Pasárgada

…Cheguei no momento da criação do mundo e resolvi não existir. Cheguei ao zero-espaço, ao nada-tempo, ao eu coincidente com vós-tudo, e conclui: No meio do nevoeiro é preciso conduzir o barco devagar.


Serei o que fui, logo que deixe de ser o que sou; porque quando fui forçado a ser o que sou, foi porque era o que fui.

Pesquisar em

Páginas

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Setembro - mês da Bíblia

 

Lectio Divina

Valor - desafio - prática

Em Novembro de 1965, no final do Concílio Ecuménico Vaticano II, S. Paulo VI promulgou a Constituição Dogmática Dei Verbum. Nela se afirma que “toda a pregação eclesiástica, como a própria religião cristã, deve ser alimentada e regida pela Sagrada Escritura”, que constitui “alimento da alma e perene fonte de vida espiritual” (n. 21). O Concílio retomou a afirmação de Santo Agostinho de que “ignorar as Escrituras é ignorar Cristo”. Por isso fez um convite aos cristãos para que se achegassem ao texto sagrado “pela Sagrada Liturgia, pela piedosa leitura e por cursos bíblicos”. Citando Santo Ambrósio, alertou para a necessidade de a leitura da Sagrada Escritura vir acompanhada pela oração, “pois a Deus falamos quando rezamos e a Ele ouvimos quando lemos os divinos oráculos”.

A partir do Concílio a Igreja começou a incentivar as famílias a terem a sua Bíblia em casa.

Ter a Bíblia em casa, não é suficiente para um cristão. É preciso também ler o que nela está escrito. E a leitura não pode ser feita da mesma forma como se lê um jornal ou um romance policial. A Bíblia deve ser lida em clima de oração e com o coração voltado para Deus, prestando atenção à mensagem que Ele nos quer passar.

Colocar em prática o que a Bíblia propõe é o grande desafio para os cristãos. Mahatma Gandhi, depois de ter lido a Bíblia se desiludiu profundamente com os cristãos que levavam uma vida em total desacordo com os ensinamentos de Jesus. Dizia ele: “Não conheço ninguém que tenha feito mais para a humanidade do que Jesus. O problema são vocês, cristãos, que não vivem o que a Bíblia ensina”.

O mês de Setembro é para criar maior familiaridade com a Palavra de Deus. Procurar dar-lhe um lugar de destaque em nossas casas e tirar alguns minutos do dia para ler algum texto bíblico. Se tivermos oportunidade, participemos de círculos e estudos da Bíblia. Acima de tudo coloquemos em prática o que a Palavra de Deus nos propõe. A exemplo da mãe de Jesus, “que guardava tudo em seu coração”, guardemos a Palavra de Deus, meditando sobre aquilo que ela nos propõe.

O mês de Setembro nos incentiva a tomar a Bíblia na mão, a meditá-la de forma orante e contemplativa. A Igreja nos estimula a viver nesta prática: “A Palavra de Deus na vida e missão da Igreja” tomemos um impulso novo para nos tornarmos verdadeiramente Discípulos de Jesus Cristo, como o foram, entre tantos e tantas, São Jerónimo (que se recolheu em Belém para estudar e traduzir a Bíblia), Santa Teresinha do Menino Jesus, São Francisco de Assis e Santa Teresa de Ávila. Meditaram e levaram a Palavra de Deus até o âmago de suas mentes, corações e práticas de vida. Viveram intensamente o discipulado. E então se tornaram missionários.

Como nasceu o Mês da Bíblia?

O Mês da Bíblia surgiu em 1971, por ocasião do cinquentenário da Arquidiocese de Belo Horizonte, Minas Gerais - Brasil. Foi levado adiante com a colaboração efectiva do Serviço de Animação Bíblica – Paulinas (SAB), até posteriormente ser assumido pela Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) e estender-se ao âmbito nacional.

Objetivos

- Contribuir para o desenvolvimento das diversas formas de presença da Bíblia, na acção evangelizadora da Igreja, no Brasil;

- Criar subsídios bíblicos nas diferentes formas de comunicação;

- Facilitar o diálogo criativo e transformador entre a Palavra, a pessoa e as comunidades.

1. Uma prática antiga, sempre nova

“A Palavra está perto de ti, em tua boca e em teu coração” (Dt 30,14)

Há pessoas que acham a Bíblia um livro difícil. Dizem que ela só serve para o estudo, mas não para rezar. No AT, já havia gente que pensava assim. Achavam que só alguns poucos seriam capazes de entender bem a Palavra de Deus. O livro do Deuteronómio responde para eles e para nós:

“Este mandamento que hoje te ordeno não é muito difícil, nem está fora do teu alcance. Ele não está no céu para trazê-lo a nós, a fim de que possamos ouvi-lo e colocá-lo em prática?' Também não está no além-mar, para que fiques perguntando: 'Quem atravessará por nós o mar, para trazer esse mandamento a nós, a fim de que possamos ouvi-lo e colocá-lo em prática?' Sim, essa palavra está ao teu alcance: está na tua boca e no teu coração, para que a coloques em prática”. (Dt 30,11-14).

Com outras palavras, a Palavra de Deus não é uma doutrina distante de difícil acesso, nem um catecismo de verdades a serem estudadas e decoradas. A Palavra de Deus é o próprio Deus querendo comunicar-se connosco como Pai amoroso.

O valor da Bíblia não está só naquilo que ela diz e ensina. O seu valor está também e sobretudo em Deus, Ele mesmo, a sua pessoa, que pronuncia com muito amor aquilo que é dito e ensinado na Bíblia. Era a experiência de Deus como Pai que revelava a Jesus o sentido pleno das palavras da Escritura. Descobrir e experimentar esta dimensão interpessoal da Bíblia é o objectivo da Leitura Orante da Palavra de Deus nos Círculos Bíblicos.

