Lectio Divina
Valor - desafio - prática
Em Novembro de 1965, no final do Concílio Ecuménico
Vaticano II, S. Paulo VI promulgou a Constituição Dogmática Dei Verbum. Nela se
afirma que “toda a pregação eclesiástica, como a própria religião
cristã, deve ser alimentada e regida pela Sagrada Escritura”, que constitui “alimento da alma
e perene fonte de vida espiritual” (n. 21). O Concílio retomou a afirmação de Santo Agostinho
de que “ignorar as Escrituras é ignorar Cristo”. Por isso fez um convite aos cristãos para que se
achegassem ao texto sagrado “pela Sagrada Liturgia, pela piedosa leitura e por
cursos bíblicos”. Citando Santo Ambrósio, alertou para a necessidade de a
leitura da Sagrada Escritura vir acompanhada pela oração, “pois a Deus falamos
quando rezamos e a Ele ouvimos quando lemos os divinos oráculos”.
A partir do Concílio a Igreja começou a incentivar as
famílias a terem a sua Bíblia em casa.
Ter a Bíblia em casa, não é suficiente para um cristão. É
preciso também ler o que nela está escrito. E a leitura não pode ser feita da
mesma forma como se lê um jornal ou um romance policial. A Bíblia deve ser lida
em clima de oração e com o coração voltado para Deus, prestando atenção à
mensagem que Ele nos quer passar.
Colocar em prática o que a Bíblia propõe é o grande desafio
para os cristãos. Mahatma Gandhi, depois de ter lido a Bíblia se desiludiu
profundamente com os cristãos que levavam uma vida em total desacordo com os
ensinamentos de Jesus. Dizia ele: “Não conheço
ninguém que tenha feito mais para a humanidade do que Jesus. O problema são
vocês, cristãos, que não vivem o que a Bíblia ensina”.
O mês de Setembro é para criar maior familiaridade com a
Palavra de Deus. Procurar dar-lhe um lugar de destaque em nossas casas e tirar
alguns minutos do dia para ler algum texto bíblico. Se tivermos oportunidade,
participemos de círculos e estudos da Bíblia. Acima de tudo coloquemos
em prática o que a Palavra de Deus nos propõe. A exemplo da mãe de
Jesus, “que guardava tudo em seu coração”, guardemos a Palavra de Deus,
meditando sobre aquilo que ela nos propõe.
O mês de Setembro nos incentiva a tomar a Bíblia na mão, a
meditá-la de forma orante e contemplativa. A Igreja nos estimula a viver nesta
prática: “A Palavra de Deus na vida e missão da Igreja” tomemos um impulso novo
para nos tornarmos verdadeiramente Discípulos de Jesus Cristo, como o foram,
entre tantos e tantas, São Jerónimo (que se recolheu em Belém para estudar e
traduzir a Bíblia), Santa Teresinha do Menino Jesus, São Francisco de Assis e
Santa Teresa de Ávila. Meditaram e levaram a Palavra de Deus até o âmago de
suas mentes, corações e práticas de vida. Viveram intensamente o discipulado. E
então se tornaram missionários.
Como nasceu o Mês da Bíblia?
O Mês da Bíblia surgiu em
1971, por ocasião do cinquentenário da Arquidiocese de Belo Horizonte, Minas
Gerais - Brasil. Foi levado adiante com a colaboração efectiva do Serviço de
Animação Bíblica – Paulinas (SAB), até posteriormente ser assumido pela
Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) e estender-se ao âmbito nacional.
Objetivos
- Contribuir para o
desenvolvimento das diversas formas de presença da Bíblia, na acção
evangelizadora da Igreja, no Brasil;
- Criar subsídios bíblicos
nas diferentes formas de comunicação;
- Facilitar o diálogo
criativo e transformador entre a Palavra, a pessoa e as comunidades.
1. Uma prática
antiga, sempre nova
“A Palavra
está perto de ti, em tua boca e em teu coração” (Dt 30,14)
Há pessoas
que acham a Bíblia um livro difícil. Dizem que ela só serve para o estudo, mas não
para rezar. No AT, já havia gente que pensava assim. Achavam que só alguns poucos
seriam capazes de entender bem a Palavra de Deus. O livro do Deuteronómio responde
para eles e para nós:
“Este mandamento
que hoje te ordeno não é muito difícil, nem está fora do teu alcance. Ele não está
no céu para trazê-lo a nós, a fim de que possamos ouvi-lo e colocá-lo em prática?'
Também não está no além-mar, para que fiques perguntando: 'Quem atravessará por
nós o mar, para trazer esse mandamento a nós, a fim de que possamos ouvi-lo e colocá-lo
em prática?' Sim, essa palavra está ao teu alcance: está na tua boca e no teu coração,
para que a coloques em prática”. (Dt 30,11-14).
Com outras
palavras, a Palavra de Deus não é uma doutrina distante de difícil acesso, nem um
catecismo de verdades a serem estudadas e decoradas. A Palavra de Deus é o próprio
Deus querendo comunicar-se connosco como Pai amoroso.
O valor
da Bíblia não está só naquilo que ela diz e ensina. O seu valor está também e sobretudo
em Deus, Ele mesmo, a sua pessoa, que pronuncia com muito amor aquilo que é dito
e ensinado na Bíblia. Era a experiência de Deus como Pai que revelava a Jesus o
sentido pleno das palavras da Escritura. Descobrir e experimentar esta dimensão
interpessoal da Bíblia é o objectivo da Leitura Orante da Palavra de Deus nos Círculos
Bíblicos.
