SER, EXISTÊNCIA, ESSÊNCIA, SUBSTÂNCIA
Em metafísica,
a essência (do termo latino essentia) de uma coisa é constituída pelas propriedades
imutáveis da mesma, que caracterizam sua natureza. O oposto da essência são os acidentes da coisa, isto é, aquelas propriedades
mutáveis da coisa. Para o existencialismo,
"a existência precede a essência", conceito formulado por Sartre,
em que primeiro o ente existe e depois sua essência é introjetada durante o seu
percurso como ser que existe no mundo.
Não
há graus de existência; ou se é existente, ou não se é existente. O que há são graus
de ser segundo a bondade ou nobreza, e tais graus fazem parte da quarta via
tomista para provar a existência de Deus. Há, naturalmente, distintos modos de existir:
fora da mente, na imaginação, etc. Mas não se pode dizer que o cão tem grau maior
de existência que a erva, conquanto se deva dizer, sim, que o ser do cão
é superior ao da erva. Em outras palavras, posso dizer que ser cão é ser
mais que ser erva; mas não posso dizer que “existir [como] cão” é “existir”
mais que “existir [como] erva”. Uma coisa, pois, é a distinção possível entre os
modos de existência, outra a distinção entre os graus de ser. Ademais, existência
é o ser em ato, mas é do ato de ser que decorre o ser em ato
(e o ato de ser é participado por Deus a todas as coisas, incluídas as mesmas formas,
que não dão o ser senão como causas segundas). – Por fim, a existência é o que responde
à pergunta an sit (“se existe”), e só se distingue da essência segundo
a razão; ao passo que o ser é a atualidade de todos os atos e o que há de mais
íntimo às coisas: é o que há de mais próprio na Criação, e, nas criaturas, distingue-se
realmente (in re) da essência (esta é uma das principais teses tomistas).
Com efeito, nas criaturas a essência não é seu mesmo ser, senão que o tem por participação;
ao passo que em Deus a Essência é o próprio Ser subsistente.
A
loucura cartesiana (revelada na dúvida metódica) deve-se talvez em parte à mesma
incapacidade de distinguir aqueles dois pares. A existência dos entes sensíveis
é evidente (não assim a dos entes suprassensíveis: Deus, os anjos, a alma
humana). Ora, o homem é sensível. Por conseguinte, a dúvida cartesiana é uma negação
do evidente, razão por que se enquadra na fórmula segundo a qual “a filosofia moderna
é um problema de psicopatologia” (É. Gilson). – E veja-se que, se a existência dos
entes sensíveis é evidente, não assim seu ser como ato de ser e como realmente
distinto de sua essência.
Qual
a diferença então entre substância e essência?
A
substância é, antes de tudo, o que subsiste em razão de si (o que subsiste em
razão de outrem são os acidentes) e, depois, o que é sujeito ou suporte de acidentes.
Toda e qualquer substância tem em si essência e ser, enquanto que os acidentes
só os têm em outro, ou seja, na substância. A substância, pois, não “é” essência
+ ser; só em Deus se identificam substância, essência e ser. A substância, insista-se,
tem em si essência e ser, e é esta a maneira mais própria de dizê-lo. – Por
outro lado, essência = quiditas [quid (quididade)], ou seja, é aquilo que responde
à pergunta “o que é”. Qual a essência ou quididade de homem? Ou seja, o que ele
é? Animal racional, e esta é sua essência ou quididade (pelo gênero, animal,
a essência do homem inclui carne e ossos [não esta carne e estes ossos], enquanto
pela diferença específica, racional, a essência do homem inclui uma alma
imaterial ou intelectiva). Vê-se assim que substância não é o mesmo que essência
(embora, como dizem Aristóteles e S. Tomás, por vezes se use substância por essência
e vice-versa).
Tomás
de Aquino quase sempre usa o verbo
esse (literalmente, “ser”) também com o sentido puro e simples de “existir”.
Quando o nosso Doutor escreve utrum Deus sit, pode traduzir-se por “se Deus
existe”. Veja-se a diferença, em português, entre o homem existe e
o homem é animal racional; mas no latim de Tomás (o que também é possível
em português), ainda que com sentido distinto, se usa em ambos os casos est (literalmente,
“é”). Atente-se, ademais, a esta peculiaridade: antes de Tomás de Aquino sempre
se usara existere para “existir”; e creio que, se ainda para o sentido existencial
o Doutor Angélico usava o verbo esse, não é senão porque via a existentia
justo como intimamente decorrente do esse ou actus essendi. – Note-se
por fim que na pergunta tomista utrum Deus sit (em Suma Teológica,
I, q. 2, a. 3) não se pergunta pelo modo do ser de Deus nem por seu grau, senão
que simplesmente se pergunta se se pode afirmar a existência de Deus ou seu, digamos,
“fato de ser” (se assim não fosse, não diria Tomás que o argumento idealista de
Anselmo para provar a existência de Deus não explica o ateísmo).
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