FRATELLI TUTTI E CONSAGRADOS DA Diocese de Sumbe 2921
O Papa Francisco assinou (junto ao túmulo de São Francisco de Assis) a 3 de Outubro de 2020 em Assis a encíclica ‘Fratelli Tutti’, 299º documento do género na história da Igreja Católica, foi publicado no domingo (4/10/2020) às 12h15 de Roma, após a oração do ângelus.
A encíclica – tradicionalmente assinada no Vaticano – é o grau máximo das cartas que um Papa escreve e a expressão ‘Fratelli Tutti ‘ (aos irmãos todos, em tradução livre) remete para os escritos de São Francisco de Assis, o religioso que inspirou o pontífice na escolha do seu nome. É a terceira Encíclica, depois das duas anteriores (a ‘Lumen Fidei’ - A luz da Fé, de 2013, que recolhe reflexões de Bento XVI, Papa emérito; e a Laudato Si’, de 2015, sobre a ecologia integral) do actual pontificado.
“FRATELLI TUTTI”, A ENCÍCLICA SOCIAL DO PAPA FRANCISCO
Fraternidade e amizade social são os caminhos indicados pelo Pontífice para construir um mundo melhor, mais justo e pacífico, com o compromisso de todos: pessoas e instituições, reafirmado com vigor o não à guerra e à globalização da indiferença.
Quais são os grandes ideais mas também os caminhos concretos para aqueles que querem construir um mundo mais justo e fraterno nas suas relações der, principalmente, “Fratelli tutti”: o Papa define-a como uma “Encíclica Social” (6) que toma o seu título das “Admoestações” de São Francisco de Assis, que usava essas palavras “para se dirigir a todos os irmãos e irmãs e lhes propor uma forma de vida com sabor do Evangelho” (1). A Encíclica tem como objectivo promover uma aspiração mundial à fraternidade e à amizade social. No pano de fundo, há a pandemia da Covid-19 que – revela Francisco – “irrompeu quotidianas, na vida social, na política e nas instituições? Esta é a pergunta à qual pretende responde forma inesperada quando eu estava escrevendo esta carta”. Mas a emergência sanitária global mostrou que “ninguém se salva sozinho” e que chegou realmente o momento de “sonhar como uma única humanidade”, na qual somos “todos irmãos”. (7-8).
1 – A ESTRUTURA DO TEXTO
Se observarmos a estrutura do documento vemos que, após uma introdução marcada pela luz que vem do modelo de São Francisco - que inspirou, além desse texto, o texto da Laudato Si' e o próprio nome do Papa Francisco - o movimento do texto procede de maneira semelhante a Amoris Laetitia. Lê a realidade com suas sombras (cap. 1), se deixa inspirar por um texto bíblico (cap. 2) e depois formula o coração do documento de amicitia et de fraternitate no cap. 3. Disso derivam uma série de consequências importantes que ocupam o restante do texto (capítulos 4-8). Por uma questão de utilidade, vai aqui o índice:
• Introdução (1-8)
• Capítulo Um: As sombras de um mundo fechado (9-55)
• Capítulo Dois: Um estranho no caminho (56-86)
• Capítulo Três: Pensar e gerar um mundo aberto (87-127)
• Capítulo Quatro: Um coração aberto ao mundo inteiro (128-153)
• Capítulo Cinco: A política melhor (154-197)
• Capítulo Seis: Diálogo e amizade social (198-224)
• Capítulo Sete: Percursos de um novo encontro (225-270)
• Capítulo Oito: As religiões ao serviço da fraternidade no mundo (271-287)
a) No primeiro de oito capítulos, intitulado “As sombras dum mundo fechado”, o documento debruça-se sobre as muitas distorções da época contemporânea: a manipulação e a deformação de conceitos como democracia, liberdade, e justiça; o egoísmo e a falta de interesse pelo bem comum; a prevalência de uma lógica de mercado baseada no lucro e na cultura do descarte; o desemprego, o racismo, a pobreza; a desigualdade de direitos e as suas aberrações como a escravatura, o tráfico de pessoas, as mulheres subjugadas e depois forçadas a abortar, o tráfico de órgãos (10-24). Estes são problemas globais que requerem acções globais, sublinha o Papa, apontando o dedo também contra uma “cultura de muros” que favorece a proliferação de máfias, alimentadas pelo medo e pela solidão (27-28).
b) A muitas sombras, porém, a Encíclica responde com um exemplo luminoso, o do bom samaritano, a quem é dedicado o segundo capítulo, “Um estranho no caminho”. Nele, o Papa assinala que, numa sociedade doente que vira as costas à dor e é “analfabeta” no cuidado dos mais frágeis e vulneráveis (64-65), somos todos chamados a estar próximos uns dos outros (81), superando preconceitos e interesses pessoais. De facto, todos nós somos co-responsáveis na construção de uma sociedade que saiba incluir, integrar e levantar aqueles que sofrem (77). O amor constrói pontes e nós “somos feitos para o amor” (88), acrescenta o Papa, exortando em particular os cristãos a reconhecerem Cristo no rosto de cada pessoa excluída (85).
A “não indiferença” é o único berço da fraternidade social e universal. Na parábola, a "não indiferença" surge de um "samaritano" (um homem discriminado e marginalizado) em comparação com um judeu ferido e abandonado. A universalidade da fraternidade se escreve numa proximidade que supera qualquer "comunidade restrita" e que, portanto, delineia uma "sociedade aberta".
Nas últimas linhas desse segundo capítulo, o universalismo da fraternidade encontra uma âncora teológica na identificação de Cristo com os pobres, com os sedentos, com os enfermos e com o reconhecimento, para cada cristão, que pode encontrar nos outros “a sua própria carne". É por isso que se extrai uma conclusão singularmente franca, em termos de uma "autocrítica" da tradição, muito semelhante às passagens paralelas de Amoris Laetitia (AL 35-37) e com isso se conclui o capítulo 2:
"Às vezes deixa-me triste o facto de, apesar de estar dotada de tais motivações, a Igreja ter demorado tanto tempo a condenar energicamente a escravatura e várias formas de violência. Hoje, com o desenvolvimento da espiritualidade e da teologia, não temos desculpas. Todavia, ainda há aqueles que parecem sentir-se encorajados ou pelo menos autorizados pela sua fé a defender várias formas de nacionalismo fechado e violento, atitudes xenófobas, desprezo e até maus-tratos àqueles que são diferentes. A fé, com o humanismo que inspira, deve manter vivo um sentido crítico perante estas tendências e ajudar a reagir rapidamente quando começam a insinuar-se. Para isso, é importante que a catequese e a pregação incluam, de forma mais directa e clara, o sentido social da existência, a dimensão fraterna da espiritualidade, a convicção sobre a dignidade inalienável de cada pessoa e as motivações para amar e acolher a todos.”(FT 86 )
c) O princípio da capacidade de amar segundo “uma dimensão universal” (83) é também retomado no terceiro capítulo, “Pensar e gerar um mundo aberto”: nele, Francisco exorta cada um de nós a “sair de si mesmo” para encontrar nos outros “um acrescentamento de ser” (88), abrindo-nos ao próximo segundo o dinamismo da caridade que nos faz tender para a “comunhão universal” (95). Afinal – recorda a Encíclica – a estatura espiritual da vida humana é medida pelo amor que nos leva a procurar o melhor para a vida do outro (92-93). O sentido da solidariedade e da fraternidade nasce nas famílias que devem ser protegidas e respeitadas na sua “missão educativa primária e imprescindível” (114).
