimento.
A antinomia que diz respeito aos juízos estéticos se refere à necessidade ou não
de conceitos para limitação da diversidade dos conteúdos. Assunto pertinente à dialética
da CJ.
Notas
1. Veja KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes,
III seç., B 123.
2. Veja ARENDT, H. Lições sobre a Filosofia Política de Kant,
I liç., p. 15.
3. Veja KANT, I. Observações sobre o Sentimento do Belo e
do Sublime, I seç, p. 21.
4. Veja KANT, I. Op. cit., II seç., pp. 26 e 27.
5. Veja KANT, I. Idem, II seç., p. 28.
6. Veja KANT, I. Ibidem, II seç., p. 31.
7. Veja BAUMGARTEN, A.G. Estética, part. I, § 116, part. II, cap. I, seç. IX, § 607, e part. III, cap. I, seç. I, § 14.
8. Veja KANT, I. Crítica da Razão Pura, §24, B 150 e ss.
9. Veja KANT, I. Op. cit., “analítica dos princípios”,
B170 e ss.
Bibliografia
ARENDT, H. Lições sobre a Filosofia Política de Kant; trad.
André D. de Macedo. – Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.
BAUMGARTEN, A.G.. Estética; trad. Mirian S. Medeiros. –
Petrópolis: Vozes, 1993.
KANT, I. “Observações sobre o Sentimento do Belo e do Sublime”;
trad. Vinícius de Figueiredo. – Campinas: Papirus, 1993.
____. Crítica da Razão Pura; trad. Alexandre F. Morujão
e Manuela P. dos Santos. – Lisboa: Caloute Gulbenkian, 1989.
____. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, in Textos Selecionados;
trad. Paulo Quintela. – São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores).
2 - Dupla Introdução ao Juízo
A Crítica da Razão Pura (1781) levou uma década para ser elaborada. A dificuldade
de compreensão do texto era tanta que obrigou uma segunda edição, revista e melhorada,
em 1787. Nesse intervalo, Immanuel Kant (1724-1804) trabalhou na continuação de
seu projeto filosófico. Em 1785, lança a Fundamentação da Metafísica dos Costumes, que seria complementada pelaCrítica da Razão Prática,
em 1788. Na primeira crítica, procurava resolver os problemas fundamentais do conhecimento
teórico da natureza. Na segunda, voltou-se imediatamente para moral, ou o conhecimento
prático das leis que comandam as ações humanas.
Porém, Kant deve ter sentido falta de
justificações razoáveis para a forma como são feitas as avaliações sobre as ações
e sobre as relações causais dos objetos da natureza. Ato contínuo, partiu para composição
da Crítica da Faculdade
de Julgar, ou simplesmente Crítica do Juízo, publicada dois anos depois da segunda crítica.
A Crítica do Juízo (CJ) visava preencher a lacuna existente entre os dois mundos, sensível e
supra-sensível, o que exigia uma terceira repartição da filosofia. Além da divisão
em teórica e prática, caberia a inclusão da estética, em uma nova classificação,
onde se encontrariam os juízos a priori
da faculdade de julgar, ainda que fossem subjetivos
e não uma base sólida para o conhecimento objetivo da natureza. As dificuldades
de apresentar essa nova divisão do sistema filosófico, que abrigasse os juízos estéticos,
forçaram a formulação de duas introduções dedicadas a esclarecer o novo quadro esquemático
das faculdades mentais humanas.
Na primeira introdução, que foi substituída
por uma outra mais concisa logo na primeira edição da CJ, o método da crítica, criado
por Kant, aparece como um instrumento de investigação do sistema filosófico que
se põe à parte deste, com intuito de criticar a sua possibilidade de conhecer algo
verdadeiro. Dessa perspectiva, os princípios científicos da realidade seriam divididos
em filosofia teórica e prática, subentendidas em filosofias da natureza e dos costumes,
respectivamente, cujos conhecimentos seriam empíricos ou puros (a priori).