A própria Bíblia é fruto da leitura orante e comunitária da Palavra de Deus

O texto da Bíblia não caiu pronto do céu. A Palavra de Deus, antes de ser escrita, era transmitida oralmente. Antes de ser transmitida, era vivida. Antes de ser vivida, era recebida no coração e revelada na prática do Povo de Deus. O texto da Bíblia nasceu aos poucos, ao longo dos séculos, como fruto de um demorado processo de busca e de interpretação dos factos da vida e da história, nos quais o povo ia descobrindo a presença escondida da Palavra de Deus, partilhando entre si suas descobertas. A Bíblia nasceu desta prática simples do povo querendo conhecer a Palavra de Deus para poder viver melhor a vida.

O ambiente desta leitura e descoberta da Palavra de Deus na vida eram as celebrações semanais na sinagoga e nas casas nos dias de sábado. Era, como nós dizemos hoje, o ambiente dos Círculos Bíblicos, onde o povo se encontrava para celebrar a Palavra de Deus com muito canto e oração e, assim, partilhar sua fé, animar sua esperança e fazer crescer seu amor.

Entre os textos mais antigos da Bíblia estão os cânticos litúrgicos. Por exemplo, os cânticos atribuídos a Miriam (Ex 15,20), a Débora (Jz 5,2-31) e a Ana (1Sam 2,1-10). Está a antiga profissão de fé do livro do Deuteronômio (Dt 26,5-9). A Bíblia nasceu e cresceu num ambiente de reunião e de celebração, na qual o povo reanimava sua fé, sua esperança e seu amor. É neste mesmo ambiente que ela deve ser lida e meditada hoje. É por isso mesmo que os Círculos Bíblicos são tão importantes.

As reuniões do povo no tempo de Jesus

No tempo de Jesus era neste ambiente orante que o povo meditava a Palavra de Deus. Eles reuniam todos os sábados no salão da comunidade que se chamava Sinagoga. Um rabino daquela época chegou a dizer: "O mundo repousa sobre três colunas: a lei, o culto e o amor". A lei era a Bíblia; o culto era a reza, a oração. O amor era a preocupação das pessoas em se ajudarem umas às outras. Depois da celebração na sinagoga, o povo ia para suas casas e reunia para lembrar e actualizar o que tinham celebrado na sinagoga. Jesus fez isto todos os sábados durante os trinta anos que viveu em Nazaré, antes de iniciar sua vida de missionário itinerante. E mesmo durante os três anos como missionário, ele participava nas reuniões do povo nos sábados.

Quando aquela mulher “levantou a voz no meio da multidão, e lhe disse: "Feliz o ventre que te carregou, e os seios que te amamentaram", Jesus fez o maior elogio à sua mãe. Ele disse: "Mais felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática" (Lc 11,27-28). Maria meditava a Palavra de Deus presente nos factos da vida e nas palavras do anjo e das pessoas (Lc 2,19.51). O resultado desta meditação orante é o Cântico do Magnificat, feito com frases quase todas tiradas do livro dos Salmos (Lc 1,46-55). Sinal de que ela sabia rezar a vida e seus acontecimentos. Aprendeu nas reuniões da comunidade, isto é, nos Círculos Bíblicos daquela época, pois ninguém tinha Bíblia em casa. E é o que até hoje fazemos nossos Círculos Bíblicos: reunimos para ler juntos um trecho da Bíblia, para rezar em comunidade e para aplicar o texto na vida e, assim, ajudar-nos uns aos outros.

 

2. Os dois livros de Deus

Esta maneira tão antiga, tão simples e tão importante de ler e de interpretar a Bíblia - tão antiga quanto a própria Bíblia - está expressa numa comparação bonita de Santo Agostinho que dizia: Deus escreveu dois livros.

O primeiro livro de Deus não é a Bíblia, mas é a criação, a natureza, a vida, tudo que existe e acontece. É pelo Livro da Natureza que Deus quer comunicar-se connosco. Mas por causa do nosso pecado as letras deste primeiro livro se atrapalharam e já não conseguimos descobrir a fala de Deus no livro da Vida, da Natureza, nas coisas que acontecem connosco todos os dias. Por isso, Deus escreveu um segundo livro, que é a Bíblia. A Bíblia foi escrita, não para substituir o livro da vida, mas para ajudar-nos a ler melhor o livro da vida e descobrir nele a presença e os apelos de Deus.

Agostinho enumera os três objectivos desta leitura orante da Bíblia que são também os três objectivos da leitura da Bíblia que fazemos nos Círculos Bíblicos: (1) ela nos devolve o olhar da contemplação, (2) nos ajuda a decifrar o mundo e (3) faz do universo uma teofania, isto é, uma revelação de Deus. É o que acontece connosco nos Círculos Bíblicos:

1. Devolver o olhar da contemplação: A leitura orante da Bíblia lava os nossos olhos, limpa nosso olhar, faz o trabalho de oculista. Ela é como uma gota de colírio que melhora a visão da gente.

2. Decifrar o mundo: A leitura da Bíblia nos ajuda a perceber os sinais da presença de Deus na natureza, na vida, no mundo, nos acontecimentos diários da vida familiar, nos noticiários do jornal.

3. Fazer do universo uma teofania: Pela leitura constante e orante da Sagrada Escritura, a realidade da vida e do mundo se transforma e se torna transparente, revelando Deus o Criador na origem de tudo.