O direito a viver com dignidade não pode ser negado a ninguém, afirma ainda o Papa, e uma vez que os direitos são sem fronteiras, ninguém pode ser excluído, independentemente do local onde nasceu (121). Deste ponto de vista, o Papa lembra também que é preciso pensar numa “ética das relações internacionais” (126), porque cada país é também do estrangeiro e os bens do território não podem ser negados àqueles que têm necessidade e vêm de outro lugar. O direito natural à propriedade privada será, portanto, secundário em relação ao princípio do destino universal dos bens criados (120). A Encíclica também coloca uma ênfase específica na questão da dívida externa: embora se mantenha o princípio de que toda a dívida legitimamente contraída deve ser paga, espera-se, no entanto, que isto não comprometa o crescimento e a subsistência dos países mais pobres (126).
d) Ao tema das migrações é dedicado em parte o segundo e todo o quarto capítulo, “Um coração aberto ao mundo inteiro”: com as suas “vidas dilaceradas” (37), em fuga das guerras, perseguições, catástrofes naturais, traficantes sem escrúpulos, arrancados das suas comunidades de origem, os migrantes devem ser acolhidos, protegidos, promovidos e integrados. Nos países destinatários, o justo equilíbrio será entre a protecção dos direitos dos cidadãos e a garantia de acolhimento e assistência aos migrantes (38-40). Especificamente, o Papa aponta algumas “respostas indispensáveis” especialmente para aqueles que fogem de “graves crises humanitárias”: incrementar e simplificar a concessão de vistos; abrir corredores humanitários; oferecer alojamento, segurança e serviços essenciais; oferecer possibilidade de trabalho e formação; favorecer a reunificação familiar; proteger os menores; garantir a liberdade religiosa. O que é necessário acima de tudo” – lê-se no documento -, é uma legislação (governance) global para as migrações que inicie projectos a longo prazo, indo além das emergências individuais, em nome de um desenvolvimento solidário de todos os povos (129-132).
e) O tema do quinto capítulo é “A política melhor”, ou seja, a que representa uma das formas mais preciosas da caridade porque está ao serviço do bem comum (180) e conhece a importância do povo, entendido como uma categoria aberta, disponível ao confronto e ao diálogo (160). Este é o popularismo indicado por Francisco, que se contrapõe ao “populismo” que ignora a legitimidade da noção de “povo”, atraindo consensos a fim de instrumentalizar ao serviço do seu projecto pessoal (159). Mas a melhor política é também a que protege o trabalho, “uma dimensão indispensável da vida social” e procura assegurar que cada um tenha a possibilidade de desenvolver as suas próprias capacidades (162). A verdadeira estratégia contra a pobreza, afirma a Encíclica, não visa simplesmente a conter os necessitados, mas a promovê-los na perspectiva da solidariedade e da subsidiariedade (187). A tarefa da política, além disso, é encontrar uma solução para tudo o que atenta contra os direitos humanos fundamentais, tais como a exclusão social; tráfico de órgãos, e tecidos humanos, armas e drogas; exploração sexual; trabalho escravo; terrorismo e crime organizado. Forte o apelo do Papa para eliminar definitivamente o tráfico de seres humanos, “vergonha para a humanidade”, e a fome, porque é “criminosa” porque a alimentação é “um direito inalienável” (188-189).
A política da qual há necessidade, sublinha ainda Francisco, é aquela centrada na dignidade humana e que não está sujeita à finança porque “o mercado por si só, não resolve tudo”: os “estragos” provocados pela especulação financeira mostraram-no (168). Assumem, portanto, particular relevância os movimentos populares: verdadeiros “torrentes de energia moral”, devem ser envolvidos na sociedade, de uma forma coordenada. Desta forma – afirma o Papa -, pode-se passar de uma política “para” os pobres para uma política “com” e “dos” pobres (169). Outro desejo presente na Encíclica diz respeito à reforma da ONU: perante o predomínio da dimensão económica, de facto, a tarefa das Nações Unidas será dar uma real concretização ao conceito de “família de nações”, trabalhando para o bem comum, a erradicação da pobreza e a protecção dos direitos humanos. Recorrendo incansavelmente à “negociação, aos mediadores e à arbitragem” – afirma o documento pontifício – a ONU deve promover a força da lei sobre a lei da força (173-175).
f) Do sexto capítulo, “Diálogo e amizade social”, emerge também o conceito de vida como “a arte do encontro” com todos, também com as periferias do mundo e com os povos originais, porque “de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo” (215). Particular, então, a referência do Papa ao “milagre da amabilidade”, uma atitude a ser recuperada porque é “uma estrela na escuridão” e uma “libertação da crueldade, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída” que prevalecem em época contemporânea (222-224).
g) Reflecte sobre o valor e a promoção da paz, o sétimo capítulo, intitulado “Percursos dum novo encontro”, no qual o Papa sublinha que a paz é “proactiva” e visa formar uma sociedade baseada no serviço aos outros e na busca da reconciliação e do desenvolvimento mútuo. A paz é uma “arte” em que cada um deve desempenhar o seu papel e cuja tarefa nunca termina (227-232). Ligado à paz está o perdão: devemos amar todos sem excepção – lê-se na Encíclica -, mas amar um opressor significa ajudá-lo a mudar e não permitir que ele continue a oprimir o seu próximo (241-242). Perdão não significa impunidade, mas justiça e memória, porque perdoar não significa esquecer, mas renunciar à força destrutiva do mal e da vingança. Nunca esquecer “horrores” como a Shoah, os bombardeamentos atómicos em Hiroshima e Nagasaki, perseguições e massacres étnicos – exorta o Papa – devem ser sempre recordados, novamente, para não nos anestesiarmos e manterem viva a chama da consciência colectiva. E também é importante fazer memória do bem. (246-252).
Parte do sétimo capítulo se detém, então, sobre a guerra: “uma ameaça constante”, que representa a “negação de todos os direitos”, “o fracasso da política e da humanidade”, “a vergonhosa rendição às forças do mal”. Além disso, devido às armas nucleares, químicas e biológicas que afectam muitos civis inocentes, hoje já não podemos pensar, como no passado, numa possível “guerra justa”, mas temos de reafirmar fortemente “Nunca mais a guerra! A eliminação total das armas nucleares é “um imperativo moral e humanitário”; em vez disso – sugere o Papa – com o dinheiro do armamento deveria ser criado um Fundo Mundial para acabar de vez com a fome (255-262). Francisco expressa uma posição igualmente clara sobre a pena de morte: é inadmissível e deve ser abolida em todo o mundo. “O homicida não perde a sua dignidade pessoal – escreve o Papa – e o próprio Deus Se constitui seu garante” (263-269). Ao mesmo tempo, a necessidade de respeitar “a sacralidade da vida” (283) é reafirmada onde “partes da humanidade parecem sacrificáveis “, tais como os nascituros, os pobres, os deficientes, os idosos (18).
h) No oitavo e último capítulo, o Pontífice se detém sobre “Religiões ao serviço da fraternidade no mundo” e reitera que o terrorismo não se deve à religião, mas a interpretações erradas de textos religiosos, bem como a políticas de fome, pobreza, injustiça e opressão (282-283). Um caminho de paz entre as religiões é, portanto, possível; por isso, é necessário garantir a liberdade religiosa, direito humano fundamental para todos os crentes (279). Uma reflexão, em particular, que a Encíclica faz sobre o papel da Igreja: ela não relega a sua missão à esfera privada e, embora não fazendo política, não renuncia à dimensão política da existência, à atenção ao bem comum e à preocupação pelo desenvolvimento humano integral, segundo os princípios evangélicos (276-278).