A filosofia prática trataria apenas das leis da liberdade e seu conteúdo. As outras
teorias seriam dedicadas ao estudo da natureza das coisas e suas leis, incluindo
aquilo que fosse aplicação prática dessas investigações, o que não se confunde com
a prática propriamente dita [1].
Enquanto seguissem as leis naturais, as
proposições seriam consideradas teóricas, ainda
que fossem derivadas da vontade. Só quando fossem leis de liberdade é que seus princípios
seriam definidos como práticos, ou seja, deveriam estar completamente livre de inclinações
ou qualquer outra influência material. Enunciados de aparência prática, voltados
para o conteúdo de um objeto, pertenceriam ao conhecimento teórico e não formariam
um domínio específico da ciência. Nem a física, nem a psicologia poderiam reivindicar
o uso legítimo do termo “prática”, que, para Kant, deveria ser restrito à metafísica
dos costumes. A moral, esta sim, determinaria a necessidade de uma ação na forma
de uma lei em geral, como o imperativo categórico, sem se ater aos conteúdos dos
objetos, pois seriam princípios próprios da liberdade. Ademais, o conhecimento teórico
da natureza nada diria sobre sua possibilidade. As proposições com aparência de
comandos práticos sobre a natureza - a maneira como se deve atingir um fim, ou meta
-, nada mais seriam do que enunciados técnicos, pertinentes à arte, no sentido que os gregos a entendiam.
O que vale dizer que fariam parte do conhecimento teórico da natureza e suas consequências.
Nesse sentido, a faculdade de julgar - ou Juízo -, de um modo geral, estaria fundada
em juízos técnicos não objetivos, que nada determinariam sobre o objeto, ao
contrário dos juízos práticos. Seriam somente juízos subjetivos, pois se refeririam
apenas a uma concepção elaborada pelo sujeito acerca das coisas [2].
As faculdades do conhecimento superior
que operam conceitos a priori
são divididas em entendimento – faculdade das regras universais -; juízo – faculdade
de ligação do particular ao universal -; e a razão – faculdade de determinação
do particular por princípios universais. ACrítica da Razão Pura (CRP) procurou fornecer, teoricamente, as leis universais
da natureza, ou sua possibilidade. A Crítica
da Razão Prática definiu o imperativo
categórico como lei da liberdade. Por depender de outras faculdades, ao juízo resta
como próprio o conceito de finalidade da natureza, que permite avaliar se o particular
está contido no universal, conforme a sua destinação. Isto implica na existência
de um sistema de leis empíricas, contingentes, que permitiria ao juízo fazer essa
correspondência. Esse sistema, mesmo que provisório, é capaz de fornecer princípios
subjetivos úteis na condução da investigação empírica. Em função de sua insuficiência,
o juízo propõe princípios que precisam ser atendidos por leis universais, que revelem
a coerência e a sistematização das leis empíricas.
O juízo concebe a natureza como arte ou técnica
submetida por leis particulares que sustentam a validade
de suas máximas subjetivas. A representação da natureza como arte pressupõe a idéia
de um agente que oriente as conexões naturais. Para saber se existe uma autoria
subjacente às causalidades técnicas - relações mecânicas de causa e efeito - deve-se
fazer uma investigação crítica sobre os domínios e limites dessas vinculações [3].
A mente humana pode ser reduzida a três
capacidades: conhecer, sentir, desejar. Destas, o sentimento de prazer é o único
que não promove nenhum conhecimento que requeira uma determinação fundamentada.
A vinculação entre saber, desejo e prazer não constitui um sistema, mas um amontoado
de conceitos. Para fazer parte de um sistema da filosofia, os sentimentos devem
ser fundamentados a priori
e submetidos a uma crítica adequada. O entendimento
fornece tais princípios ao saber, com base nos conceitos de natureza, e a razão
à vontade, com base na liberdade. Os sentimentos estão entre esses dois domínios
e precisam descobrir quais são os conceitos que fundamentam os princípios
a priori do sentir. O juízo só diz respeito ao indivíduo e não leva a nenhum conceito
dos objetos [4].