A própria
Bíblia é fruto da leitura orante e comunitária da Palavra de Deus
O texto
da Bíblia não caiu pronto do céu. A Palavra de Deus, antes de ser escrita, era transmitida
oralmente. Antes de ser transmitida, era vivida. Antes de ser vivida, era recebida
no coração e revelada na prática do Povo de Deus. O texto da Bíblia nasceu aos poucos,
ao longo dos séculos, como fruto de um demorado processo de busca e de interpretação
dos factos da vida e da história, nos quais o povo ia descobrindo a presença escondida
da Palavra de Deus, partilhando entre si suas descobertas. A Bíblia nasceu desta
prática simples do povo querendo conhecer a Palavra de Deus para poder viver melhor
a vida.
O ambiente
desta leitura e descoberta da Palavra de Deus na vida eram as celebrações semanais
na sinagoga e nas casas nos dias de sábado. Era, como nós dizemos hoje, o ambiente
dos Círculos Bíblicos, onde o povo se encontrava para celebrar a Palavra de Deus
com muito canto e oração e, assim, partilhar sua fé, animar sua esperança e fazer
crescer seu amor.
Entre os
textos mais antigos da Bíblia estão os cânticos litúrgicos. Por exemplo, os cânticos
atribuídos a Miriam (Ex 15,20), a Débora (Jz 5,2-31) e a Ana (1Sam 2,1-10). Está
a antiga profissão de fé do livro do Deuteronômio (Dt 26,5-9). A Bíblia nasceu e
cresceu num ambiente de reunião e de celebração, na qual o povo reanimava sua fé,
sua esperança e seu amor. É neste mesmo ambiente que ela deve ser lida e meditada
hoje. É por isso mesmo que os Círculos Bíblicos são tão importantes.
As reuniões
do povo no tempo de Jesus
No tempo
de Jesus era neste ambiente orante que o povo meditava a Palavra de Deus. Eles reuniam
todos os sábados no salão da comunidade que se chamava Sinagoga. Um rabino daquela
época chegou a dizer: "O mundo repousa sobre três colunas: a lei, o culto
e o amor". A lei era a Bíblia; o culto era a reza, a oração.
O amor era a preocupação das pessoas em se ajudarem umas às outras. Depois
da celebração na sinagoga, o povo ia para suas casas e reunia para lembrar e actualizar
o que tinham celebrado na sinagoga. Jesus fez isto todos os sábados durante os trinta
anos que viveu em Nazaré, antes de iniciar sua vida de missionário itinerante. E
mesmo durante os três anos como missionário, ele participava nas reuniões do povo
nos sábados.
Quando aquela
mulher “levantou a voz no meio da multidão, e lhe disse: "Feliz o ventre que
te carregou, e os seios que te amamentaram", Jesus fez o maior elogio à sua
mãe. Ele disse: "Mais felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e
a põem em prática" (Lc 11,27-28). Maria meditava a Palavra de Deus presente
nos factos da vida e nas palavras do anjo e das pessoas (Lc 2,19.51). O resultado
desta meditação orante é o Cântico do Magnificat, feito com frases quase todas tiradas
do livro dos Salmos (Lc 1,46-55). Sinal de que ela sabia rezar a vida e seus acontecimentos.
Aprendeu nas reuniões da comunidade, isto é, nos Círculos Bíblicos daquela época,
pois ninguém tinha Bíblia em casa. E é o que até hoje fazemos nossos Círculos Bíblicos:
reunimos para ler juntos um trecho da Bíblia, para rezar em comunidade e para aplicar
o texto na vida e, assim, ajudar-nos uns aos outros.
2. Os dois
livros de Deus
Esta maneira
tão antiga, tão simples e tão importante de ler e de interpretar a Bíblia - tão
antiga quanto a própria Bíblia - está expressa numa comparação bonita de Santo Agostinho
que dizia: Deus escreveu dois livros.
O primeiro
livro de Deus não é a Bíblia, mas é a criação, a natureza, a vida, tudo que existe
e acontece. É pelo Livro da Natureza que Deus quer comunicar-se connosco. Mas por
causa do nosso pecado as letras deste primeiro livro se atrapalharam e já não conseguimos
descobrir a fala de Deus no livro da Vida, da Natureza, nas coisas que acontecem
connosco todos os dias. Por isso, Deus escreveu um segundo livro, que é a Bíblia.
A Bíblia foi escrita, não para substituir o livro da vida, mas para ajudar-nos a
ler melhor o livro da vida e descobrir nele a presença e os apelos de Deus.
Agostinho
enumera os três objectivos desta leitura orante da Bíblia que são também os três
objectivos da leitura da Bíblia que fazemos nos Círculos Bíblicos: (1) ela nos devolve
o olhar da contemplação, (2) nos ajuda a decifrar o mundo e (3) faz do universo
uma teofania, isto é, uma revelação de Deus. É o que acontece connosco nos
Círculos Bíblicos:
1. Devolver
o olhar da contemplação: A leitura orante da Bíblia lava os nossos olhos, limpa
nosso olhar, faz o trabalho de oculista. Ela é como uma gota de colírio que melhora
a visão da gente.
2. Decifrar
o mundo: A leitura da Bíblia nos ajuda a perceber os sinais da presença de Deus
na natureza, na vida, no mundo, nos acontecimentos diários da vida familiar, nos
noticiários do jornal.
3. Fazer
do universo uma teofania: Pela leitura constante e orante da Sagrada Escritura,
a realidade da vida e do mundo se transforma e se torna transparente, revelando
Deus o Criador na origem de tudo.
Esta mesma
maneira antiga de ler e de interpretar a Bíblia renasce hoje na prática dos Círculos
Bíblicos que alguns chamam de Leitura Popular da Bíblia. O mesmo convite de leitura
orante e constante da Bíblia chega até nós através da mensagem dos bispos reunidos
no Sínodo sobre “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”, realizado
em Roma no mês de Outubro de 2008.