Enfim, Francisco cita o “Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum”, assinado por ele mesmo em 4 de Fevereiro de 2019 em Abu Dhabi, junto com o Grande Imão de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyib: desta pedra miliar do diálogo inter-religioso, o Pontífice retoma o apelo para que, em nome da fraternidade humana, o diálogo seja adoptado como caminho, a colaboração comum como conduta, e o conhecimento mútuo como método e critério (285).
2 – IDEIAS-CHAVE DO DOCUMENTO
Esta Encíclica representa o ponto de confluência de uma ampla parte do seu magistério do Papa Francisco (cf. Fratelli tutti, 5) [1]. A fraternidade foi o primeiro tema ao qual Francisco fez referência dando início ao seu pontificado, quando inclinou a cabeça diante das pessoas reunidas na Praça São Pedro. Lá, ele definiu a relação bispo-povo como “caminho de fraternidade” e expressou este desejo: “Rezemos sempre por nós, uns pelos outros. Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade” [2].
O título é, como dissemos atrás, uma citação directa das “Admoestações” de São Francisco: Fratelli tutti [Todos Irmãos]. E indica uma fraternidade que se estende não só aos seres humanos, mas imediatamente também à terra, em plena sintonia com a outra encíclica do pontífice, a Laudato si’ [3].
a) Fraternidade e amizade social
A Fratelli tutti conjuga, ao mesmo tempo, a fraternidade e a amizade social. Esse é o núcleo central do texto e do seu significado. O realismo que atravessa as páginas dilui todo romantismo vazio, sempre à espreita quando se trata de fraternidade. A fraternidade não é apenas uma emoção, ou um sentimento, ou uma ideia – por mais nobre que seja – para Francisco, mas sim um facto que, depois, implica também a saída, a acção (e a liberdade): “De quem eu me faço irmão?”.
A fraternidade assim entendida inverte a lógica do apocalipse hoje predominante; uma lógica que luta contra o mundo porque crê que ele é o oposto de Deus, ou seja, um ídolo, e portanto deve ser destruído o mais rápido possível para acelerar o fim do tempo. Diante do abismo do apocalipse, não há mais irmãos: apenas apóstatas ou “mártires” em uma corrida “contra” o tempo. Não somos militantes ou apóstatas, mas irmãos todos.
A fraternidade não queima o tempo, nem cega os olhos e os ânimos. Em vez disso, ocupa o tempo, requer tempo. O do litígio e o da reconciliação. A fraternidade “perde” tempo. O apocalipse o queima. A fraternidade requer o tempo do tédio. O ódio é pura excitação. A fraternidade é aquilo que permite que os iguais sejam pessoas diferentes. O ódio elimina o diferente. A fraternidade salva o tempo da política, da mediação, do encontro, da construção da sociedade civil, do cuidado. O fundamentalismo o anula em um videogame.
É por isso que, no dia 4 de Fevereiro de 2019, em Abu Dhabi, Francisco, o papa, e Aḥmad al-Tayyeb, o grão-imã de al- Azhar, assinaram um histórico documento sobre a fraternidade. Os dois líderes se reconheceram como irmãos e, juntos, tentaram olhar para o mundo de hoje. E o que entenderam? Que a única verdadeira alternativa que desafia e detém a solução apocalíptica é a fraternidade.
É preciso redescobrir essa poderosa palavra evangélica, retomada no lema da Revolução Francesa, mas que a ordem pós-revolucionária abandonou depois, até o seu apagamento do léxico político-económico. E nós o substituímos por aquela mais fraca da “solidariedade”, que, na Fratelli tutti, se repete 22 vezes (contra 44 de “fraternidade”).
Francisco escreveu em uma das suas mensagens: “Enquanto a solidariedade é o princípio de planeamento social que permite que os desiguais se tornem iguais, a fraternidade é aquilo que permite que os iguais sejam pessoas diferentes” [4].
O reconhecimento da fraternidade muda a perspectiva, a inverte e se torna uma forte mensagem de valor político: todos somos irmãos e, portanto, todos somos cidadãos com direitos e deveres iguais, sob cuja sombra todos gozam da justiça.
A fraternidade, além disso, é a base sólida para viver a “amizade social”. O Papa Francisco em 2015, falando em Havana, lembrou que uma vez havia visitado uma área muito pobre de Buenos Aires. O pároco do bairro apresentou-o a um grupo de jovens que estavam construindo algumas casas: “Este é o arquitecto, é judeu; este é comunista; este é católico praticante; este é…”. O papa comentou: “Eram todos diferentes, mas todos estavam trabalhando juntos pelo bem comum”. Francisco chama essa atitude de “amizade social”, que sabe conjugar os direitos com a responsabilidade pelo bem comum, as diversidades com o reconhecimento de uma fraternidade radical.
b) Uma fraternidade sem fronteiras
A Fratelli tutti se abre com a evocação de uma fraternidade aberta, que permite que cada pessoa seja reconhecida, valorizada e amada para além da proximidade física, para além do lugar do universo onde nasceu ou onde vive. A fidelidade ao Senhor é sempre proporcional ao amor pelos irmãos. E essa proporção é um critério fundamental dessa encíclica: não se pode dizer que se ama a Deus se não se ama o irmão. “De facto, quem não ama o próprio irmão a quem vê, não pode amar a Deus que não vê” (1Jo 4,20) [5].
Desde as primeiras frases, destaca-se como Francisco de Assis estendeu a fraternidade não apenas aos seres humanos – e em particular aos abandonados, aos doentes, aos descartados, aos últimos, indo além das distâncias de origem, nacionalidade, cor ou religião – mas também ao sol, ao mar e ao vento (cf. nn. 1-3). O olhar, portanto, é global, universal. E assim é o fôlego das páginas do Papa Francisco.
Essa encíclica não podia permanecer alheia à pandemia da Covid-19, que eclodiu inesperadamente. Para além das várias respostas dadas pelos diversos países – escreve o papa –, veio à tona a incapacidade de agir em conjunto, embora possamos nos orgulhar de estar hiperconectados. Escreve Francisco: “Oxalá já não existam ‘os outros’, mas apenas um ‘nós’” (n. 35).
c) O cisma entre indivíduo e comunidade
O primeiro passo que Francisco dá é o de compilar uma fenomenologia das tendências do mundo actual que são desfavoráveis ao desenvolvimento da fraternidade universal. O ponto de partida das análises de Bergoglio é frequentemente – senão sempre – aquele que ele aprendeu com os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, que convidava a rezar imaginando como Deus vê o mundo [6].