Um Sistema
para o Juízo
As leis empíricas não chegam a formar
um todo compreensível aos homens, devido à grande quantidade de leis e sua aparência
caótica. Contudo, se faz necessário pressupor subjetivamente uma relação de afinidade
entre as diversas leis particulares e as universais. Esse é um princípio transcendental
do juízo. O entendimento e a razão não podem fazer a correspondência entre o universal
e o particular, por abstraírem toda diversidade da matéria e se restringirem à forma.
Só o juízo pode cumprir essa necessidade natural de fixar um princípio para a experiência.
Ao contrário das leis formais, as particulares não cumprem os requisitos do conhecimento.
Seria preciso, então, que o juízo unisse todas as leis empíricas, para que se estabelecessem
experiências sistemáticas na natureza [5].
Na faculdade de julgar, o chamado juízo reflexionante
é aquele que compara as representações e conceitos,
avaliando os fenômenos particulares e ligando-os às leis universais de modo ascendente.
Juízos reflexionantes fazem a correspondência inversa dos juízos determinantes, que procuram os elementos particulares que fazem parte de um universal,
de forma descendente. O juízo faz o trabalho de refletir sobre os conceitos naturais
universais, de acordo com suas próprias regras, sintetizando a experiência e submetendo-lhes
as intuições empíricas. No caso da experiência particular, o juízo pressupõe que
a natureza pode ser adequada à sistematização, antes de fazer as primeiras comparações,
como um princípio a priori. Ao fazer sua reflexão, o juízo atua criativamente sobre
a técnica da natureza, com leis subjetivas adequadas às leis naturais, ao mesmo
tempo em que mobiliza uma lógica própria do juízo. Agindo desse modo, acaba por
se formar um sistema empírico da natureza. A forçosa artificialidade desse processo
confere o estatuto de arte à atividade do Juízo, cujo princípio básico é: “especificar
as leis universais em casos empíricos, conforme um sistema lógico” [6]. Embora a finalidade lógica de um juízo
não possa ser demonstrada na realidade, é pensada como universal, graças à relação
de suas formas com uma finalidade na natureza suposta pelo processo de sistematização
que é feito [7].
Nesse processo, as formas da natureza
revelam uma finalidade lógica que torna possível as redes de conteúdo empíricas
classificadas de acordo com suas semelhanças. Dependendo da configuração da experiência,
até mesmo uma finalidade absoluta pode ser postulada pelo Juízo. O juízo reflexionante
conseguiria distinguir, portanto, o que é um simples agrupamento casual, do que
é um arranjo artístico. Uma vez encontrado um princípio de finalidade entre os objetos
empíricos, pode-se sempre postular os mesmos fundamentos para coisas que tenham
formas semelhantes. Tudo isso é feito apesar da objetividade estar fora do alcance
do juízo, em um mundo supra-sensível, cujo acesso se dá apenas pela razão [8].
O juízo é a única faculdade apta a atribuir
finalidades à natureza, orientando as classificações das formas particulares, sob
leis empíricas, sem no entanto, determinar suas formas naturais. Além disso, está
pronta para distinguir a mecânica da causalidade técnica na natureza, das obras
de arte, que possuem uma intencionalidade subjacente. As finalidades artísticas
e as técnicas só existem no juízo e não na natureza, efetivamente. A reflexão do
juízo considera os esquemas da imaginação e os conceitos do entendimento. Os juízos
estéticos de reflexão resultam, então, da atividade da imaginação, do entendimento
e da atribuição de finalidade feita pela própria faculdade de julgar.