3. A Leitura
Popular da Bíblia
O Papa Bento
XVI apontou a Leitura Popular da Bíblica como uma das grandes contribuições da América
Latina para a vida da Igreja. Na Leitura Popular que, às vezes, é chamada Lectio
Divina, renasce e reaparece a intuição profunda e muito tradicional da fé do Povo
de Deus, a saber, Deus nos fala hoje na vida e nos acontecimentos e a Bíblia nos
ajuda a descobrir esta fala de Deus.
a). Palavra
de Deus.
A Bíblia
é reconhecida e acolhida pelo povo como Palavra de Deus. Esta fé já existia
antes da chegada da leitura popular da Bíblia. É nesta raiz ou tronco bem firme
da fé popular, que enxertamos todo o nosso trabalho em torno da Bíblia. É o que
caracteriza a leitura que fazemos da Bíblia na América Latina. Sem esta fé, todo
o processo e todo o método teriam de ser diferentes. Diz São Paulo: “Não és tu que
sustentas a raiz, mas a raiz sustenta a ti” (Rm 11,18).
b). Fiel
à Tradição.
Ao ler a
Bíblia, o povo das Comunidades traz consigo a sua própria história e tem nos olhos
os problemas que vêem da realidade dura da sua vida. A Bíblia aparece como um espelho,
sím-bolo (Heb 9,9; 11,19), daquilo que ele mesmo vive hoje. Estabelece-se,
assim, uma ligação profunda entre Bíblia e vida que, às vezes, pode dar a impressão
aparente de um concordismo superficial. Na realidade, é uma leitura de fé muito
semelhante à leitura que faziam as comunidades dos primeiros cristãos (Act 1,16-20;
2,29-35; 4,24-31) e os Santos Padres nos primeiros séculos da Igreja.
c). Emanuel,
Deus Connosco.
A partir
desta nova ligação entre Bíblia e vida, os pobres fazem a descoberta, a maior
de todas: "Se Deus esteve com aquele povo no passado, então Ele está também
connosco nesta luta que fazemos para nos libertar. Ele escuta também o nosso clamor!"
(cf. Ex 2,24; 3,7). Assim vai nascendo, imperceptivelmente uma nova experiência
de Deus e da vida que se torna o critério mais determinante da leitura popular e
que menos aparece nas suas explicitações e interpretações. Pois o olhar não se enxerga
a si mesmo.
d). Livro
da Vida de cada dia.
Antes de
o povo ter esse contacto mais vivido com a Palavra de Deus, para muitos, sobretudo
na igreja católica, a Bíblia ficava longe. Era o livro dos “padres”, do clero. Mas
agora ela chegou perto! O que era misterioso e inacessível começou a fazer parte
da vida quotidiana dos pobres. E junto com a sua Palavra, o próprio Deus chegou
perto! “Vocês que antes estavam longe foram trazidos para perto!” (Ef 2,13) Difícil
para um de nós avaliar a experiência de novidade e de gratuidade que tudo isto representa
para os pobres.
e). Escrita
para nós.
Assim, aos
poucos, foi surgindo uma nova maneira de se olhar a Bíblia e a sua interpretação.
A Bíblia já não é vista como um livro estranho que pertence ao clero, mas como nosso
livro, "escrito para nós que tocamos o fim dos tempos" (1 Cor 10,11).
Às vezes, para alguns, ela chega a ser o primeiro instrumento para uma análise mais
crítica da realidade que hoje vivemos. A respeito de uma empresa opressora do povo,
o pessoal da comunidade dizia: "É o Golias que temos que enfrentar!"
f). Revela
Deus na vida.
Está em
andamento uma descoberta progressiva de que a Palavra de Deus não está só na Bíblia,
mas também na vida, e que o objectivo principal da leitura da Bíblia não é interpretar
a Bíblia, mas sim interpretar a vida com a ajuda da Bíblia. Descobre-se que Deus
fala hoje, através dos fatos. Isto gera um entusiasmo muito grande. Não é tanto
por causa das coisas novas que eles descobrem na Bíblia, mas muito mais por causa
da confirmação que recebem de que a caminhada que estão fazendo é uma caminhada
bíblica e, assim, neles se renova a esperança. A Bíblia ajuda a descobrir que a
Palavra de Deus, antes de ser lida na Bíblia, já existia na vida. “Na verdade, o
Senhor está neste lugar, e eu não o sabia” (Gn 28,16)!
g). Boa
Notícia para os pobres.
A Bíblia
entra por uma outra porta na vida do povo: não pela porta da imposição autoritária,
mas sim pela porta da experiência pessoal e comunitária. Ela se faz presente não
como um livro que impõe uma doutrina de cima para baixo, mas como uma Boa Nova que
revela a presença libertadora de Deus na vida e na luta do povo. Os que participam
dos grupos bíblicos, eles mesmos se encarregam de divulgar esta Boa Notícia
e atraem outras pessoas para participar. “Venham ver um homem que me contou toda
a minha vida!” (Jo 4,29). Por isso, ninguém sabe quantos grupos bíblicos existem.
Só Deus mesmo! Graças a Deus!
h). Orienta
para o estudo da Bíblia.
Lendo assim
a Bíblia, produz-se uma iluminação mútua entre Bíblia e vida. O sentido e o alcance
da Bíblia aparecem e se enriquecem à luz do que se vive e sofre na vida, e vice-versa.
Para que se produza esta ligação profunda entre Bíblia e vida, é importante: a)
Ter nos olhos as perguntas reais que vêm da vida e da realidade sofrida de hoje.
Aqui aparece a importância de o estudioso da Bíblia ter convivência e experiência
pastoral inserida no meio do povo. b) Descobrir que se pisa o mesmo chão, ontem
e hoje. Aqui aparece a importância do uso da ciência e do bom senso tanto na análise
crítica da realidade de hoje como no estudo do texto e seu contexto social. c) Ter
uma visão global da Bíblia que envolva os próprios leitores e leitoras e que esteja
ligada com a situação concreta das suas vidas.
i). Leitura envolvente.