O pontífice observa o mundo e tem a impressão geral de que está se desenvolvendo um verdadeiro cisma entre o indivíduo e a comunidade humana (cf. n. 30). Um mundo que não aprendeu nada com as tragédias do século XX, sem senso da história (cf. n. 13). Parece haver um retrocesso: os conflitos, os nacionalismos, o senso social perdido (cfr. n. 11), e o bem comum parece ser o menos comum dos bens.
Nesse mundo globalizado, estamos sozinhos, e prevalece o indivíduo sobre a dimensão comunitária da existência (cf. n. 12). As pessoas desempenham o papel de consumidores ou de espectadores, e os mais fortes são favorecidos.
E assim Francisco monta as peças do quebra-cabeça que ilustra os dramas do nosso tempo.
A primeira peça diz respeito à política. Nesse contexto dramático, as grandes palavras como democracia, liberdade, justiça, unidade perdem a plenitude do seu significado, e se tornam liquefeitas a consciência histórica, o pensamento crítico, a luta pela justiça e os caminhos da integração (cf. n. 14 e 110). E é duríssimo o julgamento sobre a política pelo modo como às vezes ela está reduzida hoje: “A política deixou de ser um debate saudável sobre projectos a longo prazo para o desenvolvimento de todos e o bem comum, limitando-se a receitas efémeras de marketing cujo recurso mais eficaz está na destruição do outro” (n. 15).
A segunda peça é a cultura do descarte. A política reduzida a marketing favorece o fosso global e da cultura do qual é fruto (cf. n. 19-20).
O quadro continua com a inserção de uma reflexão sobre os direitos humanos, cujo respeito é um pré-requisito para o desenvolvimento social e económico de um país (cf. n. 22).
A quarta peça é o importante parágrafo dedicado às migrações. Se deve ser reafirmado o direito a não emigrar, também é verdade que uma mentalidade xenófoba esquece que os migrantes devem ser protagonistas do seu próprio resgate. E com força afirma: “É inaceitável que os cristãos partilhem esta mentalidade e estas atitudes” (n. 39).
Depois, há a quinta peça: os riscos que a própria comunicação hoje levanta. Com a conexão digital, as distâncias se encurtam, mas se desenvolvem atitudes de fechamento e de intolerância, que alimentam o “espectáculo” encenado pelos movimentos de ódio. Em vez disso, precisamos de “gestos físicos, expressões do rosto, silêncios, linguagem corpórea e até o perfume, o tremor das mãos, o rubor, a transpiração, porque tudo isso fala e faz parte da comunicação humana” (n. 43).
O pontífice, no entanto, não se limita a fornecer uma descrição asséptica da realidade e do drama do nosso tempo. A sua leitura está imersa em um espírito de participação e de fé. A visão do papa, embora atenta à dimensão sócio-política e cultural, é radicalmente teológica. A redução ao individualismo que aqui emerge é fruto do pecado.
d) Um estranho na rua
Apesar das densas sombras descritas nas páginas dessa encíclica, Francisco pretende fazer ecoar muitos percursos de esperança, que nos falam de uma sede de plenitude, de um desejo de tocar aquilo que preenche o coração e eleva o espírito para as grandes coisas (cf. n. 54-55).
Na tentativa de buscar uma luz, e antes de indicar algumas linhas de acção, Francisco propõe dedicar um capítulo à parábola do Bom Samaritano. A escuta da Palavra de Deus é uma passagem fundamental para julgar evangelicamente o drama do nosso tempo e encontrar saídas. Assim, o Bom Samaritano se torna um modelo social e civil (cf. n. 66).
A inclusão ou a exclusão dos feridos à beira da estrada define todos os projectos económicos, políticos, sociais e religiosos. O Santo Padre, de facto, não se detém no nível das escolhas individuais, mas projecta essas duas opções ao nível das políticas dos Estados. No entanto, volta sempre ao nível pessoal por temor de que nos sintamos desresponsabilizados.
e) Pensar e gerar um mundo hospitaleiro: uma visão inclusiva
O terceiro passo do itinerário que Francisco nos faz dar é aquele que poderíamos definir com o pontífice como o “além”, isto é, a necessidade de ir além de si mesmo. Se o drama descrito no primeiro capítulo era o da solidão do homem consumidor encerrado no seu individualismo e na passividade do espectador, é preciso encontrar uma saída.
E o primeiro facto é que ninguém pode experimentar o valor da vida sem rostos concretos para amar. Aqui está um segredo da autêntica existência humana (cf. n. 86). O amor cria laços e expande a existência. Mas essa “saída” de si não se reduz a uma relação com um pequeno grupo, ou a laços familiares: é impossível entender a si mesmo sem um tecido de relações mais amplo com outros que nos enriquecem (cf. n. 88-91).
Esse amor que é abertura ao “além” e “hospitalidade” é o fundamento da acção que permite estabelecer a amizade social e a fraternidade. Amizade social e fraternidade não excluem, mas incluem. Independem dos traços físicos e morais ou, como escreve o papa, das etnias, das sociedades e das culturas (cf. n. 95). A tensão é para uma “comunhão universal” (n. 95), para “uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros” (n. 96). Essa abertura é geográfica, mas mais ainda existencial.
No entanto, o próprio pontífice percebe, nesse ponto, o risco de um mal-entendido, o do falso universalismo de quem não ama o próprio povo. Também é forte o risco de um universalismo autoritário e abstracto, que visa a homogeneizar, uniformizar, dominar. A protecção das diferenças é o critério da verdadeira fraternidade que não homologa, mas acolhe e faz convergir as diversidades, valorizando-as. Somos irmãos porque, ao mesmo tempo, somos iguais e diferentes: “É preciso se libertar da obrigação de ser iguais” [7].
f) A importância do multilateralismo
O papa pede uma mudança de perspectiva radical não só em nível interpessoal ou estatal, mas também nas relações internacionais: a da certeza da destinação comum dos bens da terra.
Essa perspectiva muda o panorama, e “podemos dizer que cada país é também do estrangeiro, já que os bens de um território não devem ser negados a uma pessoa necessitada que provenha de outro lugar” (n. 124).
Além disso – continua o pontífice –, isso pressupõe outro modo de entender as relações internacionais. É claríssimo, portanto, o apelo à importância do multilateralismo, com uma verdadeira condenação de uma abordagem bilateral em que países poderosos e grandes empresas preferem negociar com outros países menores ou pobres: para obter deles maiores lucros (cf. n. 153). A chave é “nos sabermos responsáveis pela fragilidade dos outros na procura de um destino comum” (n. 115). Cuidar da fragilidade é um ponto-chave dessa encíclica.
g) Um coração aberto ao mundo inteiro
Francisco também fala dos desafios a serem enfrentados para que a fraternidade não permaneça somente como uma abstracção, mas ganhe corpo.
O primeiro é o das migrações, a ser desenvolvido em torno de quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar. Com efeito, não se trata de “impor do alto programas assistenciais, mas de percorrer unidos um caminho através destas quatro acções” (n. 129).