Em suma, as leis empíricas são interpretadas
por princípios que formam um sistema no juízo. Quando, se percebe uma forma no objeto
que corresponda a um fim natural, então, essa finalidade é considerada objetivamente
e os juízos adequados são chamados teleológicos,
fruto de uma reflexão, mas não de uma determinação [9].
Lógicos
e Estéticos
Juízos estéticos são a forma pela qual
um sujeito apreende aquilo que o afeta, em sua sensibilidade. Sempre que se referir
aos sentimentos, a estética não pode gerar qualquer conhecimento objetivo, mas apenas
subjetivo. Por conta disso, não pode ser uma ciência propriamente dita, como pretendia
Baumgarten [10]. Para evitar confusões, o termo “estética”
deve se referir só às atividades do juízo. Um juízo estético objetivo é uma contradição
para Kant, pois juízos objetivos são exclusivos do entendimento, única faculdade
que julga as coisas em geral.
Juízos reflexionantes sobre objetos particulares,
são também estéticos, e podem unir imaginação e entendimento em seu uso subjetivo
e sensível do saber. Diferem dos juízos lógicos, que
são juízos determinantes e possuem um conceito objetivo em seus predicados. Juízos
estéticos extraídos dos sentidos têm predicados que fazem referência direta a um
sentimento. Os chamados juízos estéticos universais não têm predicados objetivos,
mas podem pretender aspirar a um estatuto de conhecimento geral, fundado na sensação
subjetiva e não nos sentimentos de dor e prazer, pois estes são completamente subjetivos.
Ao se postular a universalidade dos juízos, a fundamentação deve ser buscada nas
regras das faculdades superiores e não nos sentimentos. Cada uma das faculdades
pode produzir um tipo de juízo: o entendimento, juízos teóricos; a faculdade de
julgar, juízos estéticos; e a razão, juízos práticos [11].
Na estética kantiana, não é possível associar
perfeição às representações sensíveis, porque isso exigiria um conceito intelectual
do entendimento, que misturaria as faculdades e tornaria sem sentido a distinção
entre lógica e estética. A perfeição diz respeito à unidade do ente (ontologia)
e não se aplica aos sentimentos. A finalidade objetiva na natureza requer o conceito
de perfeição próprio do juízo teleológico, sem auxílio de sentimentos. A intuição
empírica é suficiente para formação dos juízos de sentimento. A busca da perfeição
depende da razão, enquanto a beleza precisa da reflexão do juízo, que avalia subjetivamente
a sua finalidade. A relação entre conhecimento e sentimentos não passa por conceitos
objetivos e sua influência na mente não pode ser determinada a priori. Do ponto
de vista transcendental, prazer é um estado mental que visa se perpetuar ou realizar
seu objeto. Juízos estéticos de reflexão tratam de mantê-lo e os práticos tentam
realizá-lo. Em todo caso, o prazer demanda apenas fruição e não compreensão. Portanto,
as representações ligadas aos sentimentos só poderiam ser explicadas, analisadas,
mas não deduzidas, ou demonstradas [12].
Dos Juízos
Teleológicos
A finalidade da natureza é formal quando
a intuição é trabalhada na imaginação. Sua realidade é compreendida pelo entendimento
que opera os conceitos que se apoiam em relações causais, e que, por sua vez, dependem
das leis empíricas. Os juízos teleológicos
são aqueles que avaliam as suas possibilidades de
fundamentação. Nesse sentido, a razão fornece a idéia transcendental da experiência
de forma a priori, para os juízos estéticos. Logo, o juízo colabora com a imaginação,
entendimento e razão quando são feitas as representações dos fins naturais. Não
obstante, as causas finais dizem respeito apenas ao juízo e não estão na experiência.