A interpretação
que o povo faz da Bíblia é uma actividade envolvente que compreende não só a contribuição
intelectual do exegeta, mas também e sobretudo todo o processo de participação da
Comunidade: trabalho e estudo de grupo, leitura pessoal e comunitária, teatro, celebrações,
orações, recreios, “enfim, tudo que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso,
virtuoso ou que de qualquer maneira merece louvor” (Fl 4,8). Aqui aparecem a riqueza
da criatividade popular e a amplidão das intuições que vão nascendo.
j). Ambiente
comunitário de fé.
Para uma
boa interpretação, é muito importante o ambiente de fé e de fraternidade, através
de cantos, orações e celebrações. Sem este contexto do Espírito, não se chega
a descobrir o sentido que o texto tem para nós hoje. Pois o sentido
da Bíblia não é só uma ideia ou uma mensagem que se capta com a razão e se objectiva
através de raciocínios; é também um sentir, uma consolação, um conforto que
é sentido com o coração, “para que, pela perseverança e pela consolação que
nos proporcionam as Escrituras, tenhamos esperança” (Rm 15,4).
4. - A mensagem
do Sínodo dos Bispos
Na mensagem
final do Sínodo ao Povo de Deus, realizado em 2008, os bispos sintetizaram todo
o processo da descoberta, leitura e meditação da Palavra de Deus em quatro símbolos
muito sugestivos: a Voz da Palavra, o Rosto da Palavra, a Casa da Palavra e o Caminho
da Palavra.
A Voz
da Palavra ressoa não só na Bíblia, mas também se faz ouvir na natureza, no
universo, na vida, nos factos, “sem fala e sem palavras, sem que sua voz seja ouvida”
(Sl 19,4). “De facto, desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus,
tais como o seu poder eterno e sua divindade, podem ser contempladas, através da
inteligência, nas obras que ele realizou” (Rom 1,20).
O Rosto
da Palavra é Jesus de Nazaré, sua vida, seus gestos, suas palavras, seus ensinamentos.
Ele é a revelação do Pai. Nele a Palavra se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14).
Ele podia dizer: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9).
A Casa
da Palavra é a Comunidade, a Igreja. É onde o povo se reúne em torno da Palavra
de Deus: “Como pedras vivas, vós sois as pedras vivas do templo espiritual, e formando
um sacerdócio santo, destinado a oferecer sacrifícios espirituais que Deus aceita
por meio de Jesus Cristo” (1Pd 2,5). Jesus dizia: “Onde dois ou três estão reunidos
em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). A Casa da Palavra de Deus somos
nós, quando estamos reunidos no Círculo Bíblico.
O Caminho
da Palavra é a missão que recebemos
como discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham
vida. “Caminho” é a palavra usada no livro dos Actos para identificar os cristãos
(Act 9,2; 19,9; 22,4; 24,14). Indica o compromisso assumido de levar a Boa Nova
pelo mundo afora.
Os bispos
retomam o convite do Salmo 1 para praticar a Leitura Orante da Palavra de Deus:
“Feliz o
ser humano,
que não
segue os conselhos dos ímpios,
não anda
no caminho dos maus,
nem freqüenta
a companhia dos gozadores.
Pelo contrário,
encontra
seu prazer na lei do Senhor,
e nela medita
dia e noite.
Ele é como
árvore plantada junto d'água corrente:
dá fruto
no tempo devido,
e suas folhas
nunca murcham.
Tudo o que
ele faz é bem sucedido.
Feliz este
homem!” (Salmo 1,1-3).
O salmo
ensina que a meditação orante e constante da Lei do Senhor faz a pessoa crescer
e amadurecer, traz consciência crítica frente “aos conselhos dos ímpios”, ajuda
a evitar o “caminho dos maus”, torna fecunda a vida que, “como árvore, plantada
à beira da água, dará fruto a seu tempo. Sua folhagem não secará, e terá êxito em
todos os empreendimentos”. Assim descobrimos o caminho da felicidade: “Feliz
este homem!”
5. A chave
para descobrir a Palavra de Deus na vida
O que fazer
para que esta meditação orante e constante da Palavra de Deus nos ajude a encontrar
a Palavra de Deus na vida? Olhar e imitar o jeito de Jesus, o Servo de Deus.
* Imitar
a atitude orante do Servo de Deus
O profeta
Isaías informa que foi na meditação da Palavra de Deus que o Servo de Javé descobriu
sua missão. O próprio Servo descreve como fazia esta meditação da Palavra de Deus
Ele diz:
“O Senhor
me concedeu o dom de falar como seu discípulo,
para eu
saber dizer uma palavra de conforto a quem está desanimado.
Cada manhã,
ele me desperta, para que eu o escute,
de ouvidos
abertos, como o fazem os discípulos.
O Senhor
me abriu os ouvidos e eu não resisti, nem voltei atrás (Is 50,4-5).
Este testemunho
do Servo deixa transparecer quatro pontos muito importantes que também marcam nossa
atitude quando reunimos em Círculo Bíblico para meditar e actualizar a Palavra de
Deus:
1. Ele se
considera discípulo. Isto significa que é humilde, disposto a aprender. Não se considera
alguém que já sabe tudo.
2. Ele quer
ajudar os outros, ele não pensa só em si mesmo. Ele espera que a meditação da Palavra
o ajude a encontrar uma boa palavra para poder ajudar quem está desanimado.
3. Ele tem
uma atitude de escuta, sabe fazer silêncio dentro de si para poder escutar o que
Deus lhe tem a dizer.