Francisco oferece indicações muito precisas (cf. n. 130). Mas, em particular, detém-se sobre o tema da cidadania, assim como havia sido abordado no Documento sobre a Fraternidade Humana para a Paz Mundial e Convivência Comum, assinado em Abu Dhabi. Falar em “cidadania” afasta a ideia de “minoria”, que carrega consigo as sementes do tribalismo e da hostilidade, e que vê no rosto do outro a máscara do inimigo. A abordagem de Francisco é subversiva com respeito às teologias políticas apocalípticas que vão se espalhando.
Por outro lado, o papa evidencia o fato de que a chegada de pessoas que provêm de um contexto vital e cultural diferente se transforma em um dom para quem as acolhe: é um encontro entre pessoas e culturas que constitui uma oportunidade de enriquecimento e de desenvolvimento. E isso pode ocorrer se se permite que o outro seja ele mesmo.
O critério guia do discurso é sempre o mesmo: fazer crescer a consciência de que ou nos salvamos todos, ou ninguém se salva. Toda atitude de “esterilização” e isolacionismo é um obstáculo ao enriquecimento próprio do encontro.
h) Populismo e liberalismo
Francisco continua o seu discurso com um capítulo dedicado à melhor política, aquela posta a serviço do verdadeiro bem comum (cf. n. 154). E aqui aborda de frente a questão do confronto entre populismo e liberalismo, que podem usar os frágeis, o “povo”, de maneira demagógica. Francisco pretende esclarecer imediatamente um mal-entendido, usando uma ampla citação duma entrevista que concedeu aquando da publicação dos seus escritos como arcebispo de Buenos Aires:
“Povo não é uma categoria lógica, nem uma categoria mística, no sentido de que tudo o que faz o povo é bom, ou no sentido de que o povo seja uma entidade angelical. É uma categoria mítica. (...) Quando explicas o que é um povo, recorres a categorias lógicas porque precisas de o descrever: é verdade, elas são necessárias. Mas, deste modo, não consegues explicar o sentido de pertença a um povo; a palavra povo tem algo mais que não se pode explicar logicamente. Pertencer a um povo é fazer parte de uma identidade comum, formada por vínculos sociais e culturais. E isto não é algo de automático; muito pelo contrário: é um processo lento e difícil... rumo a um projecto comum” (n. 158) [8].
Consequentemente, essa categoria mítica pode indicar uma liderança capaz de se sintonizar com o povo, com a sua dinâmica cultural e as grandes tendências de uma sociedade a serviço do bem comum; ou pode indicar uma degeneração quando se muda na habilidade de atrair consensos para o sucesso eleitoral e para instrumentalizar ideologicamente a cultura do povo, a serviço do próprio projecto pessoal (cf. n. 159).
Porém, não é preciso sequer enfatizar a categoria mítica de povo como se ela fosse uma expressão romântica e, portanto, como tal, rejeitada em favor de discursos mais concretos, institucionais, ligados à organização social, à ciência e às instituições da sociedade civil.
O que une ambas as dimensões, a mítica e a institucional, é a caridade, que implica um caminho de transformação da história que incorpora tudo: instituições, direito, técnica, experiência, contribuições profissionais, análise científica, procedimentos administrativos. O amor ao próximo, de fato, é realista.
Portanto, é necessário fazer crescer tanto a espiritualidade da fraternidade quanto a organização mais eficiente para resolver os problemas: as duas coisas absolutamente não se opõem. E isso sem imaginar que existe uma receita económica que possa ser aplicada igualmente a todos: até a ciência mais rigorosa pode propor caminhos e soluções diferentes (cf. n. 164-165).
i) Os movimentos populares e as instituições internacionais
Nesse contexto, Francisco fala tanto dos movimentos populares quanto das instituições internacionais. Parecem dois níveis opostos e divergentes de organização, mas, no fim, são convergentes na sua virtuosidade, pois valorizam o local, os primeiros, e global, os segundos, e sempre sob a insígnia do multilateralismo.
Os movimentos populares “reúnem desempregados, trabalhadores precários e informais e tantos outros que não entram facilmente nos canais já estabelecidos” (n. 169). Com esses movimentos, supera-se “a ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres, e muito menos inserida num projecto que reúna os povos” (ibid).
Depois, Francisco se detém sobre as instituições internacionais, hoje enfraquecidas, sobretudo porque a dimensão económico-financeira, com características transnacionais, tende a predominar sobre a política. Entre elas, a Organização das Nações Unidas, que deve ser reformada para evitar que seja deslegitimada e para que “seja possível uma real concretização do conceito de família de nações” (n. 173). Ela tem como tarefa a promoção da soberania do direito, porque a justiça é “um requisito indispensável para se realizar o ideal da fraternidade universal” (ibid.).
j) A melhor política não está submetida à economia
Francisco, então, se detém longamente sobre a política. Várias vezes o pontífice lamentou como ela está submetida à economia, e esta, ao paradigma eficientista da tecnocracia. Pelo contrário, é a política que deve ter uma visão ampla para que a economia seja integrada em um projecto político, social, cultural e popular que tenda ao bem comum (cf. n. 177 e 17).
Fraternidade e amizade social não são utopias abstractas. Exigem decisão e a capacidade de encontrar caminhos que assegurem a sua real possibilidade, envolvendo também as ciências sociais. E esse é um “exercício alto da caridade” (n. 180).
O amor, portanto, se expressa não só em relações face a face, mas também nas relações sociais, económicas e políticas, buscando construir comunidades nos diversos níveis da vida social. Trata-se daquilo que Francisco chama de amor social (cf. n. 186). Essa caridade política pressupõe o amadurecimento de um senso social em virtude do qual “cada um é plenamente pessoa quando pertence a um povo e, vice-versa, não há um verdadeiro povo sem referência ao rosto de cada pessoa” (n. 182). Em suma: povo e pessoa são termos correlatos.
O amor social e a caridade política expressam-se também na plena abertura ao debate e ao diálogo com todos, até mesmo com os adversários políticos, pelo bem comum, para tornar possível a convergência pelo menos sobre alguns temas. Não é preciso temer o conflito gerado pelas diferenças, até porque “a uniformidade gera asfixia e neutraliza-nos culturalmente” (n. 191).
E é possível viver isso se o político não deixar de se considerar um ser humano, chamado a viver o amor nas suas relações interpessoais quotidianas (cf. n. 193) e se souber viver, sim, a ternura. Esse vínculo entre política e ternura parece inédito, mas é realmente eficaz, porque a ternura é “o amor que se torna próximo e concreto” (n. 194). No meio da actividade política, os mais frágeis devem provocar ternura e têm o “‘direito’ de arrebatar a nossa alma, o nosso coração” (ibid.).
k) Diálogo e cultura do encontro
Francisco resume alguns verbos usados nessa encíclica em uma única palavra: diálogo. “Em uma sociedade pluralista”, escreve o pontífice, “o diálogo é o caminho mais adequado para se chegar a reconhecer aquilo que sempre deve ser afirmado e respeitado e que ultrapassa o consenso ocasional” (n. 211).