Esta mesma maneira antiga de ler e de interpretar a Bíblia renasce hoje na prática dos Círculos Bíblicos que alguns chamam de Leitura Popular da Bíblia. O mesmo convite de leitura orante e constante da Bíblia chega até nós através da mensagem dos bispos reunidos no Sínodo sobre “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”, realizado em Roma no mês de Outubro de 2008.

3. A Leitura Popular da Bíblia

O Papa Bento XVI apontou a Leitura Popular da Bíblica como uma das grandes contribuições da América Latina para a vida da Igreja. Na Leitura Popular que, às vezes, é chamada Lectio Divina, renasce e reaparece a intuição profunda e muito tradicional da fé do Povo de Deus, a saber, Deus nos fala hoje na vida e nos acontecimentos e a Bíblia nos ajuda a descobrir esta fala de Deus.

a). Palavra de Deus.

A Bíblia é reconhecida e acolhida pelo povo como Palavra de Deus. Esta fé já existia antes da chegada da leitura popular da Bíblia. É nesta raiz ou tronco bem firme da fé popular, que enxertamos todo o nosso trabalho em torno da Bíblia. É o que caracteriza a leitura que fazemos da Bíblia na América Latina. Sem esta fé, todo o processo e todo o método teriam de ser diferentes. Diz São Paulo: “Não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz sustenta a ti” (Rm 11,18).

b). Fiel à Tradição.

Ao ler a Bíblia, o povo das Comunidades traz consigo a sua própria história e tem nos olhos os problemas que vêem da realidade dura da sua vida. A Bíblia aparece como um espelho, sím-bolo (Heb 9,9; 11,19), daquilo que ele mesmo vive hoje. Estabelece-se, assim, uma ligação profunda entre Bíblia e vida que, às vezes, pode dar a impressão aparente de um concordismo superficial. Na realidade, é uma leitura de fé muito semelhante à leitura que faziam as comunidades dos primeiros cristãos (Act 1,16-20; 2,29-35; 4,24-31) e os Santos Padres nos primeiros séculos da Igreja.

c). Emanuel, Deus Connosco.

A partir desta nova ligação entre Bíblia e vida, os pobres fazem a descoberta, a maior de todas: "Se Deus esteve com aquele povo no passado, então Ele está também connosco nesta luta que fazemos para nos libertar. Ele escuta também o nosso clamor!" (cf. Ex 2,24; 3,7). Assim vai nascendo, imperceptivelmente uma nova experiência de Deus e da vida que se torna o critério mais determinante da leitura popular e que menos aparece nas suas explicitações e interpretações. Pois o olhar não se enxerga a si mesmo.

d). Livro da Vida de cada dia.

Antes de o povo ter esse contacto mais vivido com a Palavra de Deus, para muitos, sobretudo na igreja católica, a Bíblia ficava longe. Era o livro dos “padres”, do clero. Mas agora ela chegou perto! O que era misterioso e inacessível começou a fazer parte da vida quotidiana dos pobres. E junto com a sua Palavra, o próprio Deus chegou perto! “Vocês que antes estavam longe foram trazidos para perto!” (Ef 2,13) Difícil para um de nós avaliar a experiência de novidade e de gratuidade que tudo isto representa para os pobres.

e). Escrita para nós.

Assim, aos poucos, foi surgindo uma nova maneira de se olhar a Bíblia e a sua interpretação. A Bíblia já não é vista como um livro estranho que pertence ao clero, mas como nosso livro, "escrito para nós que tocamos o fim dos tempos" (1 Cor 10,11). Às vezes, para alguns, ela chega a ser o primeiro instrumento para uma análise mais crítica da realidade que hoje vivemos. A respeito de uma empresa opressora do povo, o pessoal da comunidade dizia: "É o Golias que temos que enfrentar!"

f). Revela Deus na vida.

Está em andamento uma descoberta progressiva de que a Palavra de Deus não está só na Bíblia, mas também na vida, e que o objectivo principal da leitura da Bíblia não é interpretar a Bíblia, mas sim interpretar a vida com a ajuda da Bíblia. Descobre-se que Deus fala hoje, através dos fatos. Isto gera um entusiasmo muito grande. Não é tanto por causa das coisas novas que eles descobrem na Bíblia, mas muito mais por causa da confirmação que recebem de que a caminhada que estão fazendo é uma caminhada bíblica e, assim, neles se renova a esperança. A Bíblia ajuda a descobrir que a Palavra de Deus, antes de ser lida na Bíblia, já existia na vida. “Na verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia” (Gn 28,16)!

g). Boa Notícia para os pobres.

A Bíblia entra por uma outra porta na vida do povo: não pela porta da imposição autoritária, mas sim pela porta da experiência pessoal e comunitária. Ela se faz presente não como um livro que impõe uma doutrina de cima para baixo, mas como uma Boa Nova que revela a presença libertadora de Deus na vida e na luta do povo. Os que participam dos grupos bíblicos, eles mesmos se encarregam de divulgar esta Boa Notícia e atraem outras pessoas para participar. “Venham ver um homem que me contou toda a minha vida!” (Jo 4,29). Por isso, ninguém sabe quantos grupos bíblicos existem. Só Deus mesmo! Graças a Deus!

h). Orienta para o estudo da Bíblia.