4. Ele sabe
que sua missão não é fácil e que vai encontrar oposição, mas ele vai em frente e
não volta atrás.
5. Ele reconhece
que tudo é dom de Deus e, se ele poder dizer uma palavra boa para os outros, é porque
Deus o ajudou e sugeriu esta palavra.
* O texto
do Servo é um auto-retrato de Jesus
Como o Servo
de Isaías, Jesus meditava e escutava a Palavra de Deus. Diz o evangelho
de Marcos: “De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar
num lugar deserto” (Mc 1,35). Jesus passava noites em oração, meditando a Palavra
de Deus (cf. Lc 5,16; 6,12; 9,18.28; 11,1).
Na raiz
da leitura que Jesus fazia da Palavra de Deus estava a sua experiência de Deus como
Pai. A intimidade com o Pai dava a ele um olhar mais penetrante, "o olhar da
contemplação", que o colocava em contacto directo com Deus, o autor tanto da
Bíblia como da vida. Aqui está a chave para descobrir a Palavra de Deus na vida.
Por isso o apóstolo Paulo recomenda: “Procurem ter em vocês os mesmos sentimentos
que animavam Jesus” (Flp 2,5). Uma comparação ajuda para esclarecer este assunto.
Numa roda
de amigos alguém mostrou uma fotografia, onde se via um homem de rosto severo, com
o dedo levantado, quase agredindo o público. Todos ficaram com a ideia de se tratar
de uma pessoa inflexível e antipática que não permitia intimidade. Enquanto comentavam
a fotografia, chegou um rapaz, viu a fotografia e exclamou: "É meu pai!"
Os outros olharam para ele e disseram: "Pai severo, hein!" Ele respondeu:
"Não é não! Meu pai é muito carinhoso. Ele é advogado. Aquela fotografia foi
tirada no tribunal na hora em que ele denunciava o crime de um latifundiário que
queria despejar uns pobres para apropriar-se do terreno deles e construir um prédio
grande para alugar e assim ganhar mais dinheiro". Meu pai defendeu os direitos
dos pobres e ganhou a causa. Até hoje os pobres continuam morando em suas casas.
Graças a Deus!” Todos olharam de novo a fotografia e alguém comentou: "Que
fotografia simpática!” Como por um milagre, a fotografia se iluminou por dentro
e começou a tomar um outro aspecto. Aquele rosto tão severo adquiriu os traços de
uma grande ternura! A experiência do filho, sem mudar um traço sequer, mudou tudo.
Olhando
as fotografias do Antigo Testamento, o povo no tempo de Jesus imaginava Deus como
alguém distante, severo, de difícil acesso, cujo nome nem sequer podia ser pronunciado.
Em vez de Javé diziam Adonai, isto é, Senhor. Jesus chegou
e disse: “É meu Pai!” As palavras e gestos de Jesus, nascidas da sua experiência
de Filho, sem mudar uma letra ou vírgula sequer (cf. Mt 5,18), mudaram todo o sentido
do Antigo Testamento. A Bíblia se iluminou por dentro. O mesmo Deus que parecia
tão distante e severo adquiriu os traços de um Pai bondoso de grande ternura, sempre
presente, pronto para acolher e libertar! O Novo Testamento é uma releitura do Antigo
Testamento feita à luz da nova experiência de Deus como Pai e Mãe, revelada e partilhada
a nós por Jesus.
* Ter em
si os sentimentos que animavam Jesus (Fl 2,5)
Não basta
ler e estudar a Bíblia para que ela libere o seu sentido. É preciso ter em nós os
mesmos sentimentos que animavam Jesus (Flp 2,5); ter nos olhos e no coração a liberdade
dos filhos de Deus. Do contrário, a Bíblia continua coberta por um véu que impede
a descoberta plena do seu sentido. "É só pela conversão ao Senhor que o véu
cai. Pois o Senhor é Espírito e onde há o Espírito, aí há liberdade" (2Cor
3,17). Como conseguir esta atitude, este olhar? Como criar em nós os mesmos sentimentos
que animavam Jesus? O seguimento de Jesus tinha três dimensões:
* Imitar
o exemplo do Mestre:
Jesus era
o modelo a ser recriado na vida do discípulo ou da discípula (Jo 13,13-15). A convivência
diária com o mestre permitia um confronto constante. Nesta "escola de Jesus"
só se ensinava uma única matéria: o Reino! E este Reino se reconhecia na vida e
na prática do Mestre. Isto exige de nós leitura e meditação constantes do evangelho
para olharmos no espelho da vida de Jesus.
* Participar
no destino do Mestre.
A imitação
do Mestre não era um aprendizado teórico. Quem seguia Jesus devia comprometer-se
com ele e "estar com ele nas tentações" (Lc 22,28) e na perseguição (Jo
15,20; Mt 10,24-25). Devia estar disposto a carregar a cruz com ele (Mc 8,34-35;
Jo 11,16). Isto exige de nós um compromisso concreto e diário de fidelidade com
o mesmo ideal com que Jesus, fiel ao Pai, se comprometia.
* Ter
a vida de Jesus dentro de si.
Depois da
Páscoa, surge uma terceira dimensão, fruto da fé na ressurreição e da ação do Espírito.
Trata-se da experiência pessoal da presença de Jesus ressuscitado, que nos leva
a dizer: "Vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20).
Eles procuravam refazer em suas vidas a mesma caminhada de Jesus que tinha morrido
em defesa da vida e foi ressuscitado pelo poder de Deus (Fl 3,10-11). Isto exige
de nós uma espiritualidade de entrega contínua, alimentada na oração.