Mais uma vez, expressa-se uma visão peculiar da amizade social, feita a partir do constante encontro das diferenças. O papa observa que este é o tempo do diálogo. Todos trocam mensagens nas Mídias sociais, por exemplo, graças à rede. No entanto, muitas vezes o diálogo se confunde com uma febril troca de opiniões, que, na realidade, é um monólogo no qual predomina a agressividade. Ele também observa com precisão que esse é o estilo que parece prevalecer no contexto político, que, por sua vez, tem um reflexo directo na vida quotidiana das pessoas (cf. 200-202).
“O diálogo social autêntico pressupõe a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro, aceitando como possível que contenha convicções ou interesses legítimos” (n. 203) [9]. Essa é a dinâmica da fraternidade, afinal, o seu carácter existencial, que “ajuda a relativizar as ideias, pelo menos no sentido de não se resignar ao facto de que um conflito decorrente de uma disparidade de pontos de vista e de opiniões prevaleça definitivamente sobre a fraternidade” [10].
Diálogo absolutamente não significa relativismo, que fique claro. Como já havia escrito na encíclica Laudato si’, Francisco afirma que, se o que importa não são as verdades objectivas nem os princípios estabelecidos, mas sim a satisfação das próprias aspirações e das necessidades imediatas, então as leis serão entendidas apenas como imposições arbitrárias e obstáculos a serem evitados. A busca dos valores mais altos sempre se impõe (cf. nn. 206-210).
O encontro e o diálogo tornam-se assim uma “cultura do encontro”, que significa a paixão de um povo em querer projectar algo que envolva a todos; e que não é um bem em si, mas é um modo de fazer o bem comum (cf. nn. 216-221).
l) Percursos de um novo encontro: conflito e reconciliação
Francisco, então, dirige um apelo a lançar sólidas bases para o encontro e para iniciar processos de cura. O encontro não pode se fundamentar em diplomacias vazias, discursos duplos, dissimulações, formalismo... É somente a partir da verdade dos factos que pode nascer o esforço de se compreender reciprocamente e de encontrar uma síntese para o bem de todos (cf. nn. 225-226).
O papa considera que a verdadeira reconciliação não foge do conflito, mas é obtida no conflito, superando-o através do diálogo e da negociação transparente, sincera e paciente (cf. n. 244). Por outro lado, o perdão não tem nada a ver com renunciar aos próprios direitos diante de um poderoso corrupto, de um criminoso ou de alguém que degrada a nossa dignidade. É preciso defender fortemente os próprios direitos e proteger a própria dignidade (cf. n. 241).
Acima de tudo, não se deve perder a memória dos grandes crimes da história: “Hoje é fácil cair na tentação de virar a página, dizendo que já passou muito tempo e é preciso olhar para a frente. Isso não, por amor de Deus! Sem memória, nunca se avança” (n. 249).
m) Guerra e pena de morte
Nesse quadro, Francisco examina duas situações extremas que podem se apresentar como soluções em circunstâncias dramáticas: a guerra e a pena de morte. O pontífice é claríssimo ao tratar os dois casos.
Em relação à guerra, ele afirma que infelizmente não é um fantasma do passado, mas uma ameaça constante. Portanto, deve ficar claro que “a guerra é a negação de todos os direitos e uma agressão dramática ao meio ambiente” (n. 257).
Ele também aborda a posição do Catecismo da Igreja Católica, onde se contempla a possibilidade de uma legítima defesa por meio da força militar, com o pressuposto de demonstrar que existem algumas rigorosas condições de legitimidade moral. No entanto – escreve Francisco – facilmente caímos em uma interpretação ampla demais desse direito.
Hoje, de facto, com o desenvolvimento das armas nucleares, químicas e biológicas, “conferiu-se à guerra um poder destrutivo incontrolável, que atinge muitos civis inocentes”. Portanto – e eis a conclusão do papa – “já não podemos pensar na guerra como solução, porque provavelmente os riscos sempre serão superiores à hipotética utilidade que se lhe atribua. Perante esta realidade, hoje é muito difícil sustentar os critérios racionais amadurecidos noutros séculos para falar de uma possível ‘guerra justa’. Nunca mais a guerra” (n. 258).
A resposta à ameaça das armas nucleares e a todas as formas de destruição em massa deve ser colectiva e concertada, com base na confiança recíproca. E – propõe o pontífice – “com o dinheiro usado em armas e em outras despesas militares, constituamos um Fundo mundial, para acabar de vez com a fome e para o desenvolvimento dos países mais pobres, a fim de que os seus habitantes não recorram a soluções violentas ou enganadoras, nem precisem de abandonar os seus países à procura de uma vida mais digna” (n. 262).
A respeito da pena de morte, Francisco retoma o pensamento de João Paulo II, que afirmou de maneira clara na encíclica Evangelium vitae (n. 56) que ela é inadequada no plano moral e não é mais necessária no plano penal. Francisco também se refere a autores como Lactâncio, Papa Nicolau I ou Santo Agostinho, que, desde os primeiros séculos da Igreja, se mostravam contrários a essa pena. E afirma com clareza que “a pena de morte é inadmissível” (n. 263), e que a Igreja se compromete com determinação a propor que ela seja abolida em todo o mundo. E o julgamento também se estende à prisão perpétua, que “é uma pena de morte escondida” (n. 268).
n) As religiões a serviço da fraternidade no mundo
A última parte dessa encíclica é dedicada às religiões e ao seu papel ao serviço da fraternidade. As religiões acumulam séculos de experiência e de sabedoria, e, portanto, devem participar do debate público, assim como da política ou da ciência (cf. n. 275).
Por isso, a Igreja não relega sua missão à esfera privada. “É verdade”, especifica, “que os ministros da religião não devem fazer política partidária, própria dos leigos, mas mesmo eles não podem renunciar à dimensão política da existência” (n. 276). A Igreja, portanto, tem um papel público que também contribui para a fraternidade universal (cf. ibid.).
A fonte da dignidade humana e da fraternidade para os cristãos, em particular, está no Evangelho de Jesus Cristo, do qual brota, tanto para o pensamento quanto para a acção pastoral, a importância fundamental da relação, do encontro, da comunhão universal com a humanidade inteira (cf. n. 277). A Igreja, “com o poder do Ressuscitado, quer dar à luz um mundo novo, onde todos sejamos irmãos, onde haja lugar para cada descartado das nossas sociedades, onde resplandeçam a justiça e a paz” (n. 278).
o) Um apelo à paz e à fraternidade
A Fratelli tutti se conclui com um apelo e duas orações que explicitam o seu sentido e os seus destinatários.
Na realidade, o apelo é uma ampla citação do já citado documento assinado pelo papa e pelo Grão-Imã Aḥmad al-Tayyeb em Abu Dhabi, e diz respeito precisamente à convicção de que “as religiões nunca incitam à guerra e não solicitam sentimentos de ódio, hostilidade, extremismo nem convidam à violência ou ao derramamento de sangue. Estas calamidades são fruto de desvio dos ensinamentos religiosos, do uso político das religiões e também das interpretações de grupos de homens de religião” (n. 285).
Entre as outras referências oferecidas no texto, notamos que o papa quis recordar em particular o Bem-aventurado Charles de Foucauld, que “queria ser ‘o irmão universal’. Mas somente identificando-se com os últimos é que chegou a ser irmão de todos” (n. 287). Para Francisco, a fraternidade é o espaço próprio do Reino de Deus, no qual o Espírito Santo pode vir, habitar e agir [11].
p) “Assim reinará Filadélfia, cidade dos irmãos”
Depois de ter percorrido a Fratelli tutti, tentando enfatizar os seus temas fundamentais, gostaria de concluir citando um escritor argentino, Leopoldo Marechal, muito apreciado pelo Papa Francisco, de quem ele falou em 2013.