Lendo assim a Bíblia, produz-se uma iluminação mútua entre Bíblia e vida. O sentido e o alcance da Bíblia aparecem e se enriquecem à luz do que se vive e sofre na vida, e vice-versa. Para que se produza esta ligação profunda entre Bíblia e vida, é importante: a) Ter nos olhos as perguntas reais que vêm da vida e da realidade sofrida de hoje. Aqui aparece a importância de o estudioso da Bíblia ter convivência e experiência pastoral inserida no meio do povo. b) Descobrir que se pisa o mesmo chão, ontem e hoje. Aqui aparece a importância do uso da ciência e do bom senso tanto na análise crítica da realidade de hoje como no estudo do texto e seu contexto social. c) Ter uma visão global da Bíblia que envolva os próprios leitores e leitoras e que esteja ligada com a situação concreta das suas vidas.

i). Leitura envolvente.

A interpretação que o povo faz da Bíblia é uma actividade envolvente que compreende não só a contribuição intelectual do exegeta, mas também e sobretudo todo o processo de participação da Comunidade: trabalho e estudo de grupo, leitura pessoal e comunitária, teatro, celebrações, orações, recreios, “enfim, tudo que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou que de qualquer maneira merece louvor” (Fl 4,8). Aqui aparecem a riqueza da criatividade popular e a amplidão das intuições que vão nascendo.

j). Ambiente comunitário de fé.

Para uma boa interpretação, é muito importante o ambiente de fé e de fraternidade, através de cantos, orações e celebrações. Sem este contexto do Espírito, não se chega a descobrir o sentido que o texto tem para nós hoje. Pois o sentido da Bíblia não é só uma ideia ou uma mensagem que se capta com a razão e se objectiva através de raciocínios; é também um sentir, uma consolação, um conforto que é sentido com o coração, “para que, pela perseverança e pela consolação que nos proporcionam as Escrituras, tenhamos esperança” (Rm 15,4).

 

4. - A mensagem do Sínodo dos Bispos

Na mensagem final do Sínodo ao Povo de Deus, realizado em 2008, os bispos sintetizaram todo o processo da descoberta, leitura e meditação da Palavra de Deus em quatro símbolos muito sugestivos: a Voz da Palavra, o Rosto da Palavra, a Casa da Palavra e o Caminho da Palavra.

A Voz da Palavra ressoa não só na Bíblia, mas também se faz ouvir na natureza, no universo, na vida, nos factos, “sem fala e sem palavras, sem que sua voz seja ouvida” (Sl 19,4). “De facto, desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, tais como o seu poder eterno e sua divindade, podem ser contempladas, através da inteligência, nas obras que ele realizou” (Rom 1,20).

O Rosto da Palavra é Jesus de Nazaré, sua vida, seus gestos, suas palavras, seus ensinamentos. Ele é a revelação do Pai. Nele a Palavra se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14). Ele podia dizer: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9).

A Casa da Palavra é a Comunidade, a Igreja. É onde o povo se reúne em torno da Palavra de Deus: “Como pedras vivas, vós sois as pedras vivas do templo espiritual, e formando um sacerdócio santo, destinado a oferecer sacrifícios espirituais que Deus aceita por meio de Jesus Cristo” (1Pd 2,5). Jesus dizia: “Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). A Casa da Palavra de Deus somos nós, quando estamos reunidos no Círculo Bíblico.

O Caminho da Palavra é a missão que recebemos como discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida. “Caminho” é a palavra usada no livro dos Actos para identificar os cristãos (Act 9,2; 19,9; 22,4; 24,14). Indica o compromisso assumido de levar a Boa Nova pelo mundo afora.

Os bispos retomam o convite do Salmo 1 para praticar a Leitura Orante da Palavra de Deus:

“Feliz o ser humano,

que não segue os conselhos dos ímpios,

não anda no caminho dos maus,

nem freqüenta a companhia dos gozadores.

Pelo contrário,

encontra seu prazer na lei do Senhor,

e nela medita dia e noite.

Ele é como árvore plantada junto d'água corrente:

dá fruto no tempo devido,

e suas folhas nunca murcham.

Tudo o que ele faz é bem sucedido.

Feliz este homem!” (Salmo 1,1-3).

O salmo ensina que a meditação orante e constante da Lei do Senhor faz a pessoa crescer e amadurecer, traz consciência crítica frente “aos conselhos dos ímpios”, ajuda a evitar o “caminho dos maus”, torna fecunda a vida que, “como árvore, plantada à beira da água, dará fruto a seu tempo. Sua folhagem não secará, e terá êxito em todos os empreendimentos”. Assim descobrimos o caminho da felicidade: “Feliz este homem!”

 

5. A chave para descobrir a Palavra de Deus na vida

O que fazer para que esta meditação orante e constante da Palavra de Deus nos ajude a encontrar a Palavra de Deus na vida? Olhar e imitar o jeito de Jesus, o Servo de Deus.

* Imitar a atitude orante do Servo de Deus

O profeta Isaías informa que foi na meditação da Palavra de Deus que o Servo de Javé descobriu sua missão. O próprio Servo descreve como fazia esta meditação da Palavra de Deus Ele diz:

“O Senhor me concedeu o dom de falar como seu discípulo,

para eu saber dizer uma palavra de conforto a quem está desanimado.

Cada manhã, ele me desperta, para que eu o escute,

de ouvidos abertos, como o fazem os discípulos.

O Senhor me abriu os ouvidos e eu não resisti, nem voltei atrás (Is 50,4-5).

Este testemunho do Servo deixa transparecer quatro pontos muito importantes que também marcam nossa atitude quando reunimos em Círculo Bíblico para meditar e actualizar a Palavra de Deus:

1. Ele se considera discípulo. Isto significa que é humilde, disposto a aprender. Não se considera alguém que já sabe tudo.

2. Ele quer ajudar os outros, ele não pensa só em si mesmo. Ele espera que a meditação da Palavra o ajude a encontrar uma boa palavra para poder ajudar quem está desanimado.