6.- As muitas
formas e métodos de fazer Círculo Bíblico
Desde aqueles
tempos até hoje, é sempre a mesma palavra de Deus que é buscada e meditada. São
muitas as maneiras de se ler a Bíblia, muitos os métodos que se usam para interpretar
a Palavra que Deus nos dirige de tantas maneiras diferentes. Dizia o Papa S. João
Paulo II a respeito dos métodos: ”A grande variedade dos métodos pode, por vezes,
dar a impressão de uma certa confusão. Mas também tem a vantagem de nos fazer perceber
a inesgotável riqueza da Palavra de Deus”. E dizia ainda: "Na Igreja, todos
os métodos de interpretação devem estar, directa ou indirectamente, a serviço da
evangelização" (João Paulo II).
Mas o que
há de comum em todos eles é a vontade de descobrir, de rezar e de colocar em prática
a Palavra de Deus. São sobretudo três pontos que estão presentes em quase todos
os métodos: (1) a realidade concreta da vida com seus problemas que faz as pessoas
sofrer e buscar uma ajuda na palavra de Deus; (2) o próprio texto bíblico que é
lido e meditado com muito respeito e fé; (3) a leitura em comunidade que provoca
a partilha e leva os participantes ligar a vida com o texto Bíblico.
A linguagem
usada por Deus para comunicar-se connosco na Bíblia é em tudo igual à nossa linguagem
humana, menos no erro e na mentira. Por isso ela deve ser lida e interpretada com
a ajuda dos mesmos critérios que se usam para interpretar a linguagem humana: crítica
textual, crítica literária, pesquisa histórica, etc. Do contrário, caímos no erro
do fundamentalismo que toma tudo ao pé da letra e que tanto mal faz, pois (1) desliga
a Bíblia do contexto da realidade humana daquela época, (2) isola o leitor e a leitora
da comunidade e da tradição e (3) separa vida e fé. O fundamentalismo foi condenado
no documento da Pontifícia Comissão Bíblica.
Vamos ver
de perto a variedade dos métodos e formas de se fazer Círculo Bíblico. O tamanho
do chapéu é feito de acordo com a forma da cabeça. Assim podemos encontrar o jeito
e a forma ou método mais de acordo com a nossa realidade aqui onde estamos.
1. O método
dos quatro degraus da Leitura Orante
Foi o monge
Guigo que, no século XI, sistematizou a Leitura Orante na forma de uma escada de
quatro degraus que, subindo da terra alcança o céu: Leitura, Meditação,
Oração e Contemplação. Formulando assim a prática da Leitura Orante,
Guigo evocava o sonho de Jacó, no qual aparece “uma escada que se erguia da terra
e chegava até o céu, e os anjos (mensageiros) de Deus subiam e desciam por ela”
(Gn 28,12). Acordando do sono, Jacó disse: “Este lugar é a Casa de Deus e a Porta
do céu” (Gn 28,17). A comunidade reunida no Círculo Bíblico é a Casa de Deus e a
Porta do céu.
Leitura, Meditação, Oração
e Contemplação são os quatro aspectos básicos da atitude cristã:
1. Leitura:
ver bem o que está escrito, respeitar a letra e nunca manipular o texto. Se necessário,
consultar uma pessoa entendia ou ler algum comentário.
2. Meditação:
ter a preocupação de ligar o texto com a vida hoje e nunca fazer do texto apenas
uma informação sobre o passado, sem compromisso com o hoje.
3. Oração:
não só ouvir a palavras e descobrir o seu sentido, mas também e sobretudo comprometer-se
e pedir a Deus para poder praticá-la no dia-a-dia da nossa vida.
4. Contemplação:
é a luz que sobrou nos olhos depois que terminei a leitura e que fechei a Bíblia.
Pois esta maneia de ler, meditar e orar a Bíblia funciona como
o colírio que vai limpando e lavando nosso olhar e, aos poucos, imperceptivelmente,
faz com que comecemos a olhar e a contemplar tudo com o olhar de Deus.
2. As vários
maneiras de ler a Bíblia usadas no Novo Testamento
O Novo Testamento
traz vários episódios em que aparece como Jesus e os primeiros Cristãos usavam a
Bíblia e como faziam para ligá-la com a vida. Vamos olhar de perto como eles faziam.
Isto pode ajudar a nós hoje.
a). Método
do povo durante os trinta anos de Jesus em Nazaré
O ritmo
diário em casa, na família:
No tempo
de Jesus, nas casas de família e nos pequenos grupos, todas as pessoas rezavam três
vezes ao dia: de manhã, ao meio dia e à noite. Eram os três momentos em que, no
Templo em Jerusalém, se oferecia o sacrifício. Junto com o incenso e a fumaça dos
sacrifícios subia até Deus a oração do seu povo. Estas orações, tiradas da Bíblia
ou por ela inspiradas, marcavam o ritmo diário da vida de Jesus e da sua comunidade
ao longo dos três anos de formação.
O ritmo
semanal na comunidade,
sinagoga:
Um escrito
antigo da Tradição Judaica, chamado Pirquê Abot, dizia: “O mundo repousa
sobre três colunas: a Lei, o Culto e o Amor”. Ou seja, a Bíblia, a Celebração
e o Serviço. Era o que o povo fazia todos os Sábados na sinagoga. Mesmo durante
as viagens missionárias, Jesus e os discípulos tinham o "costume" (Lc
4,16) de, aos sábados, se reunirem com a comunidade local na sinagoga para ouvir
as leituras da Bíblia (Lei), para rezar e louvar a Deus (Culto) e
para discutir os serviços a serem realizados para a edificação da comunidade e a
ajuda a ser oferecida às pessoas (Amor) (Lc 4,16.44; Mc 1,39). Até hoje,
este ainda é o ambiente formador das nossas Comunidades: ouvir em comunidade a leitura
da Palavra de Deus (Lei, Bíblia), rezar juntos (Culto, Celebração) e combinar entre
si o que fazer para melhorar a vida dos irmãos e das irmãs (Serviço, Amor).