Marechal descreveu a “cidade dos irmãos, Filadélfia” na sua obra-prima “Adán Buenosayres”, obra que narra um périplo simbólico de três dias do poeta Adán dentro da geografia de uma Buenos Aires metafísica. Reconhece-se em particular a influência de Dante no sétimo livro do romance, intitulado “Viaje a la Oscura Ciudad de Cacodelphia”, evidente paródia do Inferno.
Mas passemos para Filadélfia, que – escreve Marechal – “levantará suas cúpulas e torres sob um céu tão resplandecente quanto a cara de uma criança. Como a rosa entre as flores, como o pintassilgo entre os pássaros, como o ouro entre os metais, assim reinará Filadélfia, a cidade dos irmãos, entre as urbes deste mundo. Uma multidão pacífica e regozijada frequentará as suas ruas: o cego abrirá seus olhos à luz, o que negou afirmará o que negava, o desterrado pisará a terra do seu nascimento e o maldito se verá livre no fim...” [12].
Como a rosa entre as flores, assim reinará a “cidade dos irmãos” entre as metrópoles do mundo, escreve Marechal. E Francisco, com essa encíclica, aponta directamente para a vinda do “Reino de Deus”, como rezamos no Pai-Nosso, oração que nos vê a todos irmãos, por sermos filhos de um único Pai.
O sentido do Reino de Deus é a capacidade dos cristãos de colocar a boa notícia do Evangelho à disposição de toda a humanidade, de todos os homens e mulheres, sem distinção alguma, como recurso de salvação e plenitude. Nesse caso, o evangelho da fraternidade.
Notas:
[1] Daqui em diante, quando houver referência à encíclica, entre parênteses, será omitido o título e usado apenas o número do parágrafo. Cf. também o volume “Fratellanza”, Roma, La Civiltà Cattolica, 2020.
[2] Francisco, Primeira saudação do Santo Padre, 13 de Março de 2013.
[3] Surgiram algumas polémicas sobre o uso da palavra “irmãos” no masculino, como se o papa quisesse excluir a referência ao feminino. Claramente, o título da encíclica é uma citação franciscana e, portanto, é e deve permanecer como tal. Mas isso não tem nenhum carácter exclusivo. Certamente, deve-se notar que, recentemente, na França, o Alto Conselho para a Igualdade entre as Mulheres e os Homens (HCE), em vista da anunciada revisão da Constituição, propôs substituir, no lema nacional da República, a palavra fraternité por adelphité, palavra que deriva do grego e significa “fraternidade”, mas desprovida da conotação masculina, própria do termo anterior. Outros, para evitar o neologismo, propõem simplesmente solidarité . Mas veremos mais adiante a fraqueza dessa escolha, especialmente à luz do pensamento de Francisco. Cf. J. L. Narvaja, “Libertà, uguaglianza, fraternità”, in Civ. Catt., 2018, II, 394-399.
[4] Francisco, Mensagem à Prof.ª Margaret Archer, presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, 24 de Abril de 2017.
[5] O tema atravessa o pontificado de Francisco e, portanto, também o seu magistério. Bastaria lembrar aqui algumas breves passagens de maneira exemplar. Francisco escreveu na sua exortação Amoris Laetitia: “Deus confiou à família o projecto de tornar ‘doméstico’ o mundo, de modo que todos cheguem a sentir cada ser humano como um irmão” (n. 183). E na Gaudete et exultate: “No meio da densa selva de preceitos e prescrições, Jesus abre uma brecha que permite vislumbrar dois rostos: o do Pai e o do irmão. Não nos dá mais duas fórmulas ou dois preceitos; entrega-nos dois rostos, ou melhor, um só: o de Deus que se reflete em muitos, porque em cada irmão, especialmente no mais pequeno, frágil, inerme e necessitado, está presente a própria imagem de Deus” (n. 61). Na Christus vivit: “Correi ‘atraídos por aquele Rosto tão amado, que adoramos na sagrada Eucaristia e reconhecemos na carne do irmão que sofre’” (n. 299). Na encíclica Laudato si’, o tema volta com frequência. Por exemplo: “São Boaventura, seu discípulo, contava que ele [Francisco], ‘enchendo-se da maior ternura ao considerar a origem comum de todas as coisas, dava a todas as criaturas – por mais desprezíveis que parecessem – o doce nome de irmãos e irmãs’” (n. 11).
[6] Cf. Inácio de Loyola s., Exercícios espirituais, nn. 103-106.
[7] Francisco, exortação apostólica Amoris laetitia, n. 139
[8] A. Spadaro, “Le orme di un pastore. Una conversazione con Papa Francesco”, in J. M. Bergoglio/Papa Francesco, Nei tuoi occhi è la mia parola. Omelie e discorsi di Buenos Aires 1999-2013, Milão: Rizzoli, 2016, XVI.
[9] Cf. Inácio de Loyola s., Exercícios espirituais, n. 22
[10] D. Fares, “La fratellanza umana. Il suo valore trascendentale e programmatico nell’itinerario di papa francesco”, in Civ. Catt., 2019, III, 119.
[11] Cf. D. Fares, “La fratellanza umana”, cit., 122.
[12] L. Marechal, Adàn Buenosayres, Florença: Vallecchi, 2010, 342 s.
3 – 7 ENSINAMENTOS DA FRATELLI TUTTI
Na “Fratelli Tutti”, o Papa Francisco faz uma convocação a vivermos unidos em uma grande comunidade global. O chamamento do Santo Padre teve ampla repercussão na sociedade e suscitou em muitas pessoas à reflexão: quais são os caminhos possíveis para seguirmos em direcção a um mundo mais justo e fraterno?
1- Consciência sobre o mundo
O Papa concentra um esforço na encíclica em fazer uma avaliação de factores que dificultam o desenvolvimento da fraternidade universal. Ele reflecte que depois de um período de avanços em direcção à união das nações, o mundo voltou a ter sinais de retrocesso.
“Encontramo-nos mais sozinhos do que nunca neste mundo massificado, que privilegia os interesses individuais e debilita a dimensão comunitária da existência” (FT, 12).
Falta de consciência histórica, a estratégia política da polarização e desagregação das pessoas em alguns países, a falta de um projecto que abranja a todos e a desvalorização de determinados grupos de pessoas, como os idosos e imigrantes, são alguns dos pontos enfatizados por Francisco.
2- A esperança
O Papa Francisco também convoca as pessoas a ouvirem a voz dos percursos de esperança possíveis de serem traçados. O amor é o ponto em comum a todos esses caminhos.
“Crescemos em muitos aspectos, mas somos analfabetos no acompanhar, cuidar e sustentar os mais frágeis e vulneráveis das nossas sociedades desenvolvidas” (FT, 64).
3-Empatia para com o próximo
Francisco reflecte na “Fratelli Tutti” que o amor universal pressupõe uma capacidade de nos abrirmos para o próximo. Para o papa, Jesus não nos ensinou a perguntar quem é nosso vizinho, mas sim a nos tornarmos vizinhos próximos dos outros.