3. Ele tem uma atitude de escuta, sabe fazer silêncio dentro de si para poder escutar o que Deus lhe tem a dizer.

4. Ele sabe que sua missão não é fácil e que vai encontrar oposição, mas ele vai em frente e não volta atrás.

5. Ele reconhece que tudo é dom de Deus e, se ele poder dizer uma palavra boa para os outros, é porque Deus o ajudou e sugeriu esta palavra.

* O texto do Servo é um auto-retrato de Jesus

Como o Servo de Isaías, Jesus meditava e escutava a Palavra de Deus. Diz o evangelho de Marcos: “De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto” (Mc 1,35). Jesus passava noites em oração, meditando a Palavra de Deus (cf. Lc 5,16; 6,12; 9,18.28; 11,1).

Na raiz da leitura que Jesus fazia da Palavra de Deus estava a sua experiência de Deus como Pai. A intimidade com o Pai dava a ele um olhar mais penetrante, "o olhar da contemplação", que o colocava em contacto directo com Deus, o autor tanto da Bíblia como da vida. Aqui está a chave para descobrir a Palavra de Deus na vida. Por isso o apóstolo Paulo recomenda: “Procurem ter em vocês os mesmos sentimentos que animavam Jesus” (Flp 2,5). Uma comparação ajuda para esclarecer este assunto.

Numa roda de amigos alguém mostrou uma fotografia, onde se via um homem de rosto severo, com o dedo levantado, quase agredindo o público. Todos ficaram com a ideia de se tratar de uma pessoa inflexível e antipática que não permitia intimidade. Enquanto comentavam a fotografia, chegou um rapaz, viu a fotografia e exclamou: "É meu pai!" Os outros olharam para ele e disseram: "Pai severo, hein!" Ele respondeu: "Não é não! Meu pai é muito carinhoso. Ele é advogado. Aquela fotografia foi tirada no tribunal na hora em que ele denunciava o crime de um latifundiário que queria despejar uns pobres para apropriar-se do terreno deles e construir um prédio grande para alugar e assim ganhar mais dinheiro". Meu pai defendeu os direitos dos pobres e ganhou a causa. Até hoje os pobres continuam morando em suas casas. Graças a Deus!” Todos olharam de novo a fotografia e alguém comentou: "Que fotografia simpática!” Como por um milagre, a fotografia se iluminou por dentro e começou a tomar um outro aspecto. Aquele rosto tão severo adquiriu os traços de uma grande ternura! A experiência do filho, sem mudar um traço sequer, mudou tudo.

Olhando as fotografias do Antigo Testamento, o povo no tempo de Jesus imaginava Deus como alguém distante, severo, de difícil acesso, cujo nome nem sequer podia ser pronunciado. Em vez de Javé diziam Adonai, isto é, Senhor. Jesus chegou e disse: “É meu Pai!” As palavras e gestos de Jesus, nascidas da sua experiência de Filho, sem mudar uma letra ou vírgula sequer (cf. Mt 5,18), mudaram todo o sentido do Antigo Testamento. A Bíblia se iluminou por dentro. O mesmo Deus que parecia tão distante e severo adquiriu os traços de um Pai bondoso de grande ternura, sempre presente, pronto para acolher e libertar! O Novo Testamento é uma releitura do Antigo Testamento feita à luz da nova experiência de Deus como Pai e Mãe, revelada e partilhada a nós por Jesus.

* Ter em si os sentimentos que animavam Jesus (Fl 2,5)

Não basta ler e estudar a Bíblia para que ela libere o seu sentido. É preciso ter em nós os mesmos sentimentos que animavam Jesus (Flp 2,5); ter nos olhos e no coração a liberdade dos filhos de Deus. Do contrário, a Bíblia continua coberta por um véu que impede a descoberta plena do seu sentido. "É só pela conversão ao Senhor que o véu cai. Pois o Senhor é Espírito e onde há o Espírito, aí há liberdade" (2Cor 3,17). Como conseguir esta atitude, este olhar? Como criar em nós os mesmos sentimentos que animavam Jesus? O seguimento de Jesus tinha três dimensões:

* Imitar o exemplo do Mestre:

Jesus era o modelo a ser recriado na vida do discípulo ou da discípula (Jo 13,13-15). A convivência diária com o mestre permitia um confronto constante. Nesta "escola de Jesus" só se ensinava uma única matéria: o Reino! E este Reino se reconhecia na vida e na prática do Mestre. Isto exige de nós leitura e meditação constantes do evangelho para olharmos no espelho da vida de Jesus.

* Participar no destino do Mestre.

A imitação do Mestre não era um aprendizado teórico. Quem seguia Jesus devia comprometer-se com ele e "estar com ele nas tentações" (Lc 22,28) e na perseguição (Jo 15,20; Mt 10,24-25). Devia estar disposto a carregar a cruz com ele (Mc 8,34-35; Jo 11,16). Isto exige de nós um compromisso concreto e diário de fidelidade com o mesmo ideal com que Jesus, fiel ao Pai, se comprometia.

* Ter a vida de Jesus dentro de si.

Depois da Páscoa, surge uma terceira dimensão, fruto da fé na ressurreição e da ação do Espírito. Trata-se da experiência pessoal da presença de Jesus ressuscitado, que nos leva a dizer: "Vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20). Eles procuravam refazer em suas vidas a mesma caminhada de Jesus que tinha morrido em defesa da vida e foi ressuscitado pelo poder de Deus (Fl 3,10-11). Isto exige de nós uma espiritualidade de entrega contínua, alimentada na oração.