O ritmo
anual no Templo,
no meio do povo:
Cada ano,
o povo fazia três romarias para visitar a Deus no seu Templo em Jerusalém nas três
grandes festas, que marcavam o ano litúrgico e nas quais se celebravam os momentos
importantes da história do Povo de Deus: Páscoa, Pentecostes e a festa das Tendas
(Ex 23,14-17; Dt 16,9). Jesus e os discípulos participavam das romarias para o Templo
de Jerusalém (Jo 2,13; 5,1; 7,14; 10,22; 11,55).
Através
deste tríplice ritmo (diário, semanal e anual), criava-se um ambiente familiar e
comunitário, impregnado pela leitura orante da Palavra de Deus. A participação nestes
Círculos Bíblicos levava as pessoas a terem outros olhos, outras atitudes.
Fazia nascer nelas uma nova consciência a respeito da missão e a respeito de si
mesmas. Fazia com que fossem colocando os pés do lado dos excluídos. Produzia aos
poucos a "conversão" como consequência da aceitação da Boa Nova (Mc 1,15).
Sem esta experiência comunitária da Leitura Orante, o estudo da Bíblia cai no vazio.
b). O método
de Jesus no Caminho de Emaús: Lucas 24, 13-35
No episódio
dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35), Lucas apresenta Jesus como intérprete da
Bíblia e orienta seus leitores e leitoras das Comunidades dos anos oitenta como
ler a Escritura. O processo de interpretação seguido por Jesus tem os seguintes
passos, misturados entre si:
1º Passo: partir da realidade
(Lc 24,13-24)
Jesus encontra
os dois discípulos numa situação de medo e dispersão, de descrença e desespero.
Eles estavam fugindo. As forças de morte, a cruz, tinham matado neles a esperança:
"Nós esperávamos que ele fosse o libertador, mas..." (Lc 24,21). Jesus
se aproxima e caminha com eles, escuta a conversa e pergunta: "De que vocês
estão falando? Por que estão tristes?" Mas eles não o reconheciam. Não percebiam
a presença da Palavra de Deus que já estava com eles, na vida deles.
O 1º passo
é aproximar-se
das pessoas, caminhar com elas, escutar a realidade, os problemas; ser capaz de
fazer perguntas que ajudem o povo a olhar a realidade com um olhar mais crítico.
2º Passo: usar a Bíblia (Lc
24,25-27)
Jesus usa
a Bíblia não para dar uma aula sobre a Bíblia, mas para iluminar o problema que
fazia sofrer os dois discípulos, para esclarecer a situação que estavam vivendo
e para mostrar que a história não tinha escapado de mão de Deus.
O 2º
passo é este: com a ajuda da Bíblia, iluminar os factos e situá-los dentro do
conjunto do projecto de Deus, transformar a cruz, sinal de morte, em sinal de vida
e de esperança. Assim, aquilo que os impedia de caminhar, tornou-se a força principal
na caminhada, a nova luz no caminho.
3º Passo: partilhar na comunidade
(Lc 24,28-32)
A Bíblia,
ela por si, sozinha, não abriu os olhos dos dois, mas a sua leitura e interpretação
fizeram arder neles o coração (Lc 24,32), e isto é muito importante. O que faz enxergar
mesmo, é a fracção do pão, o gesto comunitário da hospitalidade, da oração em comum,
da partilha do pão ao redor da mesa. No momento em que é reconhecido, Jesus desaparece.
Pois eles mesmos experimentam a ressurreição. Ressuscitam e renascem.
O 3º
passo é este: saber criar um ambiente de fé, de fraternidade e de partilha,
onde possa actuar o Espírito Santo que nos faz entender o sentido das coisas que
Jesus falou e produz em nós uma experiência de ressurreição e de vida nova (cf.
Jo 14,26; 16,13).
Objectivo: Ressuscitar e voltar
para Jerusalém (cf Lc 24,33-35)
Imediatamente,
eles levantam e voltam para Jerusalém. Tudo mudou: coragem, em vez de medo; retorno,
em vez de fuga; fé, em vez de descrença; esperança, em vez de desespero; consciência
crítica, em vez de fatalismo frente ao poder; liberdade, em vez de opressão! Em
vez da má notícia da morte, a Boa Notícia da Ressurreição!
O objetivo
da leitura orante da Bíblia, é este: criar coragem e voltar para Jerusalém, onde
continuam vivas as forças de morte que mataram Jesus. Os dois discípulos, eles mesmos
ressuscitaram. Venceram o medo da morte e das forças da morte.
c). No Monte
da Transfiguração: Lucas 9,28-36
Ponto de
partida: A Crise
dos apóstolos. A cruz apareceu no horizonte. Eles sobem para rezar, sobem a Montanha.
Formam um grupo pequeno. Só três, quatro pessoas. Jesus e mais três discípulos.
As passagens
bíblicas: Aparecem
Moisés e Elias, isto é, a lei e a profecia. O assunto a ser iluminado pela Bíblia
é a Cruz de Jesus, chamada aqui de Êxodo. Qual o seu significado?
Resultado: Eles têm uma profunda
experiência de Deus que se expressa pela aparição de uma nuvem e pelas palavras
do céu que citam a profecia do Servo, anunciado por Isaías.
d). Os primeiros
cristãos na perseguição: Actos 4,23-31
Ponto de
partida: Eles sofrem
perseguição. Pedro e João foram presos. Muita preocupação. A comunidade solidária
está reunida rezando e se animando mutuamente.
A passagem
bíblica: Eles rezam
o salmo 2 e o aplicam à realidade da perseguição que estão sofrendo. Sabem ler a
história à luz da Bíblia. Fazem preces, Pedem coragem
Resultado: Em vez de desânimo diante
das dificuldades, acontece um pequeno Pentecostes que os anima para continuar com
força a caminhada.