Seus conceitos e leis particulares são uma criação exclusiva da sistematização feita
pelo juízo. Os produtos da arte seriam, entretanto, capazes de sugerir um projeto
racional dos objetos e seus fins naturais, que são representações típicas dos juízos
reflexionantes. Hipóteses sobre as finalidades racionais são construídas por meio
de juízos determinantes, através do uso transcendental da razão, ao encontrar sua
causa universal. A reflexão sobre os objetos naturais e suas leis mecânicas é importante
para fundamentar a causalidade. Mas para determinação teleológica do conceito é
preciso transcender os limites da natureza e encontrar a intencionalidade, ou fim
racional do objeto. A afirmação dessa intencionalidade cabe, por definição, à razão
e não ao juízo [13].
Ao servir de fundamento, os princípios
podem ser empíricos, a priori, ou uma composição de ambos. Uma investigação psicológica
sobre o gosto não alcança o estatuto de uma ciência filosófica, pois não consegue
demonstrar nenhum conhecimento do assunto, nem a necessidade a priori da origem
empírica dos princípios. A pretensão de um princípio a priori que
orienta a crítica é algo que, embora não seja uma conclusão factível de todos os
princípios do sujeito, tem a sua postulação de necessidade justificada pelo juízo.
Por ser transcendental, tal investigação cabe à razão pura, mesmo que seja vã [14].
Sem um princípio a priori, é impossível aos juízos teleológicos conhecer os fins
da natureza. Porém, à semelhança dos juízos estéticos, não podem pretender afirmar
objetivamente esses fins. Por algo ser tal na natureza, não quer dizer que deva
ser assim, essa é uma lição aprendida de Hume [15]. A natureza é totalmente contingente.
Todavia, por não se poder determinar os juízos estéticos e teleológicos, com leis
empíricas, resta então considerá-los como reflexionantes e referentes a princípios a priori
da razão pura [16].
Kant chamou sua primeira introdução ao
juízo de propedêutica enciclopédica. Uma apresentação sumária do sistema da capacidade
de conhecer e da localização das devidas faculdades estudadas. Apesar de subjetivamente,
tentou estabelecer a condição de necessidade do juízo a priori
para o conhecimento dos fins naturais; seus juízos
reflexionantes; a divisão entre faculdades estéticas e teleológicas, enquanto ressaltava
a importância da crítica do gosto sensível e supra-sensível, ao qual se referem
respectivamente. A arte vê, então, sua finalidade vinculada a juízos sobre sentimentos
de modo a priorístico [17].
A crítica do juízo, mesmo fundada em princípios a priori
reflexionantes, não pode sustentar uma doutrina própria,
pois precisa de leis e esquemas do entendimento e da imaginação. Além disso, suas
finalidades subjetivas não fundam, mas apenas mencionam os sentimentos de prazer
e dor, como juízos estéticos, por um lado, e como juízos teleológicos, quando se
referem à possibilidade de fins naturais dos seus objetos. Como resultado dessa
investigação, a belezaaparece na finalidade da forma do fenômeno e o gosto no
poder deliberar sobre seu valor. O juízo do sublime teria uma finalidade interna
absoluta, na obra de Kant, e diferenciar-se-ia da beleza por esta ter uma finalidade
relativa à forma de uma representação, na disposição mental dos sujeitos. No caso
de juízos teleológicos, a finalidade interna considera a perfeição da coisa, ao
passo que, a finalidade relativa está voltada para utilidade do fim. Nesse sentido,
a crítica prossegue sua divisão a partir do julgamento do belo, passando depois
ao julgamento da beleza artística, de onde decorreria uma fundamentação do juízo
de beleza natural [18].
Reintrodução
ao Juízo
A primeira introdução à CJ vence em extensão
e detalhes a segunda, mas deixa a desejar em clareza. Por causa disso, as primeiras
edições saíram do prelo com o prefácio e introdução reescritos de modo mais preciso
que na primeira tentativa. Assim, o sistema filosófico imaginado por Kant pôde aparecer
mais nítido. À primeira vista, a divisão da mente humana se fez em faculdades que
atuariam arquitetonicamente na produção de conhecimentos puros e empíricos. A razão
pura buscaria conhecer as coisas a priori e os
limites da especulação, depois que o entendimento fixasse os conceitos e leis de
conhecimento da natureza. A razão prática determinaria os fins desejados pela vontade
em função da liberdade humana. Entre essas duas faculdades, o juízo atuaria como
meio termo das concepções teóricas do entendimento e práticas da razão.