6.- As muitas formas e métodos de fazer Círculo Bíblico

Desde aqueles tempos até hoje, é sempre a mesma palavra de Deus que é buscada e meditada. São muitas as maneiras de se ler a Bíblia, muitos os métodos que se usam para interpretar a Palavra que Deus nos dirige de tantas maneiras diferentes. Dizia o Papa S. João Paulo II a respeito dos métodos: ”A grande variedade dos métodos pode, por vezes, dar a impressão de uma certa confusão. Mas também tem a vantagem de nos fazer perceber a inesgotável riqueza da Palavra de Deus”. E dizia ainda: "Na Igreja, todos os métodos de interpretação devem estar, directa ou indirectamente, a serviço da evangelização" (João Paulo II).

Mas o que há de comum em todos eles é a vontade de descobrir, de rezar e de colocar em prática a Palavra de Deus. São sobretudo três pontos que estão presentes em quase todos os métodos: (1) a realidade concreta da vida com seus problemas que faz as pessoas sofrer e buscar uma ajuda na palavra de Deus; (2) o próprio texto bíblico que é lido e meditado com muito respeito e fé; (3) a leitura em comunidade que provoca a partilha e leva os participantes ligar a vida com o texto Bíblico.

A linguagem usada por Deus para comunicar-se connosco na Bíblia é em tudo igual à nossa linguagem humana, menos no erro e na mentira. Por isso ela deve ser lida e interpretada com a ajuda dos mesmos critérios que se usam para interpretar a linguagem humana: crítica textual, crítica literária, pesquisa histórica, etc. Do contrário, caímos no erro do fundamentalismo que toma tudo ao pé da letra e que tanto mal faz, pois (1) desliga a Bíblia do contexto da realidade humana daquela época, (2) isola o leitor e a leitora da comunidade e da tradição e (3) separa vida e fé. O fundamentalismo foi condenado no documento da Pontifícia Comissão Bíblica.

Vamos ver de perto a variedade dos métodos e formas de se fazer Círculo Bíblico. O tamanho do chapéu é feito de acordo com a forma da cabeça. Assim podemos encontrar o jeito e a forma ou método mais de acordo com a nossa realidade aqui onde estamos.

1. O método dos quatro degraus da Leitura Orante

Foi o monge Guigo que, no século XI, sistematizou a Leitura Orante na forma de uma escada de quatro degraus que, subindo da terra alcança o céu: Leitura, Meditação, Oração e Contemplação. Formulando assim a prática da Leitura Orante, Guigo evocava o sonho de Jacó, no qual aparece “uma escada que se erguia da terra e chegava até o céu, e os anjos (mensageiros) de Deus subiam e desciam por ela” (Gn 28,12). Acordando do sono, Jacó disse: “Este lugar é a Casa de Deus e a Porta do céu” (Gn 28,17). A comunidade reunida no Círculo Bíblico é a Casa de Deus e a Porta do céu.

Leitura, Meditação, Oração e Contemplação são os quatro aspectos básicos da atitude cristã:

1. Leitura: ver bem o que está escrito, respeitar a letra e nunca manipular o texto. Se necessário, consultar uma pessoa entendia ou ler algum comentário.

2. Meditação: ter a preocupação de ligar o texto com a vida hoje e nunca fazer do texto apenas uma informação sobre o passado, sem compromisso com o hoje.

3. Oração: não só ouvir a palavras e descobrir o seu sentido, mas também e sobretudo comprometer-se e pedir a Deus para poder praticá-la no dia-a-dia da nossa vida.

4. Contemplação: é a luz que sobrou nos olhos depois que terminei a leitura e que fechei a Bíblia. Pois esta maneia de ler, meditar e orar a Bíblia funciona como o colírio que vai limpando e lavando nosso olhar e, aos poucos, imperceptivelmente, faz com que comecemos a olhar e a contemplar tudo com o olhar de Deus.

2. As vários maneiras de ler a Bíblia usadas no Novo Testamento

O Novo Testamento traz vários episódios em que aparece como Jesus e os primeiros Cristãos usavam a Bíblia e como faziam para ligá-la com a vida. Vamos olhar de perto como eles faziam. Isto pode ajudar a nós hoje.

a). Método do povo durante os trinta anos de Jesus em Nazaré

O ritmo diário em casa, na família:

No tempo de Jesus, nas casas de família e nos pequenos grupos, todas as pessoas rezavam três vezes ao dia: de manhã, ao meio dia e à noite. Eram os três momentos em que, no Templo em Jerusalém, se oferecia o sacrifício. Junto com o incenso e a fumaça dos sacrifícios subia até Deus a oração do seu povo. Estas orações, tiradas da Bíblia ou por ela inspiradas, marcavam o ritmo diário da vida de Jesus e da sua comunidade ao longo dos três anos de formação.

O ritmo semanal na comunidade, sinagoga:

Um escrito antigo da Tradição Judaica, chamado Pirquê Abot, dizia: “O mundo repousa sobre três colunas: a Lei, o Culto e o Amor”. Ou seja, a Bíblia, a Celebração e o Serviço. Era o que o povo fazia todos os Sábados na sinagoga. Mesmo durante as viagens missionárias, Jesus e os discípulos tinham o "costume" (Lc 4,16) de, aos sábados, se reunirem com a comunidade local na sinagoga para ouvir as leituras da Bíblia (Lei), para rezar e louvar a Deus (Culto) e para discutir os serviços a serem realizados para a edificação da comunidade e a ajuda a ser oferecida às pessoas (Amor) (Lc 4,16.44; Mc 1,39). Até hoje, este ainda é o ambiente formador das nossas Comunidades: ouvir em comunidade a leitura da Palavra de Deus (Lei, Bíblia), rezar juntos (Culto, Celebração) e combinar entre si o que fazer para melhorar a vida dos irmãos e das irmãs (Serviço, Amor).