“A proposta é fazer-se presente a quem precisa de ajuda, independentemente de fazer parte ou não do próprio círculo de pertença”.(FT, 81)
Nesse ponto, Francisco incentiva a empatia com os imigrantes do mundo inteiro. Ele clamou que as pessoas nessa situação sejam acolhidas, protegidas, promovidas e integradas.
4- Um mundo melhor requer uma política melhor
O Santo Padre mencionou a política como um espaço importante na solução dos problemas vividos pelo mundo, onde a representatividade das pessoas deve ser colocada verdadeiramente a serviço do bem comum.
“É necessário fazer crescer não só uma espiritualidade da fraternidade, mas também e ao mesmo tempo uma organização mundial mais eficiente para ajudar a resolver os problemas prementes dos abandonados que sofrem e morrem nos países pobres” (FT, 165).
5- Diálogo permanente
O Papa enfatizou também que a construção de uma sociedade melhor exige diálogo. Ele chamou de “heróis do futuro” aqueles que conseguirem quebrar a lógica da sociedade actual de não conseguir estabelecer pontos de convergência. Para isso, o Santo Padre alerta que será preciso ultrapassar as conveniências pessoais, com a sustentação de uma palavra respeitosa e com palavras densas em verdade.
“O diálogo perseverante e corajoso não faz notícia como as desavenças e os conflitos; e contudo, de forma discreta mas muito mais do que possamos notar, ajuda o mundo a viver melhor” (FT, 198).
6- Partir sempre da verdade
Na recta final da carta, o papa reflecte que muitos países carecem do que ele chamou de “artesãos de paz prontos a gerar, com inventiva ousadia, processos de cura e de um novo encontro.” Isso passa pela construção de uma memória de penitência, “capaz de assumir o passado para libertar o futuro”.
“O percurso para a paz não implica homogeneizar a sociedade, mas permite-nos trabalhar juntos. Pode unir muitos nas pesquisas comuns, onde todos ganham” (FT, 228).
Na visão de Francisco, o processo de construção de paz está directamente ligado com o perdão e é um compromisso perpétuo com o diálogo. E isso não apenas em relação a grupos rivais que até mesmo guerrearam entre si. As “desigualdades e a falta de desenvolvimento humano” também geram feridas que impedem a construção da paz, na visão do papa.
“Aqueles que perdoam de verdade não esquecem, mas renunciam a deixar-se dominar pela mesma força destruidora que os lesou” (251).
7- As Religiões ao serviço da fraternidade
Por fim, para fechar os destaques da encíclica “Fratelli Tutti”, o papa Francisco deu alguns dos maiores exemplos na promoção da aproximação e tolerância entre diferentes religiões. Já visitou pessoalmente Bartolomeu, o Patriarca da Igreja Ortodoxa e o Grande Imão Ahmad Al-Tayyeb, um dos principais líderes muçulmanos. Na encíclica, o Santo Padre suplicou:
“Existe um direito humano fundamental que não deve ser esquecido no caminho da fraternidade e da paz: é a liberdade religiosa para os crentes de todas as religiões”. (279). A encíclica “Fratelli Tutti” do Papa foi um convite inspirador a nos empenharmos na construção de um mundo melhor. Então, vamos juntos praticar a fraternidade universal!!!
CONCLUSÃO
“FRATELLI TUTTI”: DOIS CAMINHOS
O caminho da consagração implica, por exemplo: falar da encíclica, mais ou menos encomiasticamente; comentá-la, mais ou menos academicamente; inseri-la na doutrina social da Igreja (DSI), no pensamento social cristão, religioso em geral ou laico; inseri-la na formação, no ensino e na investigação católicas; contribuir para o seu estudo noutras confissões religiosas e em instituições laicas… Tudo isto é natural e necessário; porém, corre o sério risco de não respeitar a intenção do Autor, que deseja por certo contribuir para actuações pessoais, comunitárias, institucionais, políticas e outras promotoras de “fraternidade e amizade social” efectivas.
1. O caminho da acção dos católicos, e de outras pessoas motivadas pela encíclica, implica nomeadamente: o seu estudo; o confronto das suas propostas com as realidades socioeconómicas, ecológicas e políticas; a ponderação das diferentes opções ideológicas e técnicas para a solução dos problemas diagnosticados nesse confronto; a procura efectiva de soluções – imediatas e de fundo – para eles; e avaliações periódicas. Tudo isto deveria ocorrer através da reflexão e do diálogo, admitindo como natural o pluralismo dos seus participantes e, com ele, a eventual militância em correntes de pensamento, partidos políticos e organizações de classe, ou outras, diferentes.
Parece recomendável que as reflexões dialogadas tendam para posições comuns, no domínio dos princípios doutrinários; e parece natural que mantenham, em maior ou menor grau, as diferenças de posicionamentos sociopolíticos. Felizmente, encontra-se excluída, no plano doutrinário, a existência de partidos católicos, por implicarem um grave empobrecimento do pluralismo e a confusão da mensagem cristã com opções discutíveis e parciais (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nºs. 573-574; cf. encíclica Mater et Magistra, de João XXIII, nº. 238; constituição pastoral Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, nº 43; e encíclica Octogesima Adveniens, de Paulo VI, nºs. 4 e 50).
2. Seria altamente estimulante a criação de círculos de diálogo e intervenção (com este ou outro nome), no maior número possível de dioceses, paróquias, outras organizações ou independentemente de enquadramento institucional. Eles destinar-se-iam precisamente à reflexão, diálogo e intervenção sociopolítica atrás referidas. Como frutos do seu trabalho poderíamos esperar: o conhecimento e aprofundamento da DSI (Doutrina Social da Igreja) e do pensamento social cristão; a clarificação, complementaridade e eventual aproximação de posicionamentos diferentes; um exemplo visível de pluralismo sadio; melhor actuação de cada participante na vida local, profissional e sindical, empresarial e patronal, socioeconómica, cultural e política em geral. De facto, a intervenção cristã na melhoria do mundo e na transformação de estruturas não se pode limitar a enunciados doutrinários, mas precisa de uma verdadeira inserção plural no interior das realidades terrestres (cf. constituição Lumen Gentium, nºs. 31 e 36, e decreto Apostolicam Actuositatem, nºs. 5,7 e 13, ambos do Concílio Vaticano II).
3. Mais tarde, a partir destas iniciativas, poderá intensificar-se e organizar-se o “grande movimento”, de base laical, reconhecido por João Paulo II na encíclica Centesimus Annus, nº. 3?… – Registe-se que, nesta linha de rumo, Francisco defende a “fraternidade universal” como orientação de fundo, na encíclida Laudato Si’, nº. 228; esta mesma fraternidade vem agora aprofundada e desenvolvida na Fratelli Tutti.
“Este é o desafio actual, de que não devemos ter medo. Nos momentos de crise, a opção torna-se premente: poderíamos dizer que, neste momento, quem não é salteador e quem não passa ao largo, ou está ferido ou carrega aos ombros algum ferido.”(FT 70).
Gabela, 30 de Janeiro de 2021
KD (MBN)