Por conseguinte, o juízo deveria conter
princípios a priori, apesar de subjetivos, prontos para promover o julgamento
de um particular que estivesse submetido a uma regra universal. Tais seriam os juízos
estéticos sobre o belo e o sublime, a natureza e a arte. Por outro lado, além de
poder ponderar os sentimentos de prazer e dor, o juízo deveria mostrar a conformidade
das coisas com suas leis, gerando juízos teleológicos sobre os fins da natureza.
Destarte, o juízo funcionaria como uma ponte entre os mundos sensível da experiência
e supra-sensível, da metafísica, ou seja entre os fenômenos e as coisas em si. Nessa
atividade, são empregados juízos reflexionantes que submeteriam as coisas particulares
ao princípio universal, onde se encontra a finalidade anterior a tudo.
Para atingir o conhecimento geral, o juízo
tem na finalidade formal da natureza seu princípio transcendental. Com estes princípios,
o juízo pode fazer as ligações do predicado universal com o conceito empírico que
possui. A finalidade da natureza está entre os princípios transcendentais que fundam a priori
a investigação empírica. Por meio desses princípios
é possível estabelecer axiomas que sustentam teoremas científicos. A conformidade
das finalidades com o conhecimento resulta dos princípios transcendentais do juízo,
sob os quais se determinam os particulares – como juízos determinantes. Não se trata,
entretanto, de conceitos da natureza, objetos do entendimento, nem de liberdade
pertinente à razão, mas de máximas do juízo. Tais máximas apontam para uma finalidade
transcendental da natureza, contudo, seu conteúdo subjetivo faz com que se subordine
ao entendimento, a fim de poder expandi-lo a toda experiência, agora como juízo
reflexionante [19].
O entendimento ordena a natureza, de acordo
com leis empíricas, enquanto o juízo consolida a unidade dos princípios sobre fins
naturais, acompanhados dos sentimentos de prazer ou dor. Tais sentimentos pretendem
ter um valor universal, por serem, também determinados pela razão a priori. A unidade descoberta nas leis empíricas produz um prazer,
ou dor, como motivação para conhecer os limites da natureza [20].
Representações subjetivas dos objetos
têm valor estético. Porém, quando permitem a determinação do objeto seu valor é
lógico. O sentido do espaço, nesse contexto, proporciona o acesso às coisas externas,
como fenômenos. A sensação externa serve, então, ao conhecimento dos objetos fora
do sujeito, mas os sentimentos de prazer e dor não. Pois são meros efeitos do conhecimento.
A finalidade, portanto, é um elemento subjetivo da representação que não pode constituir
por si um conhecimento dos objetos. Não passa de uma representação estética da finalidade
natural. A apreensão da forma de um objeto pela intuição que não estiver ligada
a um conceito, pertence só ao sujeito, logo é subjetiva. O prazer de se comparar
forma e objeto, no juízo, chama-se belo. Concorre,
para tanto, a existência de harmonia entre imaginação e entendimento, ainda que
não seja necessária a ligação entre prazer e representação do objeto. A reflexão
mostra tal relação de modo legítimo, aspirando um valor universal para sua experimentação,
não obstante, a postulação transcendental do juízo por um princípio a priori. Quando
essa reflexão busca uma finalidade para ações morais livres de inclinações, o juízo
produz o sentimento de sublime que o separa, na crítica, do belo [21].
Fim Natural
A beleza é uma exibição estética do conceito
de finalidade formal subjetiva com uma intuição correspondente. A estética julga
essa finalidade por meio dos sentimentos de prazer e dor. Além disso, tenta encontrar
juízos a priori
que fundem sua reflexão e a vinculação de particulares
à forma universal que o entendimento, por si só, não é capaz de fazer.