O ritmo anual no Templo, no meio do povo:

Cada ano, o povo fazia três romarias para visitar a Deus no seu Templo em Jerusalém nas três grandes festas, que marcavam o ano litúrgico e nas quais se celebravam os momentos importantes da história do Povo de Deus: Páscoa, Pentecostes e a festa das Tendas (Ex 23,14-17; Dt 16,9). Jesus e os discípulos participavam das romarias para o Templo de Jerusalém (Jo 2,13; 5,1; 7,14; 10,22; 11,55).

Através deste tríplice ritmo (diário, semanal e anual), criava-se um ambiente familiar e comunitário, impregnado pela leitura orante da Palavra de Deus. A participação nestes Círculos Bíblicos levava as pessoas a terem outros olhos, outras atitudes. Fazia nascer nelas uma nova consciência a respeito da missão e a respeito de si mesmas. Fazia com que fossem colocando os pés do lado dos excluídos. Produzia aos poucos a "conversão" como consequência da aceitação da Boa Nova (Mc 1,15). Sem esta experiência comunitária da Leitura Orante, o estudo da Bíblia cai no vazio.

b). O método de Jesus no Caminho de Emaús: Lucas 24, 13-35

No episódio dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35), Lucas apresenta Jesus como intérprete da Bíblia e orienta seus leitores e leitoras das Comunidades dos anos oitenta como ler a Escritura. O processo de interpretação seguido por Jesus tem os seguintes passos, misturados entre si:

1º Passo: partir da realidade (Lc 24,13-24)

Jesus encontra os dois discípulos numa situação de medo e dispersão, de descrença e desespero. Eles estavam fugindo. As forças de morte, a cruz, tinham matado neles a esperança: "Nós esperávamos que ele fosse o libertador, mas..." (Lc 24,21). Jesus se aproxima e caminha com eles, escuta a conversa e pergunta: "De que vocês estão falando? Por que estão tristes?" Mas eles não o reconheciam. Não percebiam a presença da Palavra de Deus que já estava com eles, na vida deles.

O 1º passo é aproximar-se das pessoas, caminhar com elas, escutar a realidade, os problemas; ser capaz de fazer perguntas que ajudem o povo a olhar a realidade com um olhar mais crítico.

2º Passo: usar a Bíblia (Lc 24,25-27)

Jesus usa a Bíblia não para dar uma aula sobre a Bíblia, mas para iluminar o problema que fazia sofrer os dois discípulos, para esclarecer a situação que estavam vivendo e para mostrar que a história não tinha escapado de mão de Deus.

O 2º passo é este: com a ajuda da Bíblia, iluminar os factos e situá-los dentro do conjunto do projecto de Deus, transformar a cruz, sinal de morte, em sinal de vida e de esperança. Assim, aquilo que os impedia de caminhar, tornou-se a força principal na caminhada, a nova luz no caminho.

3º Passo: partilhar na comunidade (Lc 24,28-32)

A Bíblia, ela por si, sozinha, não abriu os olhos dos dois, mas a sua leitura e interpretação fizeram arder neles o coração (Lc 24,32), e isto é muito importante. O que faz enxergar mesmo, é a fracção do pão, o gesto comunitário da hospitalidade, da oração em comum, da partilha do pão ao redor da mesa. No momento em que é reconhecido, Jesus desaparece. Pois eles mesmos experimentam a ressurreição. Ressuscitam e renascem.

O 3º passo é este: saber criar um ambiente de fé, de fraternidade e de partilha, onde possa actuar o Espírito Santo que nos faz entender o sentido das coisas que Jesus falou e produz em nós uma experiência de ressurreição e de vida nova (cf. Jo 14,26; 16,13).

Objectivo: Ressuscitar e voltar para Jerusalém (cf Lc 24,33-35)

Imediatamente, eles levantam e voltam para Jerusalém. Tudo mudou: coragem, em vez de medo; retorno, em vez de fuga; fé, em vez de descrença; esperança, em vez de desespero; consciência crítica, em vez de fatalismo frente ao poder; liberdade, em vez de opressão! Em vez da má notícia da morte, a Boa Notícia da Ressurreição!

O objetivo da leitura orante da Bíblia, é este: criar coragem e voltar para Jerusalém, onde continuam vivas as forças de morte que mataram Jesus. Os dois discípulos, eles mesmos ressuscitaram. Venceram o medo da morte e das forças da morte.

c). No Monte da Transfiguração: Lucas 9,28-36

Ponto de partida: A Crise dos apóstolos. A cruz apareceu no horizonte. Eles sobem para rezar, sobem a Montanha. Formam um grupo pequeno. Só três, quatro pessoas. Jesus e mais três discípulos.

As passagens bíblicas: Aparecem Moisés e Elias, isto é, a lei e a profecia. O assunto a ser iluminado pela Bíblia é a Cruz de Jesus, chamada aqui de Êxodo. Qual o seu significado?

Resultado: Eles têm uma profunda experiência de Deus que se expressa pela aparição de uma nuvem e pelas palavras do céu que citam a profecia do Servo, anunciado por Isaías.

d). Os primeiros cristãos na perseguição: Actos 4,23-31

Ponto de partida: Eles sofrem perseguição. Pedro e João foram presos. Muita preocupação. A comunidade solidária está reunida rezando e se animando mutuamente.

A passagem bíblica: Eles rezam o salmo 2 e o aplicam à realidade da perseguição que estão sofrendo. Sabem ler a história à luz da Bíblia. Fazem preces, Pedem coragem

Resultado: Em vez de desânimo diante das dificuldades, acontece um pequeno Pentecostes que os anima para continuar com força a caminhada.