3. Nossa
maneira de olhar no Espelho da Vida
Quando alguém
começa a participar pela primeira vez de um círculo bíblico, pode acontecer que
ele fique com a ideia: "A Bíblia é um livro difícil e eu não sei nada. Como
é que eu posso participar?" Ele cria complexo de ignorância e de inferioridade.
E isso não é bom. Outros começam a estudar para se autopromover e saber mais do
que os outros. E isso também não é bom. Para evitar estes dois males, temos que
encontrar nosso jeito local de ler a Bíblia que nos ajude a crescer na fé, na esperança
e no amor.
1. Cinco
conselhos para o nosso Círculo Bíblico
1. No nosso
Círculo Bíblico vamos partir daquilo que o povo já sabe a respeito da Bíblia e da
sua maneira de viver a fé. Todo mundo já ouviu falar de Adão e Eva, de Abraão e
Sara, do profeta Elias, e tantas outras pessoas daquele tempo. Todo mundo também
já tem o seu jeito de viver a fé e tem muita experiência para partilhar com os outros.
Este é o fundamento e o ponto de partida.
2. No nosso
Círculo Bíblico vamos imitar o Servo de Deus se considerava discípulo, isto é, uma
pessoa humilde disposta a aprender dos outros, que não impõe suas ideias, mas sabe
escutar e aprender dos outros. Esta é a atitude básica.
3. Nosso
Círculo Bíblico não pode ser uma aula em que uma pessoa ensina os outros como se
fosse professor ou professora que tudo sabe e em que os outros aprendem como alunos,
mas deve ser um espaço em que procuramos aprender juntos, uns dos outros, partilhando
nossa sabedoria e nossas experiências de vida.
4. No nosso
Círculo Bíblico vamos olhar a Bíblia não como um livro de doutrina a ser decorada,
mas como a carta que o Pai do céu manda para nós, seus filhos e suas filhas, através
do Espírito de Jesus, nosso irmão mais velho. Ele nos fala do amor ao próximo e
da nossa vida em comunidade como revelação do rosto de Deus. Este é o ambiente orante.
5. No nosso
Círculo Bíblico vamos olhar mais as pessoas da Bíblia, do que as doutrinas. Olhamos
a Bíblia como o espelho da nossa vida. Olhando de perto as pessoas, encontramos
luz para iluminar o que acontece connosco hoje. Comparando nossa vida com a vida
das pessoas da Bíblia, assimilamos também as verdades, a doutrinas, a fé, a esperança
e o amor que as animava. O principal de todos é Jesus que nos revela o rosto de
Deus.
7. Resumindo
as coisas
1. Objetivo
dos Círculos Bíblicos
* reunir o pessoal e criar um começo de comunidade;
* suscitar amor e interesse pela Palavra de
Deus;
* conseguir umas noções básicas de como ler
a Bíblia;
* conseguir uma familiaridade com os personagens
principais da Bíblia;
* obter um mínimo de conhecimento do Plano
de Deus, ontem e hoje;
* conseguir uma linha comum de trabalho nas
comunidades;
* conseguir uma maneira comum de interpretar
a Bíblia e a vida;
* animar a fé, a esperança e o compromisso
das pessoas que participam;
* perceber
o alcance da fé para a vida, a caminhada e a luta do povo.
2. Dinâmica
dos Círculos Bíblicos
* nadar se aprende nadando; o objectivo só
se alcança fazendo, exercendo;
* cada roteiro funciona como um espelho, onde
Bíblia e Vida se reflectem;
* cada roteiro focaliza uma pessoa mais ou
menos conhecida da Bíblia;
* cada roteiro focaliza um assunto determinado
da vida de hoje;
* a ligação Bíblia-Vida é provocada e orientada
por meio de perguntas;
* cada roteiro só funciona através da participação
de todos do grupo;
* cada grupo deve ter alguém que se encarregue
de animar a reunião;
* cada reunião
dê atenção à Realidade, à Bíblia, à Oração, ao Compromisso.
3. Funcionamento
dos Círculos Bíblicos
Se possível:
* cada semana, uma reunião de grupo para realizar
o Círculo Bíblico;
* cada mês, uma reunião de treinamento para
os animadores dos grupos;
* nesta reunião mensal, se faz revisão dos
encontros do mês anterior;
* na mesma reunião, se explicam os quatro círculos
do próximo mês;
* ter muita paciência, pois todo crescimento
deve ter o seu tempo;
* seguir
o esquema aqui apresentado com liberdade, sem rigidez.
ESQUEMA
PARA OS CÍRCULOS BÍBLICOS
Abertura
Inicial
Um Canto
Acolhida.
Invocar
o Espírito Santo
Partir de
um Facto da vida
Ler o título do Círculo
Ler as perguntas da vida e as respostas
Conversar em torno do assunto da vida indicado
no título
Discutir as respostas dos outros
Dar a nossa
resposta à pergunta da vida
2. Meditar a Palavra
de Deus
Ler a introdução ao texto da Bíblia
Fazer a leitura solene do texto da Bíblia
Um momento de silêncio
Repetir ou lembrar o texto de memória;
Responder às perguntas
meditar o texto, ligando-o com a vida;
Descobrir
a Mensagem
3. Celebrar a Palavra
de Deus
Unidos a Jesus formular as preces
Assumir juntos um compromisso concreto
Fazer preces e rezar um salmo apropriado ao
assunto
Conclusão
Oração final ou uma dezena do terço
Um canto
final.
ATENÇÃO!
Este esquema não é uma camisa de força, mas
uma pista de trabalho:
de um lado, deixa suficiente liberdade para
o grupo alterar, completar;
de outro lado, indica um rumo que não deve
ser abandonado com facilidade.