Ao transcender os domínios da estética,
os fins objetivos passam a ser assuntos da razão e do entendimento, que devem determinar
onde aplicar os conceitos formais da natureza, descendo do universal ao particular.
Na lógica do entendimento e da razão, os fins são objetivamente exibidos por meio
de conceitos reais de finalidade, formando juízos teleológicos. Contudo, as leis
da finalidade da natureza são gerais e cabe ao juízo estético decidir como os sentimentos
relacionam as coisas com o conhecimento. Enquanto isso, o juízo teleológico é destinado
a determinar as condições de julgamento de qualquer coisa submetida à idéia de fim
natural [22].
Finalmente, as duas introduções terminam
reforçando a tese de que todo juízo deve supor a possibilidade a priori
de seu conhecimento, sem visar uma aplicação racional.
Desse modo, o juízo fica a meio caminho entre os conceitos naturais de entendimento
e suas finalidades transcendentais de razão, sendo portanto ladeado pelas razão
teórica e razão prática. A subjetividade de seus enunciados não permitiria a sustentação
de uma objetividade final. No entanto, o Juízo seria capaz de fornecer o suporte
supra-sensível aos fundamentos compreendidos pelo entendimento, ao mesmo tempo em
que possibilita à razão a passagem do domínio da natureza para o da liberdade. Tarefas
que são cruciais para viabilidade de todo método da crítica kantiano.
Notas
1. Veja KANT, I. Primeira
Introdução à Crítica do Juízo, I, pp.
195-7 (paginação da Akademie-Ausgabe).
2. Veja KANT, I. Op.cit.,
idem, pp. 197-201.
3. Veja KANT, I. Idem, II, pp. 201-5.
4. Veja KANT, I. Ibidem, III, pp. 205-8.
5. Veja KANT, I. Ibidem, IV, pp. 208-11.
6. KANT. I. Ibidem, V, p. 216.
7. Veja KANT, I. Ibidem, V, pp. 211-16.
8. Veja KANT, I Ibidem, VI, pp. 217-18.
9. Veja KANT, I. Ibidem, VII, pp. 219-21.
10. Veja BAUMGARTEN, A.G. Estética, part.
I, § 116.
11. Veja KANT, I. Ibidem, VIII, pp. 221-26.
12. Veja KANT, I. Ibidem,
idem, pp. 226-32.
13. Veja KANT, I. Ibidem, IX, pp. 232-37.
14. Veja KANT, I. Ibidem, X, pp. 237-39.
15. Veja HUME, D. Investigação
sobre o Entendimento Humano, seç. XII,
part. III, §132, p. 203.
16. Veja KANT, I. Ibidem, X, pp. 239-41.
17. Veja KANT, I. Ibidem, XI, pp. 241-47.
18. Veja KANT, I. Ibidem, XII, pp. 247-51.
19. Veja KANT, I. Introdução, V, pp. 181-186.
20. Veja
KANT, I. Op. cit., VI, pp. 186-188.
21. Veja KANT, I. Idem, VII, pp. 188-193.
22. Veja KANT, I. Ibidem, VIII, pp. 192-194.
Bibliografia
ARENDT, H. Lições sobre a Filosofia Política de Kant; trad.
André D. de Macedo. – Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.
BAUMGARTEN, A.G.. Estética; trad. Mirian S. Medeiros. –
Petrópolis: Vozes, 1993.
KANT, I. “Observações sobre o Sentimento do Belo e do Sublime”;
trad. Vinícius de Figueiredo. – Campinas: Papirus, 1993.
____. Crítica da Razão Pura; trad. Alexandre F. Morujão
e Manuela P. dos Santos. – Lisboa: Caloute Gulbenkian, 1989.
____. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, in Textos Selecionados;
trad. Paulo Quintela. – São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores).
Kaquinda Dias
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.