3. Nossa maneira de olhar no Espelho da Vida

Quando alguém começa a participar pela primeira vez de um círculo bíblico, pode acontecer que ele fique com a ideia: "A Bíblia é um livro difícil e eu não sei nada. Como é que eu posso participar?" Ele cria complexo de ignorância e de inferioridade. E isso não é bom. Outros começam a estudar para se autopromover e saber mais do que os outros. E isso também não é bom. Para evitar estes dois males, temos que encontrar nosso jeito local de ler a Bíblia que nos ajude a crescer na fé, na esperança e no amor.

1. Cinco conselhos para o nosso Círculo Bíblico

1. No nosso Círculo Bíblico vamos partir daquilo que o povo já sabe a respeito da Bíblia e da sua maneira de viver a fé. Todo mundo já ouviu falar de Adão e Eva, de Abraão e Sara, do profeta Elias, e tantas outras pessoas daquele tempo. Todo mundo também já tem o seu jeito de viver a fé e tem muita experiência para partilhar com os outros. Este é o fundamento e o ponto de partida.

2. No nosso Círculo Bíblico vamos imitar o Servo de Deus se considerava discípulo, isto é, uma pessoa humilde disposta a aprender dos outros, que não impõe suas ideias, mas sabe escutar e aprender dos outros. Esta é a atitude básica.

3. Nosso Círculo Bíblico não pode ser uma aula em que uma pessoa ensina os outros como se fosse professor ou professora que tudo sabe e em que os outros aprendem como alunos, mas deve ser um espaço em que procuramos aprender juntos, uns dos outros, partilhando nossa sabedoria e nossas experiências de vida.

4. No nosso Círculo Bíblico vamos olhar a Bíblia não como um livro de doutrina a ser decorada, mas como a carta que o Pai do céu manda para nós, seus filhos e suas filhas, através do Espírito de Jesus, nosso irmão mais velho. Ele nos fala do amor ao próximo e da nossa vida em comunidade como revelação do rosto de Deus. Este é o ambiente orante.

5. No nosso Círculo Bíblico vamos olhar mais as pessoas da Bíblia, do que as doutrinas. Olhamos a Bíblia como o espelho da nossa vida. Olhando de perto as pessoas, encontramos luz para iluminar o que acontece connosco hoje. Comparando nossa vida com a vida das pessoas da Bíblia, assimilamos também as verdades, a doutrinas, a fé, a esperança e o amor que as animava. O principal de todos é Jesus que nos revela o rosto de Deus.

7. Resumindo as coisas

1. Objetivo dos Círculos Bíblicos

* reunir o pessoal e criar um começo de comunidade;

* suscitar amor e interesse pela Palavra de Deus;

* conseguir umas noções básicas de como ler a Bíblia;

* conseguir uma familiaridade com os personagens principais da Bíblia;

* obter um mínimo de conhecimento do Plano de Deus, ontem e hoje;

* conseguir uma linha comum de trabalho nas comunidades;

* conseguir uma maneira comum de interpretar a Bíblia e a vida;

* animar a fé, a esperança e o compromisso das pessoas que participam;

* perceber o alcance da fé para a vida, a caminhada e a luta do povo.

2. Dinâmica dos Círculos Bíblicos

* nadar se aprende nadando; o objectivo só se alcança fazendo, exercendo;

* cada roteiro funciona como um espelho, onde Bíblia e Vida se reflectem;

* cada roteiro focaliza uma pessoa mais ou menos conhecida da Bíblia;

* cada roteiro focaliza um assunto determinado da vida de hoje;

* a ligação Bíblia-Vida é provocada e orientada por meio de perguntas;

* cada roteiro só funciona através da participação de todos do grupo;

* cada grupo deve ter alguém que se encarregue de animar a reunião;

* cada reunião dê atenção à Realidade, à Bíblia, à Oração, ao Compromisso.

3. Funcionamento dos Círculos Bíblicos

Se possível:

* cada semana, uma reunião de grupo para realizar o Círculo Bíblico;

* cada mês, uma reunião de treinamento para os animadores dos grupos;

* nesta reunião mensal, se faz revisão dos encontros do mês anterior;

* na mesma reunião, se explicam os quatro círculos do próximo mês;

* ter muita paciência, pois todo crescimento deve ter o seu tempo;

* seguir o esquema aqui apresentado com liberdade, sem rigidez.

 

ESQUEMA PARA OS CÍRCULOS BÍBLICOS

Abertura Inicial

Um Canto

Acolhida.

Invocar o Espírito Santo

Partir de um Facto da vida

Ler o título do Círculo

Ler as perguntas da vida e as respostas

Conversar em torno do assunto da vida indicado no título

Discutir as respostas dos outros

Dar a nossa resposta à pergunta da vida

2. Meditar a Palavra de Deus

Ler a introdução ao texto da Bíblia

Fazer a leitura solene do texto da Bíblia

Um momento de silêncio

Repetir ou lembrar o texto de memória;

Responder às perguntas

meditar o texto, ligando-o com a vida;

Descobrir a Mensagem

3. Celebrar a Palavra de Deus

Unidos a Jesus formular as preces

Assumir juntos um compromisso concreto

Fazer preces e rezar um salmo apropriado ao assunto

Conclusão

Oração final ou uma dezena do terço

Um canto final.

ATENÇÃO!

Este esquema não é uma camisa de força, mas uma pista de trabalho:

de um lado, deixa suficiente liberdade para o grupo alterar, completar;

de outro lado, indica um rumo que não deve ser abandonado com facilidade.

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.